N/A – Antes de lerem esse fic saiba que tem um conteúdo sugestivo, uma certa violência nas palavras. É isso.
Uma noite de ardentia
Um frio... Aquele gostoso, que faz arrepiar todos os pelos do corpo quando estamos no meio do verão... A areia fofa e macia, levemente úmida pelas gotas que as ondas respingavam... O céu estrelado, terminando aonde começavam as águas esverdeadas, agora escuras, convidativas... Quase um veludo molhado.
Encolhi-me dentro do linho fresco de meu vestido. O vento colava o tecido em meu corpo como em uma suave carícia. A noite já se extinguia, e subia a madrugada tênue e silenciosa.
Deitei-me naquele cenário quase imaculado. Apenas a lua, solitária e imponente, iluminava o local. Em pensar que momentos atrás eu sentia tanta dor, tanta culpa...
Detesto as datas comemorativas. Acho que são apenas hipocrisia... Afinal, para que comemorar o Natal? Dia dos namorados, dia das mães... São apenas dias do ano em que o capitalismo demonstra o quão influente é sobre as pessoas...
Talvez o aniversário seja uma ocasião a ser comemorada. Mas então, entramos em uma bifurcação de conceitos... Há aqueles que querem ser mais velhos, com a falsa idéia da liberdade. E também, os que já atingiram a tão almejada idade, que gostariam de voltar ao passado, pensando que a máquina do tempo será criada para este propósito.
Então, para que comemorar? Temos que fazer algo que nos satisfaça... E maldita hora em que entrei em casa há alguns dias. Dias? Foi mais. Talvez semanas, meses... Ou anos. O que importa? O tempo não é meu inimigo. Ele não ajudou a curar minhas feridas, nem fez com que minha pele envelhecesse. Posso dizer que me é indiferente.
Flashback
- Oi, estou em ca...
- Surpresa!
Sakura arregalou os olhos. Várias bexigas cor-de-rosa enfeitavam a tão aconchegante e conhecida casa amarela. Tomoyo com seus amigos, seu pai e seu irmão sorriram-lhe carinhosamente. A garota rompeu em lágrimas, pela surpresa. Abraçou a prima, que chorava em solidariedade.
- Pensou que esqueceríamos de seu aniversário?
- Eu... – Ela não conseguia falar. A sua voz parecia congelada na garganta.
- Fique calma... – Shaoran sorriu.
Sakura sentiu como se todos os seus problemas fossem dissipados com aquele simples gesto do namorado. Libertou-se do enlaço da prima e timidamente pousou um beijo nos lábios dele.
- Eu... não sei o que dizer... – Disse ela, após ter tomado um copo de água para acalmar-se. – Obrigada a todos...
- Divirtam-se meninos... – Fugitaka aproximou-se da filha mais nova e colocou a mão em seu ombro. – Vou viajar... Lembre-se que eu tinha marcado para hoje.
- Tudo bem papai, boa viagem...
Ele desceu as escadas e entregou-lhe um anel.
Fim do FlashbackFoi estranho o que senti quando ele desceu as escadas... Aquele anel, com a pedraria esverdeada. Tinha certeza que aquele era um presente especial, para alguém especial. Não me subestimo, apenas não acho que sou digna de tal agrado.
É improvável que uma mulher de com a minha idade seja tola a ponto de ainda acreditar em príncipes encantados montados em cavalos brancos, ou melhor, dirigindo BMW´s conversíveis...
No entanto, não é há muito que minha crítica era tão aguçada. Podem considerar minha língua ferina, venenosa, até mesmo indiscreta. Mas agora, não me prendo aos valores que tanto me impuseram...
Eu pensava que poderia me apoiar a vida toda em um alicerce, Shaoran. Estava tratando-o como a fuga de meus problemas, o bálsamo para minha rebeldia, a calmaria para meu tormento. Pobre coitado.
Agora, olhando para essas belas águas, para a lua imponente... Para que firmar em um homem?
Flashback- Você... perdeu o bebê Sakura. – Anunciou a enfermeira cautelosamente, enquanto a garota estava deitada.
- Eu... – Ela soluçou. Sentiu como se seu coração fosse apertado entre mãos de brasa.
