Neste mundo, não existe troca equivalente.

Este mundo é injusto, ele tira as coisas mais importantes e em troca, fica somente o vazio que chamamos de Solidão.

Costumavam dizer que um soldado morre como um herói, que em época de Guerra, cada sacrifício é lembrado com honra.

Tem vezes em que quero acreditar nisso, mas a morte nunca me trouxe honra e nem heroísmo, ela me trouxe apenas a lembrança de uma pessoa que se dizia meu pai e que dizia que iria cuidar da nossa família por longos anos. O irônico é que estes anos foram tão curtos, que sequer lembro seu rosto ou voz; a única coisa que possuo, é uma foto amarelada e um túmulo ao qual não visito faz 5 anos.

Embarco nesta jornada para recuperar a coisa mais importante, algo que me foi roubado: Meu pai.

TIES

A FULLMETAL ALCHEMIST FANFICTION.

PRÓLOGO

TABOO

O dia começava preguiçoso. O Sol parecia não querer sair e o tempo estava mais fresco que de costume, era um sinal de que o inverno chegava em Amestris. As casas da Cidade Central haviam crescido desde a última vez que podia lembrar, também pudera, a revolução chegara após um longo conflito e a paz parecia reinar absoluta. Não se ouvia mais falar em guerras, Homúnculos, Ishval ou qualquer coisa que trouxesse medo.

O mundo estava em paz.

Na janela de seu quarto, a primeira luz do dia adentrava lentamente. A cama estava mais afastada e demorou a incomodá-la. A noite em claro havia dado resultado, podia-se ver grandes manchas escuras abaixo de seus olhos e a cara incomodada ao ver que o dia começara.

- Elicia, vamos acordar! Ande, querida. – A voz doce ecoou pelo seu quarto.

Uma garota de longos cabelos amendoados se revirou na cama. As madeixas lisas escorregavam por seu corpo miúdo, a pele pálida era iluminada pelo sol e lhe dava uma aparência quase cadavérica.

- Meu Deus, menina! – A senhora adentrara o quarto e puxara as cobertas. – Há quanto tempo que não come algo decente?!

Elicia abrira os olhos de tom esmeralda e encarara a mãe com raiva. O rosto arredondado estava mais murcho que o normal, ela podia creditar isso à falta de comida; não havia tempo para sentir fome.

- Ah, acho que comi... há uns três dias atrás? – Ela resmungou.

Gracia, uma senhora que aparentava ter pouco mais de 40 anos, olhava incomodada para a filha. Colocara sua mão sob a cintura e a pegara pelas pernas, puxando violentamente a filha para o chão.

- Wow! – A menina rolara para o duro chão de madeira.

- Vou enfiar comida nessa boca nem que seja a última coisa que eu faça em vida! Vamos! – E começara a arrastar a filha quarto afora.

Era como um ritual, Elicia decorara. A mão vinha lhe acordar no mesmo horário – 5:50 – lhe tirava da cama nem que fosse a pontapés e a forçava a comer alguma coisa. Esse ritual começara há 5 anos, quando a garota tinha 10 anos e resolvera estudar a arte da Alquimia. Não era necessariamente obrigatório passar fome, mas Elicia queria absorver todo o conhecimento necessário para o que pretendia fazer.

Elicia havia estabelecido uma meta, após encontrar um documento que mudaria toda sua vida; ela iria trazer seu pai de volta, nem que tivesse de fazer o inimaginável. Ela sabia que muita gente havia falhado, mas ela não cometeria os mesmos erros, iria chegar aonde todos sequer sonharam.

- Se seu pai estivesse aqui, garanto que ia ficar muito bravo. – Gracia falava com naturalidade e um sorriso no rosto.

- É. – A menina magrela e de média estatura continuava a ser arrastada pelo chão. – Mamãe, andou praticando musculação?

- Hm? – Ela continua a puxar a filha escada abaixo. Podia-se ouvir os sons da cabeça da menina estalar a cada degrau percorrido.

- Ai! É que... você consegue... AIII, me puxar mais fáci—uh! – Ela batera com violência em outro degrau.

