N/A: Outra fic começada há muito tempo e interrompida pelo Bloqueio Mental de 2007/08. Ela foi originalmente escrita para o I Challenge Sirius do Grimmauld Place, mestrado pela Kim, mas eu não terminei (nem remotamente) a tempo. Mas acho que quase todos os itens estão aí. As letras são da música Read my mind, do The Killers, e foram adaptadas para caber melhor na história.

Eu dedico a fic a Kimzoca, porque alguns anos luz atrás eu lhe prometi uma puppylove de presente de aniversário. E eu tardo (loucamente), mas não falho. ;)

Obs: Essa história está na minha cabeça desde que eu terminei DH e decidi que todo mundo merecia um momento como o do Harry no capítulo 35 (King's Cross). E eu nunca acreditei que a história dos meus queridos Sirius e Remus terminasse com um véu e um casamento. Então, aqui está minha homenagem póstuma a Sirius/Remus. Enjoy!


Brilho além de nós dois.

The stars are blazing like rebel diamonds cut out of the sun
as estrelas estão brilhando como diamantes rebeldes caídos do sol
when you read my mind.
quando você lê minha mente.

Parte 1 – Bem vindo à vida além de nós dois

Havia algo muito de estranho no ar. Não era o frio, nem o calor, nem o barulho. Aliás, ele se perguntou por um momento justamente onde o frio, o calor ou o barulho haviam ido parar. E descobriu que não sabia. Mas a ligeira atividade cerebral o fez perceber finalmente o que havia de estranho no ar: simplesmente não havia ar.

- Que estranho – ele conseguiu dizer. O que lhe pareceu ainda mais estranho, uma vez que mal era capaz de abrir os olhos. E falar nunca lhe pareceu um reflexo tão importante quanto abrir os olhos.

- Você me assusta às vezes.

Era outra voz. Grossa, rouca e com um tom inegável de ironia. Pareceu-lhe ainda mais estranho que ele conseguisse identificar aquela voz tão rapidamente, uma vez que estava tendo dificuldade em recordar o próprio nome.

- Sirius.

- Remus.

Ah, sim. Esse era seu nome.

- Tudo isso é muito esquisito.

- Que bom que você lembrou de outra palavra.

Estranho. Por um momento lhe pareceu que Sirius sabia exatamente como seus pensamentos vagarosos agiam.

- E eu sei.

Ok. Remus desistiu.

- Isso simplesmente não pode ser normal.

Ele ouviu uma risada rouca ao seu lado e sentiu seu corpo adquirir algo parecido com calor. O que o fez perceber, pela primeira vez: tinha um corpo. Talvez fosse melhor fazer algo com ele. Remus abriu os olhos.

Havia algo de muito estranho no ar.

- Quer parar com isso? Você já sabe que não tem ar e que tudo é estranho e que sua mente se move como o texto explicativo de um livro escolar.

Remus piscou algumas vezes. Não conseguia ver onde Sirius estava, mas também não conseguiu reunir o que precisava para mexer o rosto e procurar além do que conseguia ver no momento. O que era tão... claro. O teto estava pintado de alguma cor inexplicável que ele não conseguiu identificar com exatidão. Era como uma mistura de tons e sentidos que resultava em um furta-cor indistinguível. Mas ainda assim, era claro. Pareceu a Remus muito estranho que a claridade não estivesse machucando seus olhos.

- Onde eu estou?

- Você que me diga. Não é na minha opinião que devemos nos focar no momento.

Ele piscou os olhos mais uma vez. Reconheceria aquele teto de madeira velha coberto de poeira que desafiava a gravidade em qualquer lugar. Mesmo quando, por alguma razão, as tábuas parecessem tão limpas, novas e claras. Repletas de cores difusas, como se ainda não estivessem certas do que fazer.

- Na Casa dos Gritos.

Ele ouviu a mesma risada rouca, e seu corpo retomou um pouco mais de calor. Pôde sentir que estava deitado, ainda que não conseguisse distinguir onde.

