CAPITULO I
Rin Nakayama dançava alegremente um rock'n'roll, com o barulho da música fazendo com que as janelas e o chão vibrassem.
Colocou as mãos sobre a cabeça e mexia-se de acordo com a frenética balada musical. As médias de cabelo castanho batiam em seus quadris, quando ela dava piruetas. Numa delas, sem querer, bateu na pilha de caixas de papelão onde seus pertences estavam. A música era agitada e ela deu mais duas piruetas. Preparava-se para a terceira quando, de repente, desligaram o aparelho de som.
Rin olhou, envergonhada e com o coração acelerado, para o homem que desligara o aparelho de som portátil. Ele se sentou na mureta que separava aquele cômodo da pequena cozinha.
Era alto. A expressão facial era forte como o resto do corpo, com sobrancelhas pretas encimando os olhos dourados.
A porta de entrada atrás dele estava aberta. O motorista do táxi-furgão que gentilmente ajudara Rin a levar suas caixas escada acima partira há uma hora e meia atrás. Ela sabia que a mercearia que ficava em baixo estaria vazia até às quatro e meia.
De súbito, todos aquelas histórias sobre a grande cidade, que contaram e ela rira, vieram a sua cabeça. Esquecera da primeira regra: trancar a porta.
— Eu devia jogar esta porcaria fora. Estou batendo em sua porta há cinco minutos! — o homem exclamou, furioso.
Rin relaxou, não dando muita importância. Ele estava bravo, mas se as intenções dele eram violentas, deixaria a música bem alta para encobrir os gritos de Rin. Ela caminhou até ele e parou, como se percebesse a disparidade de altura entre eles.
Rin era uma mulher de estatura mediana e quanto mais próxima ficasse daquele colosso, mais baixa ficaria. Sua aparência franzina, frágil e feminina escondia sua força, mas ela sabia de seus limites.
— Aquela porcaria — ela começou com firmeza — é um dos melhores grupos de rock na...
— Eu não me importaria se fosse Kiri Te Kanawa e a ópera de Paris. — O invasor adotou uma postura essencialmente masculina, com os punhos cerrados na cintura. — Não gosto de música descendo pela minha garganta à noventa decibéis...
— Seus ouvidos — Rin corrigiu, distraída.
"Esse cara podia ser bonito se não fosse carrancudo", pensou. Os olhos dele eram dourados como ouro e o cabelo era fino e escuro em contraste com eles. Rin estimou uns trinta e tantos anos de idade. O queixo tinha aspecto de pedra e a boca retangular era cortante. Ela gostou de sua descrição mental e sorriu, fazendo-o gritar:
— O que é?
— Pensei em suas confusas metáforas. Quer dizer que escuta com a boca?
— O que acha que sua música infernal faz com meu estômago? — ele perguntou sarcasticamente, acrescentando com impaciência: — Não vim até aqui atrás de uma aula de maldita gramática...
— Se vai usar linguagem ofensiva, lamento, mas terei que pedir para que se retire — ela rebateu. Rin nunca deixava que homens grandes e arrogantes a intimidassem. O homem respirou fundo.
— Não tenho intenção de ficar... — contou.
— E por que veio?
— Para mandá-la pro inferno!
O temperamento impulsivo de Rin começou a crescer.
— Seu vocabulário é tão atrofiado — ela retrucou. — Não pode se comunicar sem xingar?
— Isso é muito engraçado vindo de você! — ele berrou. — O cantor de rock que escutava estava gritando.
Rin ficou corada.
— A música tem um diferente contexto — declarou.
— Sei. Podem te xingar, contanto que seja música. Ela começou a se sentir desconfortável diante daquele homem estilo Hulk. Já estava nervosa por mudar de uma pequena cidade rural para Tokio, onde uma nova vida começaria, uma vida cheia de segredos. E não precisava de mais nada para abalar ainda mais sua confiança. Kagura, a irmã mais velha de Rin, deixara bem claro que conseqüências desastrosas poderiam acontecer se descobrissem a fraude. Porém, ao mesmo tempo, assegurara que as chances de descoberta eram mínimas se Rin tivesse a mente fria. Fora muito mais fácil falar do que fazer.
