Acordei duas horas e sete minutos antes do despertador tocar. Qualquer um viraria pro lado e dormiria de novo. Mas eu me arrastei pra fora da cama. Olhei para o espelho, logo acima da pia do banheiro. Meus cabelos estavam cobrindo quase todo meu rosto, meu pijama xadrez estava todo torto e amarrotado. Eu estava parecendo um urso. Não estava, nem de longe, parecendo a garota radiante que minha mãe me disse que eu pareceria no meu primeiro dia no novo colégio. Agradeci mentalmente que Marlene ainda não tinha acordado.

Entrei no chuveiro.

Água fria.

-AAAHHH! Que droga!

-Tudo bem ai? – perguntou Lene assustada – provavelmente por causa do meu grito histérico – com uma voz sonolenta.

Sai enrolada na toalha, com o cabelo metade molhado, metade todo descabelado. Lene, minha colega de quarto, - eu mencionei que o meu colégio novo, é um colégio interno? É isso mesmo. Agora eu moro na escola. Fingir dor de cabeça para faltar a aula? Nem pensar! Atrasos? Severamente punidos. Também quem se atrasaria pra aula num colégio interno? Existe algo de muito errado com alguém que mora na escola e consegue se atrasar pra aula! – disse um palavrão e levantou a cabeça do travesseiro.

- O que você ta fazendo acordada? São cinco da manhã! – ela disse, parecendo realmente aborrecida.

- Eu perdi o sono. – respondi. Não que eu estivesse dormindo. Nunca consigo dormir antes do primeiro dia de aula. Principalmente o primeiro dia de aula num colégio novo. Eu simplesmente detesto primeiro dia de aula. É inevitável que eu sinta que todo mundo está me encarando e me analisando. Apesar de eu ser uma especialista em primeiros dias de aula. Minha mãe presta consultoria de mercado para empresas internacionais. Isso significa que nos mudamos muito. Muito mesmo. Eu devo ter estudado em uns sete colégios diferentes. Sete primeiros dias de aula. E eu ainda não havia me acostumado com isso.

Eu só estava um pouquinho menos nervosa porque, especificamente nesse primeiro dia de aula eu já tinha uma amiga. Lene e eu tínhamos nos conhecido na noite anterior, quando descobrimos que éramos colegas de quarto. Ela estuda aqui desde os cinco anos e eu acho que nos demos bem. Talvez nos tornemos boas amigas... Isso é, se ela puder me perdoar por acordá-la as cinco da manhã.

- Hum. – ela respondeu, ainda sonolenta – E por que você está gritando tanto?

- Acho que o chuveiro quebrou. A água ta fria! – ela rolou os olhos.

- Já tentou virar a chave do chuveiro para opção "água quente"?

- Ahn? – respondi brilhantemente.

- Tem um botão na parte de cima do chuveiro. De um lado está escrito "quente" e do outro lado "frio". Todo que você precisa fazer é girar o botão. – concluiu ela, e voltou a deitar a cabeça no travesseiro.

- Ah. – eu disse, me sentindo estúpida. Ela já tinha voltado a dormir.


- Lily, temos a manhã live, eu pensei que nós poderíamos dar uma volta pelo colégio antes do almoço. – Lene sugeriu. Ela não estava mais aborrecida. Acho que já tinha dormido o suficiente.

- Tudo bem! – eu concordei.

- Eu posso te mostrar tudo e como não temos aula, só um discurso de boas-vindas depois do almoço, a gente tem a tarde livre pra se divertir! – ela deu um pulinho.

Diversão. Estava mesmo precisando disso. Minhas férias não foram nem um pouco divertidas. Não mesmo. Nem de longe. Vou dizer o que foram minhas férias: fossa.