- O que foi?

- Acho que estamos no mesmo lugar.

the good old days
os bons tempos

Saía e entrava ano, a biblioteca continuava sendo o lugar preferido de Remus Lupin em Hogwarts. Ela conseguia reunir aquilo de que ele mais gostava: livros, silêncio, um cheiro de antigo que impunha conhecimento.

Quando não se tinha companhia, obviamente. O que não parecia mais ser possível, em seu caso.

- Moony, eu estou espirrando.

A voz cortava o silêncio, destratava os livros e misturava o cheiro de antigo a um perfume intenso e embriagante, que inspirava distração. E perigo.

- Você não é obrigado a ficar na biblioteca.

Um espirro ensurdecedor surgiu como um pedido de ajuda, ecoando exageros dramáticos. Remus rolava os olhos, indiferente, tentando reunir a concentração dispersada pelo perfume forte e pelas palavras tão firmes e convidativas quanto tabletes de chocolate amargo.

- Moony, é Natal. Tempo de doces, de anjos felizes e de não matar os amigos com quinhentos anos de pó acumulado.

- E tempo de terminar o trabalho de poções.

- E tempo de chocolate. Eu já te disse isso?

Os olhos cinzentos piscavam com brilho. E conheciam Remus melhor do que ele próprio ousaria conhecer.

- Ainda vamos ter tempo o suficiente para chocolate.

- Não se eu morrer de alergia e nunca te contar onde escondi seu presente.

Remus largou a pena e virou-se para encarar os olhos profundos e tão embriagantes quanto o perfume alcoólico que enchia suas narinas. Foi preciso apenas um sorriso. E o silêncio não pareceu mais tão tranqüilo quanto antes.

the honest man
o homem honesto

É claro que estavam no mesmo lugar. Sirius estava ao seu lado, não era possível estar em outro lugar.

- Não é bem assim que funciona, Moony.

Moony. Fazia tempo que não o chamavam assim. Remus se levantou. Ainda que não soubesse onde estava deitado, conseguiu se apoiar e sentar na superfície firme e clara, que lhe parecia prestes a desaparecer a qualquer momento. Piscou mais algumas vezes.

- Como assim?

- Deixa pra lá. Você vai entender depois.

Ele já conseguia mandar completamente em seu corpo. Não foi tão difícil virar-se para vê-lo.

Sim, era Sirius.

- Cinco pontos para a Grifinória, gênio.

- Quer parar de ler meus pensamentos?

- Eu não posso evitar. É o que eu tenho que fazer.

Sirius estava-

- Estranho?

- Pára com isso!

Seus olhos profundos traziam mais do que o mistério e perigo que Remus identificara até os últimos dias de sua vida. Era como uma mistura de todos os Sirius que ele havia conhecido. O menino de 11 anos que conhecera no Expresso de Hogwarts, o jovem que havia saído do pequeno apartamento de Remus uma noite para nunca mais voltar, o rosto enlouquecido que o Ministério da Magia espalhou pelas ruas e o adulto que ele viu desaparecer através de um véu.

- Você está morto – ele lembrou.

- Continue assim e a taça das casas está garantida, Moony.

the restless heart
o coração inquieto

- É loucura.

- Desde quando isso nos impediu de qualquer coisa?

Eles eram jovens demais, inconseqüentes demais, irresponsáveis demais. E faziam isso por causa dele. E quando Remus lhes disse que jamais permitiria que se arriscassem daquela maneira por ele, foram as mãos firmes de Sirius que seguraram seus braços com a certeza de quem não precisa pensar para saber. O perfume embriagante foi como éter; despedaçou seus sentidos e transformou sua raiva em atenção inebriante.

- Se for para ajudar você, nós não vamos deixar que algo como a sua vontade fique no caminho.