Gracia rira do comentário e continuara a segurar a menina pelas pernas.

Elicia se lembrava ainda da época em que escutara escondida à conversa de Roy – grande amigo de seu pai – com a mãe, falavam sobre um tal de arquivamento de documentos e condecoração post-mortem para meu pai. Ele segurava uma pasta amarelada nas mãos e mostrara para minha mãe, continha papéis e fotos que eu não conseguia decifrar.

Esperei pacientemente o Senhor Roy sair e minha mãe se distrair, procurei o local aonde havia sido guardado o documento e, para meu horror, descobri que se tratava de fotos e análises sobre o assassinato de meu pai. Não havia heroísmo ali, não como me contaram; havia sangue e um corpo, uma imagem que não conseguia assimilar com a do homem amável e sorridente.

- Elicia? – A voz de sua mãe ao adentrar a sala ainda ecoavam em sua cabeça. Seus olhos se arregalaram. – Larga isso!

- Mamãe? – Elicia queria segurar, se conter, mas as lágrimas malditas escorriam violentamente de seus olhos. – por... por que não me mostraram isso?! QUEM FEZ ISSO COM O PAPAI?

Elicia caíra de joelhos e largar os papéis inconscientemente. Ela chorava e gritava desesperada, Gracia correra e abraçara a filha.

- Eles o pegaram, querida.

- Mas, e o papai? Por que ele não voltou?!

- Hm... – Gracia tentava sorrir. – Nem sempre temos uma troca equivalente. Pegamos os caras maus, mas seu pai quis continuar lá em cima, sabe?

- Não é justo!

- Eu sei, eu sei. – Gracia acariciava a cabeça da filha e tentava confortá-la. – Não chore, meu amor.

Desde aquela época, Elicia decidira mudar essa realidade. Começara a estudar as leis da Alquimia e achar uma brecha, algo que lhe desse uma maneira de trazer seu pai de volta.

Se a tecnologia em menos de 10 anos fizera Amestris evoluir na ciência, criando automails que auxiliavam no funcionamento do coração e até mesmo automails que substituíam alguns ossos, por que a Alquimia não poderia trazer alguém de volta dos mortos? Se havia um tabu para isso, nada mais justo que ele ser quebrado.

- Veja só, fiz o que mais gosta. – Gracia sorrira para a filha.

Elicia forçara um sorriso torto para a mãe. Ela bem que tentava, apesar de ser muito compreensiva e amorosa, a mãe mudara ao longo dos anos, ficara mais dura e mais fechada. Os anos, para minha mãe, foram gentis para sua aparência, mas sua personalidade parecia ter mudado; não a via sorrir com naturalidade, ela parecia sofrer com o que acontecera há 5 anos.

- Obrigada, mamãe. – Elicia estava descabelada, não se lembrava da última vez em que penteara os cabelos. Ela ainda estava de pijamas, pés descalços e rosto sonolento.

- Tem de estar bem alimentada, forte e animada para os exames. É ano que vem, não é?

Elicia acenou animadamente com a cabeça.

- Hm. Quero seguir os passos do papai, vou me alistar no Exército.

- Mas Alquimista? – Gracia parecia incerta. – Tem certeza?

- Sim. – Elicia respondeu. A menina enrolava os cabelos em um coque desajeito e o prendia com a primeira coisa que achara na frente. – Acho que conseguiria ir bem nos exames, estou estudando desde os 10 anos.

Gracia parecia orgulhosa, acariciara a cabeça da filha com zelo.

- Você tem a astúcia do seu pai, ele era genial. Com certeza será um prodígio.

- Mas o tio Ed se saiu melhor, ele ainda é a grande lenda entre os Alquimistas. Depois dele, ninguém conseguiu entrar no exército antes dos 16. – Elicia parecia concentrada enquanto falava. – Quero ser melhor que ele, farei o que ele não pôde e irei mudar a história, pode apostar.

Gracia parecia ter recebido um choque, tamanha fora a mudança de expressão, ela congelara a expressão e parara de mover o corpo. Parecia ter ouvido algo terrível.

- Tomara que consiga, amor. – Ela retornou a si e foi se afastando lentamente.