- Fique calma... Nós teremos todo o tempo do mundo... – Shaoran tentou sorrir, tocando-lhe o rosto.
- Perdi... Nosso filho...
Ela apenas repetia as palavras em transe. E as lágrimas manchavam o seu rosto.
Fim do FlashbackEu perdi um filho... Meu e de Shaoran. O médico inventou uma desculpa qualquer, alegando que minha saúde estava frágil e o corpo debilitado para desenvolver o embrião.
É claro que eu sei que era mentira... Mas todos acovardaram-se em contar o que eu realmente tinha. O pior de tudo, no dia do meu próprio aniversário, com aquela festinha hipócrita e falsa descobriram meu problema.
A raiva foi aumentando lentamente, até tornar-se quase insuportável. Como ousam eles esconder algo que está acontecendo comigo mesma? Odeio a todos eles, a todos eles...
Flashback- Não Sakura, você não pode estar com isso...
- Eu fui ao médico... – A garota abaixou a cabeça. – Esse câncer está crescendo... E se eu operar, ficarei...
- Calma... – Ele interrompeu-a, sufocando a palavra que viria aos seus lábios com o indicador.
- Shaoran... Nosso sonho... – Ela abraçou-o com força, sem conseguir que as lágrimas caíssem como sempre. – Eu... sinto muito.
O rapaz nada disse. Apertou a cintura com os braços e ela contra o corpo.
Fim do FlashbackCâncer no útero... Eu estava estéril a partir do momento em que o bisturi cortasse a minha pele e retirasse aquele mal.
Tão triste a maneira que a depressão me abateu... Aquela mulher alegre tornou-se sombria. E passei a criticar tudo... Saí de casa, achando o ambiente alegre demais. Larguei a faculdade, estava feliz demais. Tudo parecia ter cores e vida demais para minha própria tristeza.
Afundei-me no mundo interior, nas linhas entre meu subconsciente e o inconsciente, mandando o consciente em si para o inferno. Que tudo fosse ao diabo! Minha prima, seu namorado, meus amigos, meu pai, meu irmão...
Mas não Shaoran. Ele sempre estava ao meu lado... Não importava o quanto eu chorasse, o quanto eu amaldiçoasse a sua presença, a sua ternura, seus beijos... Ele ficava presente em todos aqueles momentos. E da minha vida cor-de-rosa restou apenas um ponto amendoado.
Tudo acaba mal. Não adianta você ler romances a vida toda, a realidade é crudelíssima com muitos e mais ainda com outros. O mocinho e a mocinha não enfrentam dragões, têm pensamentos impuros como qualquer pessoa.
Os seres mais fascinantes são os mágicos... Tudo parece infinito, ilimitado, sem barreiras... Há anos perguntei a idade de Yue e surpreendi-me que a mesma face pálida sustentava-se por quase quatro séculos! As cartas, tão lendárias e poderosas... A face de uma mulher que um dia fui.
Onde está essa magia? Eu a tranquei. Junto ao meu coração, aos meus sonhos e às ilusões que me tornou vulnerável a tudo que sofri.
Flashback- Sakura... Você não precisa fazer isso.
- Adeus Kerberos.
Ela soou fria, sem importar-se com os olhos quase marejados do tigre alado. Ele encolheu-se dentro de suas asas, formando um casulo. O báculo estrelar foi posicionado ao topo daquela estrutura e, após alguns minutos de intensa luz, não sobrara nada do guardião.
- É minha vez?
- É a sua vez.
- Saiba que serei sempre fiel a ti. – O coração de Sakura bateu por um momento mais forte. Mas precisava continuar...
- Adeus Yue.
O outro desapareceu da mesma forma, contidos dentro do báculo poderoso. As cartas, depois de assistir àquele espetáculo quase mórbido, rodearam a mestra como sempre faziam.
- Não faça isso Sakura... – Uma garota igual a ela apareceu em sua frente.
- Adeus Espelho. Adeus a todas...
Elas fundiram-se lentamente, uma a uma dentro do objeto mágico. Após quase uma hora, Sakura levantou o báculo, sentindo-o pesado. Lentamente, a estrela tornava-se vermelha e o seu bastão preto.
- Vou trancar isso também...