Os olhos cinzentos se movimentaram pelas cicatrizes no rosto de Remus, as olheiras escuras e os orbes etéreos que se fixavam em Sirius, sem ação. E o perfume pareceu impedir sua razão como uma névoa que se coloca no caminho esperado. Como a fumaça de cigarro que ele sempre soltava com a confiança de quem já descobriu todos os segredos da vida. E como se fosse contagiante, Remus aspirou a nuvem de certeza e soube, aos quinze anos, que jamais olharia outra pessoa daquela maneira.

a promised land
uma terra prometida

Ele riu, e Remus ficou feliz em ver que um sorriso havia ficado naquele Sirius que havia passado por tanta coisa. Só então Remus percebeu que ele estava sem roupas.

- Você está pelado.

- Olha quem fala. Isso vai ser um problema?

Remus finalmente olhou o corpo que há pouco tempo achava não ter, e viu que também estava completamente nu.

- Acho que não.

Algo lhe dizia que acordar nu na Casa dos Gritos junto a Sirius Black era a coisa mais normal que havia acontecido até o momento.

Sirius riu, novamente. Remus fez o mesmo, num reflexo refrescante. Não só o surpreendeu conseguir rir, mas ele lembrou que há muito tempo não o fazia daquela maneira.

A sala de estar da Casa dos Gritos, em sua versão furta-cor e limpa, trazia um tipo de calma que Remus jamais havia experimentado. Seria um ótimo lugar para leitura.

Eles ficaram em silêncio por um momento, durante o qual Remus sentia sua mente vagar livremente.

- Eu senti sua falta – ele disse, por fim, sem ter controle completo dos lugares em que seus pensamentos confusos o haviam levado.

Sirius esboçou um sorriso fraco e Remus descobriu por que havia falado aquelas palavras. Simplesmente soube que o outro precisava ouvi-las. Talvez também estivesse começando a ler pensamentos; ou talvez estivesse apenas se lembrando de como eram aqueles dias, que agora pareciam a milênios de distância.

- Tem sido um tanto tedioso sem você, também – Sirius disse, e foi a vez de Remus sorrir.

a subtle kiss that no one sees
um beijo sutil que ninguém vê

Novamente, a biblioteca. O silêncio e a paz que Remus buscava toda vez que seus olhos lhe pregavam peças e ele se descobria, repentinamente, admirando um par de orbes cinzentos que um dia lhe prometeram o mundo.

Nem mesmo as promessas atraentes da biblioteca pareciam suficientes para evitar que ele fosse assombrado pelo perigo de que tentava fugir. E em sua forma mais concreta, que se encostava a uma janela e soltava fumaça pela noite afora, com o cinza dos olhos se confundindo com a escuridão das estrelas nubladas. Determinado, indiferente às regras.

- Você está maluco? Estamos na biblioteca!

A voz de Remus tinha quase pavor, pois seu universo não concebia tamanha heresia para com os livros. E na verdade, também gritava para si mesmo – aquele não era o lugar, nem havia lugar, para aqueles desejos. Mas eles eram mais fortes que a vontade fraca e abalável de Remus, que nem ao menos conseguira convencer os amigos a não arriscarem suas vidas pela animagia. Eram forte, como um imenso cachorro preto dono de uma mente humana capaz de enfrentar um lobisomem faminto sem hesitação.

- Eu sei. Precisava de um lugar deserto para que ninguém me visse.

- Pois eu te vi. Apague esse fogo, você pode estragar algum livro!

- E eu achei que você estivesse preocupado com minha saúde.

Ele sorriu, de um jeito que parecia fazer aumentar o perfume intenso que atravessava quantos metros fossem necessários até as narinas de Remus, confundindo suas certezas e embriagando seus sentidos como a melhor garrafa de Firewhisky jamais conseguiria fazer.

- O que você está fazendo aqui?

- O mesmo que você sempre faz nesse lugar. Pensando.

