Três chances

ou

O terceiro em discórdia


Disclaimer: Saint Seiya não me pertence e essa fanfic não possui fins lucrativos.


Capítulo Um

Na primeira vez em que aqui estiveram, vieram como uma bela meretriz e um poderoso general. Ela: bela, loira, olhos azuis como o céu, uma beleza delicada e angelical que se combinava harmoniosamente com um corpo pecaminoso. Ele: forte, cabelos negros e revoltos, em um tom azulado. Olhos profundos, desbravadores, que pareciam enxergar mais do que se desejava mostrar. Azuis como o mar. Era um forte e renomado general, respeitado em todo o reino. Possuidor da mais completa confiança do rei e, por isso mesmo, foi transformado no protetor do jovem príncipe.

O rei possuía uma idade avançada quando finalmente conseguiu conceber seu herdeiro. A rainha morreu no parto. Esse único filho, portanto, não pudera conhecer tanto de seus pais quanto gostaria. Aos dez anos, viu morrer seu pai e, sendo decididamente muito jovem para ocupar o trono, um Conselho se formou, com importantes e influentes homens do reino, para governarem aquelas terras. Assim, considerou-se a importância do menino que, mais especificamente depois de oito anos, começaria a se tornar uma voz ativa em seu reino. O jovem príncipe Seth precisaria ser protegido durante esse período, em que guerras assolavam aquelas terras. O encarregado por isso foi o mais jovem general daquele reino, Ian, que naquela época contava vinte anos.

A relação entre general e protegido foi crescendo com o tempo. Uma bonita amizade surgiu entre ambos e, acima de qualquer coisa, o general Ian preocupava-se em proteger o príncipe. Essa fora sempre sua prioridade... até que, quando o príncipe completou dezoito anos e estava prestes a ocupar seu trono, como era de seu direito, tal prioridade pareceu mudar. Ou, ao menos, ficou abalada. Foi quando a meretriz Helena surgiu na vida do general.

Muito rápido, ela se tornou o centro da vida daquele homem, sempre tão concentrado em seguir rigidamente suas tarefas. Ele, sempre muito sério, pareceu perder-se naqueles olhos tão claros, como águas límpidas em uma manhã de primavera. Perdeu-se nos cabelos dourados que brilhavam como um sol estonteante. Helena se tornara um sopro de felicidade em sua existência, fazendo aquele rosto sorrir como não lhe era comum.

Mas... havia sido uma armadilha. Houve um conluio, queriam assassinar o príncipe, antes que ele fosse devidamente coroado. A jovem Helena seduziu o general, ganhou sua confiança e, ela mesma, tirou a vida do jovem príncipe em um deslize de Ian, que viu seu protegido morrer diante de seus olhos, por sua culpa. Olhos que, posteriormente, também viram a meretriz morrer, como punição por seu ato. A jovem havia sido contratada, ou obrigada, como ela tinha alegado, para agir assim. Era uma escrava, desejava alcançar sua liberdade e, para tanto, deveria executar essa ação. Não deveria ser tão difícil agir de forma tão ardilosa se ela mesma havia já se acostumado a ser vista como uma pessoa baixa e vil pela sociedade. Entretanto, antes de morrer... dirigiu um último olhar para o seu general. Um sofrido e arrependido olhar. Ian compreendeu, e uma dor exasperante tomou conta de si. Apesar de tudo... ela o havia realmente amado. Mas isso não evitou que ela fosse levada àquele fim trágico.

Uma história confusa, em que sentimentos muito distintos se misturaram à ambição, cobiça, desejo cego por poder. Houve amor. Mas um amor que não pôde ser tudo a que estava destinado. Em outras condições, em outra vida, outra... existência... quem sabe?

Por tudo isso, houve uma segunda chance. Tinha sido um sentimento forte demais, uma história dolorosa demais. Aquelas duas almas, tão sofridas, mereciam uma chance de tentar de novo.

E, dessa segunda vez, vieram sob a forma de um soldado e de uma camponesa. Em meio a uma horrível guerra, um jovem soldado, de vinte e quatro anos, pôde conhecer, de uma única vez, o amor e o terror. O soldado, ambicioso, tencionava subir de patente o quanto antes. Era muito belo, com cabelos loiros e olhos azuis celestiais, mas entrara para o exército desejando fugir da visão estereotipada que tinham dele. Não era apenas um rosto bonito. Tinha potencial, podia ser muito mais do que aguardavam dele. E provaria isso a todos os que, incrédulos, enxergavam apenas um rosto angelical em si. Entretanto, nem os cabelos muito curtos, nem o uniforme sujo e nem mesmo o rosto constantemente marcado pelo suor e sangue em virtude das batalhas travadas tiravam do rapaz a beleza que lhe era inata.

Foi assim que a camponesa Isolda o conheceu. O soldado Heitor, após um terrível confronto, foi deixado para trás como se estivesse morto. Estava desacordado, mas não buscaram saber se havia morrido, de fato, ou não. Quando despertou, ainda no campo de batalha, viu muitos corpos a seu lado. Jogados, abandonados. Sentiu frio e olhou para as próprias vestes, sujas de sangue, rasgadas, em farrapos. Procurando se aquecer, diante da noite fria que se aproximava, retirou sua roupa e vestiu as de um dos camponeses que morrera ali. O homem ainda tinha suas roupas em um considerável bom estado, levando-se em conta o que tinha se passado. E, depois de vestido, o soldado vagou, sem saber para onde, em busca de seus companheiros. Mas estava fraco. A noite ia alta quando caiu em meio a um campo vazio, sem mais forças para continuar.