Elicia não a culpava.

O exame de admissão estava previsto para dali uns 11 meses, mas a garota pretendia colocar seu plano em ação naquela noite. Ela sabia que a mãe iria visitar Edward e sua família no interior, iria deixá-la aos cuidados de uma babá – aos 15 anos? Francamente! – e que teria uma oportunidade única.

- Tem certeza de que não irá esquecer de comer? – Gracia parecia preocupada.

- Três refeições ao dia. – Elicia garantiu.

- Banho?

- Pelo menos uma vez?

- Nada de destruir seu quarto, certo? Paguei uma fortuna da última vez pelo conserto. – Gracia sorriu. – Serão somente 3 dias, a tia Winry queria me mostrar os filhos.

Elicia sorriu e viu a mãe sair da casa com pesar nos olhos. Assim que fechara a porta e sua babá sumira cozinha adentro, a garota perdera a expressão feliz e fechara o semblante.

Ela subira lentamente a escada e partira para seu quarto. Começara a afastar todos os móveis e limpar o piso. Pegara alguns instrumentos, ingredientes que guardava dentro de um armário e, por fim, um grande e velho livro.

- Aquele velhote do tio Ed sempre errou na parte crucial. – Elicia resmungava. Ela caminhava pelo quarto completamente bagunçado e desenhava com o auxílio de um giz, um enorme círculo. – Uma gota de sangue? Uma troca precisa ser mais do equivalente, essa regra é errônea.

Se o corpo de um humano saudável era composto por litros de água, carbono, amônia e sabe-se lá quantos mais ingredientes, faltava o essencial: O peso de uma alma, o valor da alma humana.

Elicia estudara tantos anos tentando descobrir qual seria o valor desta parte, chegara à conclusão que uma vida só podia ser trocada por outra.

- Se eu der parte do meu corpo, estarei dando parte da alma, certo? – Ela murmurava. A menina olhou para o lado mais extremo do quarto e admirou a foto com seu pai, a única que possuía. – Se eu colocar algo pessoal dele, posso chamar sua alma para este corpo que criarei. Algo como seus óculos...

Elicia segurava aqueles óculos velhos e enferrujados, a última lembrança que restara do pai. Ela pressionou fortemente o objeto, mordeu os lábios e soltou um suspiro.

- Vai dar certo, estudei pra isso. Não vai voltar para mim, a Alquimia é absoluta. Se eu acertar isso, ele vai voltar.

A garota andou em volta do círculo e foi depositando os ingredientes para um corpo humano, jogou os óculos de seu pai no centro e parou diante do mesmo. Ela segurava em uma das mãos uma grande faca, grande o bastante e afiada o suficiente para cortar um material muito resistente.

- O Grande erro foi uma gota de sangue. Uma vida não é criada com isso. Mas se eu der parte do meu corpo, isso muda. É mais do que sangue, mais do que carne. – Ela fechara os olhos, o corpo tremia. – Estou oferecendo parte da minha alma, não é?

Elicia fechou o punho esquerdo e o estendeu para frente. Ela sabia que precisaria de ao menos um braço para executar o trabalho, o outro era desnecessário. Ela respirou fundo, cerrou os dentes e com toda a força que tinha, desceu a faca na direção de seu braço fechado.

Sangue esguichou por todo o círculo, a garota arregalou os olhos e berrou o mais alto que pôde. Ela sentia o calor, a dor excruciante percorrer cada canto de seu corpo; sentia lágrimas escorrerem dos olhos e o suor percorrer sua pele tamanha magnitude da dor.

Ela ouvir a sua babá subir as escadas ao ouvir os gritos e sabia que precisava se apressar. Precisava terminar o trabalho o mais depressa o possível.

Elicia tentou se erguer, gemendo desesperadamente. Ela olhou seu braço caído ao chão, ainda com o punho cerrado e sangue escorrendo das veias dilaceradas. A faca estava caída próximo de seu pé, só podia ver sangue.

Uma hemorragia como aquela, iria matá-la em alguns minutos, precisava correr.