— Dá pra falar o que veio fazer aqui? — Rin perguntou.
— Já falei.
Ela franziu a testa.
— Tá falando do barulho? — De repente, Rin entendeu. — Você veio daí debaixo? — Isso explicaria os músculos. O homem que cuidava da mercearia no porto tinha braços enormes. — Pensei que o pessoal da mercearia só chegasse às quatro e duvido que o som pudesse ser tão alto...
— Não sou da mercearia. Moro no apartamento ao lado. E acredite, o som estava altíssimo.
—Ao lado? Não pode ser. — O tom de voz dela era acusador ao acrescentar: — Ninguém falou que alguém morava aqui!
Pelo contrário. O representante da instituição que lhe daria um ano de bolsa dera a total impressão que Rin estaria sozinha. Ele não mencionara nenhum vizinho rude. O fato de Rin não querer nenhum residente por perto era para que ninguém se intrometesse em sua vida. Agora era muito tarde para desistir.
Graças a Deus ela recusara o dinheiro que viria junto com a bolsa. Pelo menos sua consciência estava limpa nesse sentido. Kagura quisera lhe dar uma modesta pensão mensal, mas Rin só aceitaria dinheiro para despesas diretas, que seriam muito restritas. Rin usaria suas preciosas economias que juntara após anos e anos vendendo ovos, mel e vegetais na fazenda dos pais.
— Talvez eles achassem que nem nos notássemos — o homem disse com ironia. — Esta seria uma grande possibilidade se você não escutasse música no último volume o dia inteiro.
Rin quase soltou uma resposta mal-educada, mas conteve-se. Viva e deixe viver era a sua frase favorita. Se eram vizinhos, ela tentaria dar o melhor de si.
— Como o dia inteiro, se acabei de mudar? — ela questionou. — Eu estava apenas celebrando — completou num tom suave.
— Celebre em silêncio no futuro. As paredes são finas. E cuidado com as acrobacias. O chão de madeira é sensível.
— Então é melhor arranjar algo para abafar as vibrações e usar um tapa-ouvidos porque danço para manter a forma.
Essa afirmação fez com que os olhos dourados olhassem-na de cima a baixo.
— Manter a forma pra quê?
— Para me livrar de arrogantes como você — ela rebateu. — Agora que já mostrou as suas boas-vindas, dá pra fechar a porta atrás de você? E da próxima vez, espere ser convidado!
— Não haverá próxima vez se você levar em conta que moram aqui outras pessoas, entendeu?
Rin pestanejou. Entendera muito bem.
— Eu não te incomodarei se você não me incomodar! — ela exclamou. — Para sua informação, sr. ... sr. sei lá o quê...
— Taisho. Sesshomaru Taisho, srta. Nakayama.
— Como sabe quem sou?
— Faz parte do programa de bolsas de estudo de Markham.
O esquema de bolsas de estudo era restrito, mas um pequeno anúncio era encontrado em revistas literárias. O fato dele saber era uma coincidência ou ele tinha alguma ligação com a instituição? Os batimentos cardíacos de Anne diminuíram.
— Oh... Você também é bolsista? — ela perguntou.
— Não. E fico surpreso por eles distribuírem bolsas feito pirulitos para crianças hoje em dia.
Sesshomaru olhou-a de cima a baixo com desprezo.
— O que aconteceu com o conceito de lutar e sofrer pela arte? Se cada novo escritor vier de uma infância onde tudo lhe era dado de mão beijada, teremos uma geração de escritores produzindo livros com tanta emotividade quanto a lista telefônica! — ele declarou.