A jovem Isolda o encontrou assim, desacordado, enfraquecido. Quase morto. E ela salvou-lhe a vida. Com algum esforço, conseguiu trazê-lo para o refúgio em que vivia junto de outros camponeses, que sobreviviam bravamente à ofensiva do exército. Mas estavam em cada vez menor número.

Isolda, por sinal, apenas salvou o soldado por não reconhecer nele o inimigo. Ele não estava usando sua farda, havia trocado de roupa sem imaginar que isso representaria sua salvação nas mãos da bela morena, de fartos cabelos negros e olhos azuis tão belos como a noite, tão densos como o mar.

Heitor, ao despertar e compreender que havia sido salvo pela camponesa, sentiu-se dividido entre o dever e a gratidão. Afinal, Isolda o levara ao acampamento dos refugiados, que representava a resistência contra a qual o exército lutava. Ele sabia bem que o maior objetivo de seus superiores era descobrir onde eles se escondiam. E o soldado agora sabia... mas tinha sido resgatado pela moça, cuidado por ela... Fora inclusive, por causa dela, bem tratado pelos outros camponeses que se sentiram muito desconfiados desse rapaz que nunca antes tinham visto. Mas Isolda fez com que todos o aceitassem. A jovem possuía um forte temperamento e sabia fazer valer sua vontade.

Enquanto esteve se recuperando, preferiu não ficar muito tempo em meio aos camponeses daquela vila improvisada, escondida em meio à mata. Estava receoso de que aqueles homens descobrissem quem ele era, na verdade. Além disso, não conseguia se decidir entre entregar ou não aquelas pessoas. Sentia-se confuso, perdido entre o dever e o querer. Percebendo que Heitor não se sentia bem com seus companheiros, Isolda o ajudara então, levando-o para ficar acampado um pouco distante de onde viviam os refugiados. Mas ela não o abandonara e os cuidados foram se transformando em uma amizade que crescia para claramente se tornar bem mais que isso. Heitor sabia que o que levara a garota a defendê-lo tão violentamente frente aos outros, que ainda desconfiavam dele (com razão), foi o fato de ela o ter encontrado, um pouco afastado do campo onde a batalha se travara, ferido de morte, exatamente como ocorrera com seu irmão. Isolda tinha um irmão mais novo, Sebastian, que tinha ido para a guerra junto a outros camponeses, os quais lutavam por sua liberdade. E Sebastian fora gravemente ferido, de modo que ainda se buscava se recuperar, mas aos poucos. Parecia estar em situação pior que Heitor. Então, quando Heitor viu-se enfim frente à frente com o irmão de Isolda, conheceu não apenas aquele de quem sentia até mesmo um certo ciúme, por já se saber apaixonado pela camponesa de tão forte personalidade, que amava devotamente o irmão... mas descobriu também que aquele havia sido um dos camponeses contra o qual lutara corpo a corpo, em um duro confronto. E o estado em que ele se via agora era por culpa sua.

Sebastian não conseguiu resistir. A morte foi inevitável e, quando Isolda pensava não haver dor pior que a de perder seu irmão, sobreveio a terrível descoberta de que o homem que amava era o inimigo.

Precisou fugir para não morrer. Conseguiu, uma vez que estava plenamente recuperado, regressar à base do exército. E descobriu da pior forma como boas intenções podem ser distorcidas. De forma alguma, iria colocar em risco a vida de Isolda. Mas, sem querer, foi o que terminou por fazer. A vila dos refugiados fora encontrada, graças a ele. E, com olhos espantados, viu a amada perder a vida. Não pôde fazer nada. Chegara tarde demais e a última imagem que teve, antes de ver aqueles olhos cor de tormenta se fecharem para sempre, foi o olhar que ela lhe lançou. Um olhar triste, mas que, ao mesmo tempo, demonstrava perdão.

Outra tentativa que não deu certo. Novamente, sentimentos que se confundiram a uma história que abarcava muito mais que o amor entre os dois. Infelizmente, nesses casos, o amor não parecera suficiente para vencer barreiras. O amor não parecera o bastante para trazer a plena felicidade àquelas almas gêmeas.

Era muito triste que acabasse assim. Por isso... poderiam dar uma terceira chance.

Mas seria a terceira e última chance. Se não conseguissem, dessa vez... essas almas gêmeas estariam condenadas a nunca mais se encontrarem.

Por isso, lá estavam eles. E, nessa terceira vez... vieram sob a forma de dois homens. Dois fortes, admirados, respeitados cavaleiros de Athena. Hyoga, o frio cavaleiro de Cisne, era a reencarnação de Helena e Heitor. E Ikki, o temido cavaleiro de Fênix, trazia em si a reencarnação de Ian e Isolda.

Fogo e gelo. Não seria fácil. De alguma forma, essas forças soberanas pareciam gostar de brincar com as vidas humanas. Deram uma nova oportunidade a dois corações que há duas existências buscaram, em vão, amar-se. Contudo, essa última chance não parecia tão promissora à primeira vista. É certo que, em seu favor, estava o fato de serem ambos cavaleiros de bronze, defensores da mesma deusa. Isso era de grande ajuda, afinal estavam do mesmo lado, o que poderia impedir uma história cheia de traições que, no passado, levara os amantes à morte. Entretanto, além dos temperamentos distintos, que os acompanharam também nas vidas passadas, e que sempre dificultaram a aproximação de ambos em um primeiro momento... Continuava havendo um terceiro em discórdia nessa história: Shun, o cavaleiro de Andrômeda e, também... a reencarnação de Seth e Sebastian.

Continua...