Disclaimer: Os personagens de King of Fighters não me pertencem, e essa fic não tem fins lucrativos.


O melhor de mim

Barulhos altos, sons de buzinas, burburinho. Gente gritando. Os indícios de confusão eram gritantes. Ao abrir os olhos, depois que tudo pareceu parar, viu vidros quebrados, metal retorcido, carros desfigurados, assim como deveria estar o seu. Pessoas correndo, feridas, nervosas, desorientadas.

Isto compôs o cenário percebido por Iori Yagami, antes mesmo que sua visão pudesse recuperar o foco. Retomando a consciência, tratou de perceber aquilo que estava a sua volta, mexendo-se um pouco, desfrutando das percepções de dor que lhe indicava que estava vivo.

Tontura foi o primeiro obstáculo a ser superado nessa retomada. Nada anormal, o carro rodopiara tanto que mal poderia identificar direita e esquerda. Tudo acontecera tão de repente que mal teve tempo de reagir ao grito de alerta de Kusanagi.

"Kyo..."

A lembrança da voz alta do moreno fez com que despertasse subitamente para o fato de que não estava sozinho no automóvel.

- Dessa nós escapamos, Kyo. – disse, sem olhar para o lado, ainda avaliando a confusão do lado de fora.

Queria fazer piada, ouvir a voz dele reagindo mal e assustado com o que acontecera, pronunciando todos os nomes sujos que conhecia e xingando-o, ainda que a culpa não fosse sua. Sabia que este seria o estopim de mais uma entre as várias brigas que travaram ao longo da semana. Era uma provocação, e apesar de saber do perigo, queria ouvir a resposta. Talvez isso pudesse aliviar o susto que sentiram, mesmo que lhe causasse problemas mais tarde.

Mas não houve. Não ouviu a voz de Kyo.

Dentro do carro, apenas o silêncio, enquanto fora dele, a balbúrdia.

Mas não importava. Isso não importava. Queria apenas ouvir a voz de Kyo.

- Kusanagi? – chamou-o pelo sobrenome, sabendo que vindo de sua parte, seria quase uma ofensa, devido a rivalidade que separava os clãs. – Odeio que me deixem falando sozinho, Kusanagi.

Tentou manter o tom sarcástico que lhe era típico, mas sentiu sua voz oscilar, preocupado. Novamente não teve resposta.

Alarmado, moveu-se para vê-lo, e ao vê-lo, ignorou que estivesse sentindo dores. O impacto daquele cenário deixou-o simplesmente em choque, fora de si, alheio a tudo.

O desespero o tomou naquele momento, entorpecendo-o. Não se deu conta dos toques e palavras em vozes que não era aquela que queria ouvir. Soube do mundo apagando ao seu redor, e da última visão, que não desejava, mas não conseguia evitar.

Hospital

Acordou em um lugar iluminado e silencioso, deitado em uma cama. Aquela não era sua casa.

Não precisou de mais de trinta segundos para que o acontecido viesse a sua mente: o acidente que não pôde evitar. Um engavetamento do qual seu carro fora envolvido, o grito de Kyo alertando para que tivesse uma reação embora não houvesse tempo pra isso. a força de diversos impactos, que mal pôde saber de onde vinham, fazendo com que perdessem a noção de chão e teto, fazendo tudo parecer a mesma coisa.

Lembrava do gosto de sangue em seus lábios, de dores que pareceram ínfimas tendo em vista o que acontecera e as diversas formas pelo qual já a experimentara. Sensações ínfimas e incomparáveis ao que sentira ao chamar por seu namorado e não obter resposta, nem mesmo provocando-o das formas mais odiosas. Incomparável ao que encontrou quando virou-se para olhá-lo e descobrir a razão de seu silêncio.

Corpo praticamente jogado no banco do carona. Metade do rosto ensangüentado por um ferimento do lado direito da testa. Face ligeiramente virada para Yagami, como se tivesse tentado olhá-lo de soslaio. Olhos fechados. Não parecia respirar.

O mundo parou naquele momento. Esquecera qualquer dor ou incômodo ao ver Kyo sangrar. Claro que não seria a primeira vez, afinal era impossível sair ileso de torneios... mas ele estava desacordado! Sequer sabia se estava respirando. E de repente aquela cena tomou proporções aterradoras.

Pela primeira vez em sua vida, sentiu medo.

Não era prepotência dizer isso. Nunca faltara coragem e petulância ao jovem Iori Yagami. Impetuoso, contestador, movido à emoções vindas do perigo, do inesperado. Adrenalina era o seu prazer, e o medo não lhe parecia ser mais do que um friozinho na barriga, quase imperceptível e ao qual já estava acostumado a ignorar.

Mas naquele momento, o medo simplesmente foi mais forte, assumindo feições e ditando possibilidades que o fizeram tremer. Não pelo que acontecera a si mesmo. Era por quem amava. Seu medo era por Kyo.

Kyo Kusanagi, aquele que deveria ser o seu maior inimigo. Apenas deveria, porque o moreno despertou-lhe sentimentos bem maiores que raiva e rancor. Não conseguia sentir isso por ele, por mais que tentasse.