A porta fora fechada antes que Rin se recuperasse do choque daquele ataque. Ela correu até a porta a tempo de vê-lo entrar numa porta debaixo de um pequeno lance de escadas no final do corredor. Rin tinha notado aquela porta, mas achara que era o depósito.
Ela lamentou não ter sido rápida o suficiente para ter respondido àquele comentário. Mas ele não perdia por esperar.
Voltou para sua nova casa aoouvir um leve aplauso.
— Caramba! — exclamou enquanto afastava as caixas que escondiam sua audiência.
O aplauso só não era mais veemente por que o- dono das mãos não tinha muita coordenação para mostrar seu entusiasmo.
— Oh, Kohaku! Esqueci de você! — Rin pegou o gordo bebê no colo, horrorizada pela sua falta de atenção. — Aquele desagradável homem te amedrontou?
Por um momento, as sobrancelhas e os olhos claros do menino lembraram Sesshomaru. E Kohaku também tinha o mesmo cabelo preto...
Rin deu uma parada em suas especulações assombrosas. Sesshomaru pensara que Rin era Kagura Nakayama, então ele nunca conhecera sua irmã.
O estranho e perturbador pensamento de que o bruto Sesshomaru Taisho fosse o pai de seu inocente afilhado fez Rin apertar Kohaku com força, fazendo-o gemer.
— Desculpe — ela pediu. — Não iremos falar sobre aquele homem mau. Não precisamos nem pensar nele, não é? Agora, o que vamos arrumar primeiro? Mostre-me. Aponte uma caixa...
A ativa assistência de um bebê de sete meses de vida não era muito eficiente e Rin levou muito tempo para organizar suas posses. Já que o sótão era mobiliado, ela não precisara trazer muita coisa, mas não esquecera de levar seus livros e toda a considerável parafernália que Kohaku, o Terrível, precisava.
Colocou a maioria das coisas num pequeno quarto, sem janela, que ficava no final da sala principal, quando ouviu um som do outro lado da parede. Música.
Rin levantou da cama e pressionou seu ouvido contra a parede. Jazz.
— Que audácia! — exclamou.
Teve vontade de ligar seu aparelho de som e colocar seu rock no último volume, mas refletiu que ele não escutava música num volume muito alto. Então, ouviu um outro som familiar.
— Ele tem uma máquina de escrever. — Ela olhou para Kohaku, aflita. — Kohaku! E se ele for um escritor também?
Espantada, sentou no chão, ao lado do bebê que começou a balbuciar.
— Pare. Não, querido. Psiu... — pedia, sabendo que as paredes eram finas.
Rin pegou-o no colo e levou-o até o outro lado da sala, com o coração disparado.
— Não vamos deixar o homem mau te ouvir — advertiu-o, com o dedo indicador sobre seus próprios lábios ao colocá-lo em sua cadeirinha de bebê na cozinha. — Não há nada que perturbe mais esses velhos ermitãos do que choro de bebês. Então, você será um menino bonzinho enquanto estivermos aqui, tudo bem?
Kohaku emitiu um gemido. "Terrível" era um apelido brincalhão que Rin colocara. Kohaku era o mais amigável e bem-comportado bebê do mundo. As vezes, Rin achava que ele não era um bebê e sim um pequeno computador. Kohaku não babava, não jogava comida no chão, não chorava sem motivo e dormia a noite inteira.
Enquanto Kohaku brincava, Rin preparava omeletes com queijo e alguns vegetais que seu pai colocara cuidadosamente num engradado de madeira, cheio de jornal.
Sentada num banquinho, Rin comia seu omelete enquanto dava comida na boca de Kohaku, que ao gargalhar, fazia sua comida escorrer para o babador.
A hora da refeição em sua casa era uma bagunça, com sua mãe, seu pai e seus quatros irmãos trocando opiniões alegremente. Eram uma família unida e gregária, exceto por Kagura, que tinha vinte e oito anos e era a irmã mais velha, que mudara da pequena e isolada fazenda da família para escrever. A chegada de Kohaku fora um cataclisma na vida solitária de Rin.