Eu tinha um namorado no meu antigo colégio. Namoramos por um ano. Um namorado lindo, atencioso, que sabia conversar, se vestia muito bem e se importava comigo. Perfeito! A exceção de uma coisinha: ele já era comprometido. Com Amos Diggory, o zagueiro do time de futebol do colégio. Sim. Meu namorado, por quem eu era totalmente, loucamente, profundamente apaixonada, me escondeu por um ano que era gay. GAY! Eu realmente esperava que ele fosse me pedir em casamento quando ele me disse que tinha uma coisa importante pra contar. Quero dizer, ele nunca deu sinais de que não gostava de mim do mesmo jeito que eu gostava dele. Nós nunca chegamos até o fim. Eu nunca cheguei até o fim com ninguém. Mas eu realmente achei que estava pronta e que ele era o cara certo. Eu planejava chegar até o fim depois que ele me pedisse em casamento e me prometesse que me esperaria para sempre, antes que eu partisse para mais uma mudança com a minha mãe.

Por isso passei as férias inteiras em casa desempacotando a mudança (e depois empacotando tudo de novo pra ir pro colégio), chorando, comendo e amaldiçoando futebol.

- Ótimo! – eu disse, tentando afastar a lembrança – Já estou pronta!


Durante o período da manhã Lene conseguiu me apresentar cada clube do colégio. E não eram poucos! Tinha o clube de astronomia, de química, de literatura, de teatro, de artesanato, o de defesa dos animais, o de debate, o de informática, o comitê de formatura, o jornal da escola, os atletas e as líderes de torcida. Da qual ela era membro. Depois que ela me contou eu me surpreendi por não ter adivinhado. Ela fazia totalmente o tipo líder de torcida. Sabe como é, linda, simpática, cabelo perfeitamente no lugar, amiga de todos, notas perfeitas e nenhuma celulite ou espinha.

Descobri que as líderes de torcida são responsáveis por apresentarem o colégio aos novos alunos, por causa da simpatia e do espírito escolar e tudo mais.

E também descobri que sou a única aluna nova este ano. O que é, sabe, ótimo.

Simplesmente ótimo.


- Desculpe a correria! – ela me disse enquanto entravamos no refeitório para o almoço. O refeitório também era muito grande. Muito mesmo. E, surpreendentemente, estava lotado. Não tinha notado que haviam tantos alunos assim – É que eu precisava mesmo te mostrar tudo antes do almoço.

- Por que? – perguntei, não entendendo nada.

- Porque – ela sussurrou – Temos que nos aprontar pra festa.

- Que festa? – sussurrei também.

- Todo ano, desde a quinta série, fazemos uma festa no primeiro dia de aula. Em um galpão abandonado nos fundos do terreno do colégio.

- Legal! – sussurrrei de volta. – Mas por que estamos sussurrando?

- Porque festas sem supervisão não são permitidas aqui!

Tentei explicar a ela que eu não achava uma boa idéia quebrar as regras logo no primeiro dia de aula, mas ela simplesmente me ignorou. Estava díficil encontrar uma mesa, visto que todas as líderes de torcida já, tinham almoçado e faltavam uns quinze minutos para o fim do horário de almoço.

Considerei a possibilidade de comer no jardim. Parecia um lugar agradável e o dia estava lindo. E também os japoneses fazem isso o tempo todo. Disse isso a Marlene e ela concordou, apesar de observar que os japoneses só fazem isso lá no Japão. Eu a ignorei e a arrastei pela mão em direção a porta de saída.

Andamos menos de dez passos, até que um garoto nos chamou. Ou melhor, chamou a Lene.


Era bem bonito, na verdade. Tinha os cabelos escuros que caiam nos olhos, que eram azuis, parecia ser bem alto e forte. Estava sentado ao lado de outros caras bonitos, altos e fortes. Pareciam ser do time de futebol. Essa possibilidade não me agradou muito. Eu odeio futebol.

Mas eu realmente não me dei conta do meu azar até que desviei a atenção dos olhos azuis do garoto prara olhar para o garoto ao lado dele.

E ai eu congelei.

Porque era o garoto que estudou comigo na pré-escola. O garoto que colocou cola no meu sanduíche. O garoto que grudou chiclete no meu cabelo. O garoto que zombou de mim por um mês quando eu fiz xixi na calça no meio da aula.

James Potter.