A surpresa fez Remus baixar sua guarda, e o cheiro alcoólico penetrou em seu corpo com ainda mais facilidade. Sirius não pensava. Ele agia, fazia, se movia num raio sem medir as conseqüências.

- Você não gostou de termos virado animagos?

Pois Sirius estivera pensando, porque quando ele encarou Remus com a indagação, não o fez apenas com seus orbes nublados, espontâneos e desenfreados, como chuva que cai no solo sem lugar algum para se escorar. Eram olhos pensativos, duvidosos e carregados; olhos de quem busca entender algo maior do que si mesmo.

- O quê?

- Eu achei que você fosse ficar feliz conosco, por finalmente ter companhia na lua cheia.

Remus se surpreendeu ao ponto de ignorar as baforadas de cigarro que Sirius expelia pela janela aberta, ao mesmo tempo em que mantinha os olhos fixos no outro. E o lobisomem, que sempre fora o pensador, o que ponderava e tentava entender tudo o que se passava ao seu redor, viu-se perdido em um redemoinho de fumaça, perfume e olhares, incapaz de formular qualquer decisão.

- Eu não disse que não estava…

- Eu sei. Você não disse nada.

O que ele poderia dizer? Que havia sido a primeira vez em sua vida que acordara com menos machucados do que no mês anterior? Que abrir os olhos para descobrir que não estava sozinho lhe trazia um conforto que Remus jamais havia conhecido?

Não havia dito nada. Não poderia condenar os amigos a tamanho risco todos os meses por prazeres tão egoístas.

- E o que você quer?

Mais uma baforada de fumaça janela afora, tirando forças de Remus para protestar. O lobisomem permanecia com os olhos fixos nos orbes indecifráveis de Sirius, indiferente à biblioteca, ao cigarro e aos livros.

- Quero saber o que você acha, Moony, de eu ter feito isso por você.

As palavras entraram em seus ouvidos como fez em suas narinas a fumaça que Sirius soltou no interior da biblioteca, esquecendo-se de se virar para soprar para fora da janela. Com o cheiro de nicotina se misturando ao perfume intenso que já dominava seu corpo, e as dúvidas dos olhos de Sirius se dissipando em meio à névoa, Remus foi tomado pela mesma sensação de certeza que ele costumava admirar na forma como o outro sempre soltava a fumaça de seus cigarros.

Como se soubesse de todos os segredos do mundo. E como se, naquela hora, após um raro momento de fraqueza no qual havia precisado se recolher aos pensamentos, Sirius tivesse reencontrado a certeza e a confiança de sempre. E o havia feito nos olhos frágeis de Remus.

Remus não impediu o beijo com sua mente racional demais. Pelo contrário, completou-o e retribuiu com a certeza que o cheiro forte de perfume e nicotina lhe inspiravam. Seu primeiro beijo, e o momento em que tivera certeza de que a escuridão dos olhos fechados era tão confortável quanto o calor dos orbes cinzentos rebeldes.

a broken wrist
um pulso quebrado

O sorriso de Remus não se manteve por muito tempo. Relembrar Sirius o fez forçar sua memória através de um caminho recente, obscuro e perturbador. Sua mente foi tomada por visões rápidas e dolorosas, e uma imagem maior começou a se formar em sua cabeça.

Sirius não mencionou nada, pelo que Remus o agradeceu silenciosamente.

- Então, aqui é sempre tão calmo assim?

- Você está pensando em como poderia finalmente ler em paz?

- Não é justo, você lê minha mente. E com você aqui, eu dificilmente teria paz.

- Não precisei ler seu pensamento para adivinhar isso. E eu não vou estar sempre aqui.

- Não? – Remus disse num impulso, sem pensar. Sirius se manteve em silêncio. – Você está aqui agora, não está?

- Ah, estou.

- E por quê? – Remus demandou com um quê de rispidez. Conseguia pensar com mais clareza. E a cada momento passado na lucidez, mais nutria a opinião de que deveria estar à beira da loucura.

- Você não está louco.