Uma cidade grande e um bebezinho não era o que a maioria das pessoas via como uma combinação pacífica, mas para Rin era a realização de um sonho. Só o fato de escolher e preparar seu próprio jantar dava-lhe um senso de independência.
Depois de dar leite a Kohaku, Rin sentou ao lado dele no chão para brincar com alguns blocos de plástico. Com o passar dos minutos, os olhos do bebê começaram a piscar pesadamente. Sem dúvida, o relógio biológico dele o avisara que já passara da hora de dormir, mas ele não chorara.
Rin trocou Kohaku na cozinha já que o banheiro, que dava de frente para a cozinha, muito mais pela conveniência do encanador do que do inquilino, só tinha um chuveiro, um tocador e uma pequena pia. Kohaku parecia não se importar. Mexia braços e pernas, antes de cair num sono pesado.
Ele dormira antes que sua cabeça encostasse no colchão, com as mãos segurando um porquinho rosa. Rin beijou-o na ponta do nariz com carinho, antes de começar a cantar uma canção de ninar, balançando o berço.
Ela voltou para a sala de estar pé ante pé, jogando-se no sofá, que era grande o suficiente para ela deitar. Havia também uma poltrona, quatro cadeiras ao redor de uma mesa de madeira oval. Na casa dos pais, era uma batalha ter um espaço, de noite. No sótão, uma mesa de madeira onde Rin colocara sua máquina de escrever, uma mesinha de centro e uma enorme estante completavam a decoração.
O homem da instituição avisara educadamente que não haveria televisão, mas Rin não se importara. Ela possuía seu aparelho de som e pretendia ficar muito ocupada para ser uma espectadora da vida. Não havia telefone também, o que a fizera ter algumas dúvidas no início, mas tinha uma cabine telefônica ali perto e ela apreciava não ser interrompida enquanto estudava.
Deitou no sofá, escutando os sons mudos da cidade, e, então, levantou, insatisfeita, arrastando o sofá para debaixo da janela oval. Com o sofá no ângulo certo, ela podia deitar e apreciar o pôr-do-sol confundindo-se com os prédios da cidade. Assim que anoiteceu, Rin foi capaz de ver as luzes brilhando na entrada da faculdade de artes e, atrás, a de engenharia. Do outro lado da estrada havia outros prédios, onde se localizavam a biblioteca, o anfiteatro e a administração. Logo, ela seria mais um dos estudantes que freqüentavam aquele campus.
Entusiasmada, Rin preparou-se uma xícara de chá e pegou alguns folhetos de cursos e o material introdutório que a universidade lhe mandara quando ela se registrara no curso de línguas. Tinha muitos dias para se familiarizar com a cidade e fazer os arranjos para alguém cuidar de Kohaku antes que a semana de orientação começasse, pois pretendia estar bem preparada para a sua primeira universidade. Pegou alguns textos básicos que eram requisitados pela universidade e colocou numa pilha ao lado do sofá.
Rin estava lendo gramática russa quando as luzes piscaram e apagaram de vez.
A escuridão não era completa por causa das luzes da cidade, mas não era o suficiente para orientar Rin, que procurava a caixa de fusível no escuro sótão. Foi até a geladeira para ver se não era lâmpada queimada, porém a luz da geladeira também não funcionava. Então, começou a procurar em armários e outros lugares que achava provável, uma caixa de fusível.
Ela estava prestes a desistir. Iria para cama e veria o problema pela manhã, mas ficaria sem água até que o interruptor elétrico principal fosse restaurado pela manhã.
Animou-se ao pensar que talvez a eletricidade da casa de Sesshoumaru tivesse faltado também. Um problema em comum é um problema diminuído, e ele não a culparia pela luz ter sido cortada.
Rin foi até o quarto para ouvir o suave ressonar de Kohaku, antes de dirigir-se ao apartamento de Sesshomaru. Ela franziu a testa ao escutar o tap-tap da máquina de escrever e o som da música.