- Por favor, dê certo. – A menina respirou fundo, segurando o choro e a dor horrenda que a dominava e enfiou o braço saudável no círculo. A palma de sua mão tocou a borda do desenho e o mesmo começou a ganhar vida.

- ELICIA! – Sua babá batia na porta, mas a mesma se encontrava trancada. – Eli- Vou chamar seu tio!

O círculo ganhara uma tonalidade azul e raios pareciam surgir de dentro do mesmo. Os ingredientes pareciam ganhar vida e sambavam ao redor da luz, pareciam estar ganhando outro tipo de forma. Um vento muito forte dominou o local junto de um barulho ensurdecedor.

Todo o quarto ganhava vida, os móveis começaram a flutuar no ar e rodopiar em torno do círculo

- Está dando certo, não está!? – Elicia fechara um dos olhos. Não podia enxergar bem e sentia a força sendo drenada do corpo, a hemorragia estava causando alguns efeitos colaterais.

A garota sorriu e riu histericamente ao ver o círculo começar a tomar forma. Parecia que algo se movia dentro dele, algo tomava a forma parecida de um humano. Um adulto?

- Pap- - Elicia travara. Os olhos não piscavam e a boca permanecera aberta.

O círculo parecia ter parado de produzir energia num súbito e naquele instante, uma enorme explosão ocorrera lançando todos os móveis para os lados e arrebentando boa parte do quarto.

A garota havia saído ilesa, mas algo ocorria em seu corpo. Ela notou que sombras surgiam do círculo, coisas que se pareciam com mãos e braços, mas negras. As mãos agarraram seu rosto e parte do que restara do braço esquerdo.

- MAS O QUE-?! – Seus olhos esmeraldas se arregalaram, sangue escorreu de sua boca no instante em que os braços atingiram sua face e corpo.

Os braços tocaram em seu ombro esquerdo, inchado e dilacerado pela amputação calculada. A garota berrou ao ver todo seu ombro desaparecer em sangue e carne putrefata, os braços pareciam comer o que restara do lado esquerdo de seu corpo, sua face estava ficando cheia de veias negras saltitando por toda a extensão e sangue parecia brotar de sua boca. Elicia tombou no chão e vomitou uma quantidade absurda do líquido vermelho.

- Mas... – Ela gritou desesperadamente. – AHH! Isso não pod- UGGH!

Os braços arrancaram o que restara de seu ombro e partiram para suas costelas, pareciam arrancar uma a uma e transformar os ossos em pó. A garota se debatia no chão, incapaz de se erguer e berrava por ajuda.

Ela se sentiu arrastada, olhou para os braços e viu que estava sendo dilacerada em todas as partes do corpo e arrastada para o centro do círculo.

- Não, não, NÃO! – Ela repetia desesperadamente. – EU DEI PARTE DO MEU CORPO!

Os braços a engoliram em um grande vórtice negro e a fez desaparecer do local, uma bolha de sangue foi expelida do vórtice e a menina sumiu.

- Hey.

Elicia estava deitada, os olhos se abriram para admirar o vazio. Ela estava com seus pijamas, um short e uma blusa preta sem nenhum detalhe. Os cabelos soltos e penteados, assim como o corpo saudável e bem nutrido. Ela se sentara rapidamente, perdida em pensamentos.

- Mas onde... ? – Ela esfregara os olhos, confusa.

- Demorou a acordar, dorminhoca. – A voz conhecida a fez saltar.

Elicia se ergueu e virou para frente. Tudo era branco, não havia fim e nem começo, mas diante dela, estava seu pai. O grande Hughes estava ali, com as mãos ob a cintura e com um sorriso branco.

- Pa... – Ela murmurou.

Hughes fechou os olhos, ainda sorridente.

- Papai? – Ela esboçou um sorriso tímido, o rosto vermelho.

Mas Hughes se desfez imediatamente, tomando a forma de um mero contorno, algo que se assimilava a um corpo humano. Este contorno não tinha olhos ou nariz, tinha apenas um sorriso malicioso.

- Ah! Meu pai! – Elicia se desesperou.

- E aí? – A figura se sentara, dobrando os joelhos e abrindo um largo sorriso. – O que achou?