- Então por que eu estou pelado conversando com meu amigo morto?

Sirius apenas o encarou. Remus respirou com irritação e mordeu os lábios.

- Eu estou aqui pra te ajudar – ele disse calmamente, num tom pouco típico.

- Já estava na hora.

O céu continuava de um colorido oblíquo, mas a claridade começava a se definir um pouco mais obscura do que o brilho exagerado do início. E Remus usou o silêncio seguinte para admirar as cores difusas.

the big trapeze
o grande trapézio

Os cantos do castelo haviam se tornado pouco para eles, e Remus não entendia como algo tão estranho e incomum pudesse parecer tão natural e delicioso. Era como chocolate mesclado. Seria uma heresia misturar chocolate puro com a massa enjoativa e branca que alguns cometiam o crime de chamar de chocolate, se o resultado não fosse tão bom.

- Admita, Moony, não há maneira melhor de desbravar o castelo.

Os beijos eram como mergulhar naquele perfume intenso e inebriante e se perder numa embriaguez que lhe roubava a razão e o juízo a cada toque. E Remus aprendeu a gostar da falta de controle, do entorpecimento e do calor afoito.

- E o mapa do maroto é uma iniciativa que exige o máximo do nosso empenho.

- Definitivamente.

As palavras eram cada vez mais escassas, mas diziam, pela primeira vez, o que realmente queriam. E Remus soube que não precisava ouvir mais do que aquela palavra saindo de sua boca sorridente, como uma latida quente.

- Moony!

- O quê?

- Eu acho que nós precisamos pesquisar o terceiro andar, de novo. Acho que esquecemos de uma das possíveis passagens.

- Vocês andam realmente se dedicando a esse mapa, hein?

As desconfianças de James e Peter se transformavam em risadas abafadas em cantos escuros do castelo. Era diversão. Como Hogwarts jamais havia oferecido.

- Sirius, não na biblioteca. É uma heresia com os livros.

- Moony, são livros. Se a gente falar baixo eles nem vão perceber que estamos aqui.

- Eles vão se reunir e te atacar durante a noite.

- Por que só eu?

- Porque sou eu, Padfoot. Eu tenho crédito com os livros.

- Maldição. Ok, vamos para a Torre de Astronomia.

E cada vez que Sirius puxava seu braço para um corredor escuro do castelo, que seus lábios soltavam risos roucos em seu ouvido, ou que sua mão encostava na sua por baixo da mesa de poções e ele brincava com seus dedos, Remus inalava o perfume intenso e alcoólico do outro e sabia que finalmente era parte de algo. Algo inexplicável e incrivelmente assustador, mas algo real e completo. E bom, absurdamente bom.

I don't mind if you don't mind
eu não me importo se você não se importar

Os pensamentos começavam a se unir na cabeça de Remus, da mesma forma como o teto da casa parecia se mover em busca de uma cor definitiva. Lembranças antigas apareciam em flashes junto a sensações que, ainda que não conseguisse identificar por completo, sabia serem recentes. Recentes demais para serem confortáveis.

- Não é bem minha culpa eu não ter aparecido antes.

- Eu sei.

- Você sabe que eu não tive muita escolha.

- Tudo bem.

- Estando morto e tudo o mais.

- Ok, Sirius.

- Você está pensando demais…

- Você não precisava ter se arriscado daquela maneira – Remus disse, num tom ríspido e acusativo que nem mesmo ele reconhecia.

O silêncio que se seguiu foi pesado, desconfortável e obscuro. Talvez porque o teto havia se transformado em um tom de cinza escuro, que em muito lembrava os olhos de Sirius. Mas havia algo de complacente no ar, e o Black foi o primeiro a desviar os olhos para o chão e soltar um suspiro semelhante ao de quem adia uma conversa.

cause I don't shine if you don't shine
porque eu não brilho se você não estiver brilhando

As janelas da Casa dos Gritos exibiam um irritante tom de azul claro, absurdamente claro, que Remus normalmente odiaria ver durante a semana de lua cheia. Podia identificar ainda passarinhos cantando algo como as melodias da moda que grudam em seu cérebro e ensurdecem sua sanidade, e a claridade do sol que iluminava os cômodos empoeirados da casa com uma intensidade desnecessária.