Pelo menos sabia que Sesshomaru estava em casa e acordado.
Mas muito mal-humorado, como ela percebera cinco minutos depois.
— Pensei se você podia me ajudar... — ela começou com um enorme sorriso.
— Não.
— Minha eletricidade foi pro espaço e não sei onde fica a caixa de fusíveis- Rin continuou calmamente.
— Deus, salve-me das mulheres indefesas! — Sesshomaru exclamou.
— Por quê? Não consegue se defender?
— Muito engraçado!
— Então, por que não sorri? Não me diga. Deixe-me adivinhar. Você sorriu uma vez e o céu caiu sobre sua cabeça. Bem, fracote, pare de se desesperar. Tudo o que quero é a luz e a caixa de fusíveis.
— E a chave do fusível, a chave de fenda e...
— Você é naturalmente desagradável ou é algo que treinou muito?
— Escute, senhorita, não pedi para que viesse em minha porta...
— Também não pedi para que aparecesse na minha, Sr. Taisho. Estamos empatados. Agora, é capaz de responder a uma simples pergunta sem dar um cansativo sermão? Sabe onde fica a caixa de fusíveis de meu apartamento?
Sesshomaru bateu a porta e Rin estava pronta para gritar quando ele abriu, trazendo uma caixa de ferramentas. Ele olhou as faces aveludas furiosas e coradas, os punhos cerrados e os pés descalços torcidos de raiva. Isso o fez sorrir e comentar:
— Que temperamento!
"Ele não parece muito diferente quando sorri", Rin pensou, confusa. "Ainda demonstra perigo e os olhos dourados transmitem hostilidade e desconfiança, com as sobrancelhas dando-lhes uma qualidade predatória".
Sesshomaru não disse nada, caminhando em direção a escada. Rin teve a impressão que ele dava as costas para as pessoas com freqüência.
No topo da escada de madeira, havia um pequeno armário onde tinha algumas ferramentas e a caixa de fusíveis dos dois apartamentos.
— Obrigada — Rin agradeceu, esperando que Sesshomaru saísse do caminho. — Dá licença — pediu, dando um tapinha no ombro largo, enquanto ele checava os fusíveis.
Os dedos dela bateram violentamente contra aquele ombro musculoso. Os quatro irmãos de Rin eram fortes. Mesmo Jinenji, que tinha catorze anos de idade, era maior que ela, por isso Rin não se impressionava com o tipo grandalhão, mas Sesshomaru era do tipo tanque.
— Segure isso — ele pediu. Rin ignorou a chave de fenda.
— Segure — Sesshomaru repetiu.
— Não.
Ele virou a cabeça. De perfil, o nariz dele era arrogantemente mais saliente que o resto do corpo.
— Nunca te disseram que não se olham os dentes, quando o cavalo é dado? — Sesshomaru perguntou.
Os olhos dele estavam arregalados e a boca firme e sem nenhuma razão, Rin corou.
— Também me avisaram sobre presentes de gregos — ela rebateu.
— Não sou grego — Sesshomaru respondeu, colocando a chave de fenda na boca, voltando para o trabalho.
— Também não é um cavalo. — "Exceto pelo tamanho", ela acrescentou silenciosamente. — Se der um passo para o lado, resolverei meu problema sozinha.
— E deixar que faça um trabalho mal-feito e bata na minha porta de novo? Não, obrigado.
— Nunca fiz um trabalho mal-feito em minha vida!— Rin exclamou, furiosa, olhando a calça jeans que ele vestia. "Um chute neste traseiro e, me sentiria bem melhor", pensou.
— Nem pense, caipira. Não sou apenas maior que você, sou também mais rápido.
Sesshomaru nem olhou para o lado e Rin estava pasma ao ver que ele adivinhara seu pensamento, além de sua procedência. Que chances ela teria de esconder alguma coisa com um homem que tinha um instinto tão apurado?