Transformou o objeto na forma de estrela e abriu a camisa que usava. Sua aura agora brilhava escarlate, com um toque assassino. Proferiu algumas palavras em uma língua desconhecida e a última coisa que viu foi a chave vir à sua direção violentamente.
Fim do FlashbackA chave está dentro de meu coração... Eu decidi trancar meus próprios sentimentos com a magia. Parece ilógico, um pouco até inadequado, mas funcionou.
De vez em quando eu me pegava pensando nas cartas... Como elas eram companheiras e calorosas quando eu estava triste. De uma forma elas estavam bem próximas a mim, mas de outra estavam muito distantes.
Quando eu sentia vontade de chorar, pegava um punhal e cortava uma parte do meu corpo. Assim, a dor era maior que a vontade de desabafar... Com o tempo isso não era mais necessário, entretanto o prazer de sentir a lâmina me perfurar era quase viciante.
FlashbackShaoran entrou em silêncio no quarto, observando a namorada dormir entre os lençóis negros, que contrastavam com a alvura de sua pele. Suspirou, vendo outro corte no seu braço.
Era quase sufocante a dor que seu peito estava embargado, mas aquela decisão seria o melhor para os dois. Sakura estava entorpecida em suas próprias emoções mórbidas e acabara por se esquecer do resto do mundo. Até mesmo dele, que alegava amar tanto.
- Sakura, meu anjo... – Ele murmurou, percorrendo os dedos pelas longas madeixas.
- Anjo da morte... – Ela abriu os olhos subitamente, com um brilho de insanidade dominando-os. – Aquele que trará a destruição! – E gritava. – Morte!
Shaoran tocou o seu rosto, quase cedendo ao pranto por vê-la daquela maneira tão insana e atípica dela. Aos poucos, os gritos foram cessando, até que o quarto envolveu-se no doce silêncio.
- O que veio fazer aqui? – Ela perguntou, por fim.
- Andou se cortando novamente...
- Deveria sentir o prazer da lâmina em sua carne... – Ela sorriu com malícia e descobriu-se dos lençóis, exibindo o corpo nu. – Veja... São tão belas as marcas...
- Sakura...
Ela guiou a mão dele pelo seu pescoço, onde havia uma fina linha. Desceu pelo colo e prendeu a respiração ao dedo traçar o seio. As mãos desceram pelo abdômen e pelas coxas.
- Não é delicioso? – Jogou os cabelos para trás, arqueando o corpo. – Venha Shaoran... Convido-lhe para provar deste prazer...
- Eu não posso. – Ele afastou-se abruptamente, indo na direção da janela.
O rapaz sentiu-se acuado diante daquela fera feminina. Ela levantou-se, e em passos felinos, contornou o peito com os braços delicados. E, fazendo um pouco de força, puxou-o lentamente até onde estava adormecida.
Empurrou-o contra a cama e sentou-se sobre suas pernas. Pegou o punhal e lambeu o resto do seu sangue que ainda manchava a lâmina prateada. Depois disso, a arma trabalhou com as mãos ágeis da garota, cortando lentamente a camisa. E depois a calça... E depois o próprio corpo...
Fim do FlashbackA mulher que ele tanto amou já estava morta. Eu precisava faze-lo entender, mas em vão foi. Continuou ao meu lado, tentando despertar o lado primaveril de minha personalidade. E apenas na cama eu o dominava...
Não durou muito tempo meu domínio sobre ele. Eu sabia que uma hora cansar-se-ia de ser um mero fantoche, um objeto do meu prazer obscuro. Ele tornara-se apenas um parceiro que aquecia minhas noites. O lado mais profundo e insano da arte de "fazer amor".
Uma noite, depois de termos aproveitados juntos daquele prazer mórbido, ele puxou-me contra seu corpo como há muito não fazia. Os seus dedos massagearam minha nuca e meus ombros, tão tensos... Comecei a chorar.
Chorei como nunca havia feito antes. Parecia que tudo me sufocava, como se fossem paredes movediças que me prendessem a cada instante. Eu me agarrei em seu peito, e, pela primeira vez, depois daquela depressão, disse que o amava mais que tudo. Que ele era o meu mundo. E de fato.