Mas desta vez, Remus não prestava atenção. Suas vozes se sobrepunham ao barulho dos pássaros e ele agradecia pela luz, pois assim podia ver melhor o rosto de Sirius.

- E você ainda se lembrou do chocolate.

- É lógico que eu me lembrei do chocolate, Moony. Eu sempre me lembro do chocolate.

- Você nem gosta tanto assim de chocolate.

- Não. Você gosta. Eu gosto da sua cara quando você come o primeiro pedaço de uma barra da Dedosdemel. Aí, essa mesma!

- Você falou alguma coisa?

- Nada. Não está feliz por eu ter trago o chocolate?

- Ah, sim. Obrigada. Eu só achava que toda a novidade e agitação do que aconteceu há pouco tempo fosse ser a grande surpresa do dia.

- A grande surpresa do dia é descobrir que a sua cara na hora de comer chocolate é a mesma de fazer sexo.

- Sirius!

Trazer à tona o fato ainda estampado nos lençóis amassados, nos cheiros novos e em seus corpos nus era anunciar ao mundo a novidade e confusão de tudo o que havia acontecido tão rápido e naturalmente algumas horas atrás. O que primeiramente fora uma visita normal de Sirius ao amigo, durante uma tarde de lua cheia em que Remus se recuperava dos machucados da noite anterior, era agora uma novidade tão excitante, inusitada e ao mesmo tempo tão esperada, que Remus mal conseguia racionalizar sobre o que havia acabado de acontecer. Felizmente Sirius havia trazido os chocolates que lhe prometera no dia anterior. Sempre pensava melhor enquanto comia chocolate.

- É sério, eu estou me sentindo rebaixado e desprezado. Comparado a uma simples barra de chocolate.

Sirius sempre lhe lembrara chocolate amargo. Forte, firme e decidido, com um sabor um pouco diferente, mas que sempre dá vontade de comer mais. Remus achou melhor não comentar a coincidência de Sirius ter trazido justamente barras amargas da Dedosdemel, ou a semelhança na expressão de Remus na hora de levar ambos à boca. Já sentia suas bochechas corarem o suficiente.

- Eu pensei que você me conhecesse melhor. Ou saberia que não há elogio maior.

- O que vai ser agora, descobrir que você também geme daquele jeito quando termina um livro de Runas Antigas?

- Você nunca me deixou terminar um livro de Runas Antigas.

- Porque obviamente existem maneiras muito melhores de gastar sua voz.

Era como ter o frio na barriga e a dúvida se transformar na mais profunda embriaguez, onde tudo o que tinha espaço era o perfume intenso de Sirius. Então todas as dúvidas desapareciam e o corpo de Remus era tomado exclusivamente pela sensação de tocá-lo; de ter cada pedaço de suas peles unidas, de sentir o calor úmido de seus lábios explorar seu corpo. E então vinha o êxtase, e tudo o mais desaparecia. E ele só voltava a saber que existia com a sensação de ter o braço dele em volta de seu corpo.

Remus experimentou novamente a mistura de sentidos aguçados e respostas incríveis e se perguntou se aquilo realmente melhoraria cada vez que repetissem. E teve a confirmação de que, como ele suspeitava, chocolate combinava com absolutamente tudo no mundo.

- Nada como unir esforços com os inimigos, é o que eu sempre digo.

- Concordo completamente. Traga mais chocolate da próxima vez.

Ambos sorriram ao ouvir as últimas duas palavras de Remus, e o calor entre os dois fez seus olhos descansarem em um sono pesado.

before you go
antes de você ir
can you read my mind?
pode ler a minha mente?