- Eh? Quem é você?

- Mas sempre a mesma pergunta? – A figura parecia se lamentar. – As pessoas exigem respostas para coisas que já estão definidas, não está contente de ver seu pai? Por que iria querer mais?

- Mas ele não está aqui! O que fez com ele?!

- Eu? Nada. – A figura deu de ombros. – Seu pai está morto há anos, nada que se possa fazer em relação a isso. Eu, por outro lado, posso mostrar como ele era. Mas não posso trazê-lo de volta.

- Mas eu fiz corretamente! Ele tem que voltar! QUERO A ALMA DELE! – Elicia se desesperara, ela arregalara os olhos e começara a chorar. – Eu dei meu braço, coloquei os ingredientes, até peguei os óculos para chamar sua alma!

A figura dera uma risada histérica.

- Os óculos? Ah. – A pessoa se erguera e caminhara ao redor da menina. – Um objeto não pode trazer uma alma dos mortos, pode? Um braço não substitui uma vida, assim como não se troca uma vida pela outra. A Alquimia é perfeita, não há brechas. Uma alma não pode ficar em um corpo que não lhe pertence, assim como seu corpo não segurará uma alma que já se desprendeu.

- Não aprendeu com o erro dos outros, não?

- Mas então... foi tudo em vão? – A menina parecia desolada.

- Não em vão, você encontrou a mim. Aquele que chama de Deus, Tudo, o Criador. Eu posso lhe dar algo, mas não sem algo em troca.

- Por que eu iria querer algo? – Elicia resmungou.

- Porque eu sou você, represento tudo e sei de tudo. Sou a verdade que tanto julgou saber. Você é prisioneira de sua própria ignorância, mergulhada em sua tristeza, esquece que a vida é um bem impossível de ser criado artificialmente. – A figura parecia ter perdido o sorriso e apontava para Elicia. – A menina cuja inocência era o maior adjetivo, hoje não passa de uma mísera escrava da Verdade.

Elicia estava perdida em pensamentos, não podia ter calculado tão errado. Não tinha pensado que iria falhar aonde todos tinham, ela tinha que ser diferente.

- No que eu errei? Me diz!

A figura abriu um sorriso.

- Aonde todos, menos uma pessoa, erraram. – Respondeu com frieza.

A garota não sabia o que dizer, sentiu algo a observando e se virou para trás. Algo que se parecia um olho a observava, os mesmos braços que destruíram seu corpo, puxavam-na para este olho. Era como se adentrasse um local escuro, um quarto sem saídas. Ela tentou se segurar, arranhou o chão e berrou por ajuda.

- Por favor! – Ela implorou

- Você quis isso. Sabia do erro dos demais e ainda assim desejou isso, não posso fazer nada a não ser dar o que pediu.

A garota gritou mais alto e foi trancada dentro daquela porta, aonde o olho e os braços a arrastaram.

- A Verdade é absoluta, não? – A figura parecia lamber os lábios de prazer ao ouvir os gritos desaparecerem subitamente.

A verdade, que tantos buscam, sempre tem um preço. A Troca Equivalente parece soar como uma banalidade nesse momento. Para ter o conhecimento de Presente, Passado e Futuro não se necessita apenas de uma pedra ou sangue, ela requer toda sua sanidade, toda vida e até mesmo a alma. Ela a destrói por dentro e a consome aos poucos; por que não viver na ignorância? Por que humanos desejam tanto algo que lhes trará apenas dor e sofrimento?

Elicia não conseguia entender o que acontecia naquele instante. Centenas de milhares de imagens cruzavam diante de seus olhos, eram cenas de um passado não muito distante e de conhecimentos que ela jamais obtivera durante os anos vividos. Podia ter certeza de que descobrira a fórmula para recriar algumas armas poderosas e tinha a impressão de que as imagens lhe mostravam um passado doloroso. Sua cabeça ardia com o fluxo de informação armazenado a força; os olhos pareciam esbugalhar, como se não aguentassem guardar tanta coisa em um só local.

- P-Pare! – Ela juntara as mãos e cobrira os olhos.