— E rápido para tirar conclusões. Diga-me, de onde tirou esta paranóia em relação a mulheres? — ela perguntou. — Não sei por que pensa que é tão irresistível e por isso tem que se manter afastado de estranhos. Como uma caipira, já vi muitos animais darem coice, mas você ganha disparado.
Sesshomaru trocou o fusível impaciente e bateu a porta do armário com violência, o que a fez dar uns passos para atrás.
— A sua boca ainda vai te meter em problemas um dia — ele avisou.
Estavam de frente um para o outro. Rin mordeu o lábio.
— Isso é uma ameaça? — perguntou.
— É um gentil conselho.
— Gentil! Vindo de você?
— Não tente me provocar mais do que já conseguiu, srta. Nakayama — ele declarou numa voz aquecedora, apesar da maneira grosseira. — Acho que é melhor que eu veja se tudo está funcionando...
Antes que Rin pudesse fazer alguma coisa, ele subiu a escada em direção ao apartamento dela. Quando ele dissera que era rápido, não mentira. Tentando lembrar se guardara os brinquedos de Kohaku antes de colocá-lo na cama, ela subiu correndo atrás dele, a tempo de impedi-lo de entrar.
— Deve estar tudo ok — ela disse ofegante. Sesshomaru mostrou-se indiferente, mas ela sorriu brilhantemente.
— Obrigada pela ajuda. Não sei o que faria sem você.
Sesshomaru a observava pensativo e Rin percebeu no mesmo instante que exagerara no agradecimento.
— Pode voltar ao seu trabalho — ela falou com mais calma. — Não quero te atrapalhar mais...
— Não há nenhum problema.
Sesshomaru andou para frente, forçando seu peito contra o delicado braço esticado no batente.
— Não há necessidade! — ela exclamou, desesperada, enquanto ele afastava o braço feminino.
Três passos no sala e Sesshomaru parou, cruzando os braços, examinando o território vagarosamente. Rin ficou aliviada ao ver que não havia nada demais na cena.
— Satisfeito? — ela demandou.
— Pelo seu estado de pânico, pensei que fosse encontrar uma orgia — ele murmurou.
Pior do que um vizinho barulhento, Sesshomaru era um homem desconfiado e podia ler a mente dela como um livro.
— Lamento desapontá-lo — ela zombou.
— Você não me desapontou, srta. Nakayama. Minhas expectativas em relação a você não são muito boas. Eu esperava coisa pior.
— Que péssima filosofia de vida! Não me admira ser tão esquentado.
— Vejo que você é muito otimista. Determinada a curtir a vida a qualquer custo.
— Só um pessimista pode fazer um otimista soar tão depressivo.
— Sou realista, não pessimista, mas não irei discutir.
— Por que não? Medo de perder?
— Não vou perder meu tempo com uma adolescente...
— Adolescente! Tenho vinte... Sou mais velha do que aparento. Acho que já pode sair. Tudo o que queria saber era onde estava...
Rin estava prestes a dar uma boa resposta, quando percebeu pelo olhar dele que Sesshomaru estava zombando.
— Vá pro inferno! Garanto que as pessoas mandam você pra lá com freqüência — ela disse com doçura.
Sesshomaru soltou uma bela risada.
— Não sei do que está rindo, mas para alguém tão delicado ficar sozinho com você é difícil! — ela retrucou.
A risada dele parou. Sesshomaru começou a andar em direção a porta, com um olhar pensativo.
— Palavras tão pomposas para uma garota do interior.
— Tamanho e localização geográfica não tem nada a ver com inteligência — Rin acrescentou friamente. — E não sou uma garota, sou uma mulher.
— É o que se espera ver.
— Não por você.
Ela fechou a porta na cara dele e a satisfação dela só não era maior pelo sorriso sarcástico no rosto de Sesshomaru.
Rin teria que se manter fora do caminho e não dar nenhuma oportunidade a ele.