Quando se deu conta de que aquela história de vingança não lhe pertencia, e qualquer sentimento de ódio seria infundado, aceitou o fato de que poderia amá-lo, por mais questão que fizesse de atormentá-lo com provocações de rivalidade. Sabia que aquilo que sentia ia além do desejo de tê-lo em seu colchão.

Não era só desejo, nem era só paixão. Bem mais que isso. Amor.

Envolveram-se uma noite, por pura atração. Com isso, Iori teve dificuldades em fazê-lo acreditar que poderiam ir além disso. Demorou várias outras noites para sentir que o tinha, e outras tantas para acreditar que era de verdade. O afeto que os envolviam, misturado à rivalidade que talvez nunca deixasse de existir transformava aquele relacionamento em campo de guerra, para que se seguisse uma reconciliação tórrida. As brigas poderiam ser freqüentes, assim como as declarações de ódio e amor. Kusanagi podia até parecer mais dócil, mas guardava rancores, engolindo sapos até que explodia de raiva, colocando ingredientes a mais nas brigas.

Nesses dias de guerra, passavam dias sem se falar, ou travando pequenas provocações. As vezes parecia ser o fim, mas o amor sempre falava mais alto. Naquele dia também estava sendo assim. Árduas batalhas provocadas por razões que não conseguia se lembrar. Sabia que, foram inúmeras discussões em apenas uma semana.

Fosse o que fosse, tais motivos eram pequenos agora. Não eram importantes. Não quando sua última lembrança antes de apagar fosse a de seu namorado, ferido e desacordado no meio de um acidente.

Um frio correu por sua espinha. Aquilo era um quarto de hospital. Estava sozinho ali... mas onde estava Kusanagi?

Com aquela lembrança em sua cabeça, levantou-se como num salto, arrebentando a cânula que levava o soro a sua veia, e se livrando do incômodo pedestal. Alcançou a porta, abrindo-a e vendo o corredor, onde havia pessoas de jaleco, uniformizadas, levando outras, deitadas em macas ou sentadas em cadeiras de rodas... e o moreno não estava entre eles.

- Ei, onde pensa que vai? – perguntou a voz feminina, que assustou Yagami ao ver aquela enfermeira surgir em sua frente.

- Meu amigo, eu preciso encontrá-lo... – respondeu, tentando passar e sair da porta, mas sem resultados.

- O senhor não pode sair da cama agora. Está em observação!

- Mas a senhora não entende! É importante! Eu preciso saber o que aconteceu... ele também veio pra cá, não veio? Por favor!

- Qual o nome do seu amigo? – perguntou ela, parecendo desconfiada.

- Kyo Kusanagi. – respondeu, sentindo a voz oscilar pela ansiedade. – Estava comigo dentro do carro. Como é que ele está?

- Verei isso para o senhor. Enquanto isso, volte para a cama.

- Mas...

- Por favor! Volte para a cama! eu já disse que vou verificar!

Assustado com o tom de voz da enfermeira e pelo poder que ela parecia ter, obedeceu. Ela só saiu da porta após vê-lo deitar, tendo a certeza mínima de que sua ordem não seria desrespeitada.

Iori encolheu-se, sentindo os segundos passarem como se fossem séculos. Uma eternidade, quando tinha em mente que não sabia o que acontecera a Kyo.

Olhava fixamente para a porta, a espera da mulher que lhe prometera as informações. Ela era petulante, mas afinal estava apenas fazendo seu trabalho, e de qualquer forma, precisava daquele favor. Tinha de ser educado se quisesse saber do moreno.

Não soube quanto tempo se passou até ver a porta abrir. E junto com a enfermeira, havia um homem de jaleco. Meia idade, óculos de aros grossos, cara de poucos amigos. Yagami imediatamente decidiu que não gostava dele, mas pouco poderia fazer sobre isso. Também não gostou da presença daquele homem. Significava más notícias.

- Senhor Iori Yagami, eu sou o doutor Ishihara. Deseja informações sobre Kyo Kusanagi, é isso?

- Sim.

- E o que o senhor é do paciente?

- Amigo. – respondeu, embora talvez fosse claro que sua ligação com Kusanagi fosse maior, mas tinha consciência de que deveria protegê-lo. – Ele estava junto comigo no carro quando aconteceu o acidente. O que houve? Como ele está?

O médico suspirou, sem mudar a expressão sisuda. E para Iori, que tinha esperanças de que aquilo fosse apenas um traço de personalidade, a má notícia pareceu iminente.

Naquele momento, a ansiedade deu lugar ao medo. E, como uma criança que espera um castigo na voz de seu pai, esperou pelo que o médico ia dizer.

- Receio não ter boas notícias, senhor Yagami. A situação do seu amigo é muito delicada.

- Mas o que houve? – sentiu novamente a voz falhar, mas não se importou. Talvez não conseguisse mantê-la no tom certo por mais tempo. - Como assim?

- Ele sofreu ferimentos graves. Órgãos foram perfurados... houve hemorragia mas isso foi contornado. Houve também um ferimento na cabeça...

- Sim, ele estava inconsciente quando o carro parou. Mas e agora? Kyo está acordado?

- Essa é a questão. O paciente continua inconsciente, e está em coma.

- O quê?! – ele quase gritou. – Mas... quando vai acordar?

- Esse é o problema. Não sabemos. Pode ser agora, daqui a minutos, alguns dias... ou anos. Talvez nunca.