Os braços pareciam arrancar lentamente as partes que ela sacrificara durante o ritual. Elicia gritou ao ver seu braço esquerdo ser arrancado do corpo, assim como sentira uma dor terrível ao ver que algo era retirado de dentro de seu corpo.

Os braços carregavam algo vermelho, algo pulsante: Seu coração. Ou ao menos parte dele, ela vira os braços estilhaçarem o órgão e partirem para suas costelas.

Cada imagem que via, parecia ter algum preço e este era cobrado em seu corpo.

Foi então que vira imagens estranhas, de pessoas adorando mortos e escrevendo fórmulas párea trazê-los de volta; a alquimia que ela jamais vira, cruzava seus olhos e o nome era repetido centenas de vezes em sua mente: Alquimia da Morte.

Outras imagens cruzara sua mente, como a da morte de Hughes e do algoz de seu pai.

- Chega! Eu não queria isso! Eu não... – Ela paralisara ao ver o pai se encontrar com Envy, suas mãos tentavam alcançá-lo, mas fora tarde. Hughes caía ensanguentado no chão, com os olhos perdidos e a expressão cansada. – NÃO!

Novamente fora jogada contra sua vontade para outro lugar.

Caíra no escuro, lágrimas saíam de seus olhos, o sangue ainda escorria do que restara do ombro e peito, seu rosto estava encarando o teto. O corpo jogado de qualquer maneira no quarto destruído.

Por que tinha de acontecer isso?

- Ah, não... não... – Ela sussurrava ainda lembrando-se daquelas imagens horrendas.

Elicia tentou se levantar. Havia se esquecido da Alquimia, a transmutação que dera errado para ela. A garota tentou se erguer, sentindo o coração falhar ao se mover lentamente.

Seus olhos pareciam ter parado de mover ao encontrar o resultado de seu sacrifício, sua boca tremia e lágrimas saíam sem qualquer percepção da menina. Elicia berrou em pânico.

Olhava para uma aberração, uma espécie de humano com carne viva à mostra. Os braços da figura se erguiam e tentavam lhe alcançar, os olhos avermelhados pareciam sangrar conforme seguiam Elicia pelo quarto.

- AHHH! – Ela se jogou no chão e começou a berrar o mais alto que pôde. – MAS QUE MERDA!

Por que não podia morrer logo?!

- El... Elic... – A aberração conseguia falar e tentava chamar seu nome.

Elicia continuo a gritar, a dor em seu peito aumentava e o sangue se acumulava no chão. A filha de Hughes sentia que estava perdendo a força, assim como seu coração parecia perder a força a cada segundo.

A porta de seu quarto fora arrombada com violência e duas pessoas surgiram apressadas.

- ELIC-! - A voz feminina pausara, provavelmente havia visto o que restara de sua Transmutação.

Barulhos de tiros ecoaram por todo o quarto. Elicia se encolheu e fechou os olhos, sentia-se fraca demais para descobrir quem eram os visitantes.

- Você está bem? – O homem lhe pegara e a segurara nos braços, não parecia ter dificuldades em segurar algo tão minúsculo e abatido como Elicia.

- Meu... pai.. – Elicia contraíra o músculo da face e começara a chorar novamente. – Aonde foi que eu errei? Aquele ali... não é ele!

Mas a figura permaneceu em silêncio.

- Precisamos levá-la para o Hospital Central.

Elicia fechara os olhos, sentia-se cansada demais e queria apenas encerrar aquilo. Perdeu a consciência e sonhara com a família reunida, como sempre, à mesa de jantar e seu pai dizendo que iria tirar mais fotos da pequena.

- Termine isso. – Roy Mustang saía lentamente do quarto.

Riza Hawkeye apontara a arma para a aberração e dera um tiro final, o ser desmontara no chão e começara a desaparecer em cinzas; Roy não olhou para trás, sendo escoltado por sua fiel companheira.

Já dizia uma pessoa cujo nome não vem à cabeça: "Uma lição sem dor não tem significado. Isso porque as pessoas não conseguem obter nada sem sacrificar algo em troca. Essa é a Lei da Troca Equivalente".

Nunca uma lei foi tão absoluta como esta.