Entretanto o seu olhar penetrante me assustou, depois de eu ter desabafado. Ele estava partindo... Já não mais me amava como antes. E precisava me deixar para que eu repensasse em nossa relação. Que ingenuidade!
Quando a escuridão dominou o quarto, eu ali, sozinha, fiquei envolta pelos meus pensamentos mais obscuros. A solidão que eu tanto temia quando era mais jovem agora era presente, e isso não me importava tanto quanto eu pensei.
Meses mais tarde, recebi a carta do cretino. Ele e Tomoyo "descobriram" o amor juntos, e estavam viajando juntos. Para Paris. Onde ele dissera que passaríamos a lua-de-mel. E ambos pensaram que eu não percebi que eles me traiam...
FlashbackFugitaka entrou no apartamento silenciosamente. Sakura estava estirada no sofá, segurando uma caixa de comprimidos para dormir. Que triste fim para sua bela cerejeira.
- Sakura, me perdoe...
- Eu quem peço... – Ela murmurou. – A morte...
- Podem leva-la. – Fugitaka disse a dois homens que haviam entrado.
Fim do FlashbackInternaram-me em um sanatório, dizendo que eu estava louca. Que insanidade é a minha? Apenas lutei contra a depressão que me atormentou durante esses dez anos. Há uns meses soube da morte de meu pai, nem direito de visitar o seu túmulo tive.
Motivos para ser feliz ou romântica tola, não tenho. Fui traída, não posso ter filhos e agora me abandonam num lugar aonde há idiotas. Nunca perdi minha capacidade de raciocinar, por isso fugi. Eles nunca conseguiriam me prender...
Bela praia a minha frente agora. Essa imensidão azul... As águas parecem me chamar. Talvez se eu deixar que elas envolvam meu corpo, a dor que ainda existe desapareça.
A minha dor não é por ter sido traída. Não é por meu pai ter morrido. Não é por ser infértil. Talvez seja simplesmente porque eu queira voltar no tempo e não ser tão covarde.
Usei o desespero como máscara para todos os atos insanos que cometi. Deixei de ser feliz por não ter coragem de enfrentar um simples medo. Shaoran estaria comigo... Adotaríamos um filho e ele estaria aqui...
Senti algo metálico roçar contra meu seio. Que irônico! Meu companheiro... Meu punhal prateado, que me deu noites de intensa luxúria. Vou escrever nesta areia macia. E comprovar que passei por aqui...
Pronto! Belamente escrito, agora posso me entregar ao mar. Ele me deseja... Não me acovardarei... É a eternidade que me espera.
Entre as ondas que me apertam com seus braços, está ali... Caminhando sobre as águas sombrias com sua capa negra e o capuz. E no ombro direito apóia-se a foice, temida pelos tolos mortais.
Fechei os olhos. Os passos vinham em minha direção... Finalmente. Eu a esperei tanto... E ela veio ao meu encontro. Abri os braços, e deixei que seu abraço frio me envolvesse...
Tempo atualShaoran ajoelhou-se diante da visão. As águas iam e voltavam, com suas ondas traiçoeiras. O sol despertava lentamente, iluminando a praia com seus raios dourados. E a areia molhada por um líquido rubro, com um punhal fincado ao lado, estava a inscrição:
- Aqui passou Sakura Kinomoto.
O rapaz tirou uma flor de dentro do bolso. Depositou ao lado da arma e murmurou:
- Descanse em paz, minha flor...
FimOlá pessoas! Depois de dois anos decidi publicar algo de Sakura, em minha opinião, não está com qualidade mas com carinho. É especial para a Ro que está fazendo... fazendo... Olha, esqueci quantos anos! Mas Ro, meus parabéns por essa data obrigada por tudo que você fez para mim e por me ajudar sempre nas fanfics. Seu aniversário é amanhã mas temi não conseguir publicar no dia certo, então publico um dia antes
Às meninas, Naru, Daí, Kiki, Lily, entre todas que leram e ao Sanin, obrigada por ter dado sua opinião!
Agora comentários! Eu sempre quis escrever algo dark de Sakura, talvez porque o anime é tão perfeito e cor-de-rosa, para quebrar com a rotina. E eis uma Sakura, louca, masoquista e apaixonada. Irônico não?
Fico por aqui!
Beijos da humilde serva.
Lally-chan
