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Meio Ano
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Capítulo 1
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Li Syaoran.
Ah, Li Syaoran.
Ele tinha passado do limites.
- Você é um babaca! - ela gritou com todo o pouco fôlego que tinha.
- Essa frase não se torna mais criativa só porque agora todos os vizinhos sabem - veio a resposta da cozinha.
- Você é o meu vizinho - ela retorceu o nariz, irritando-se com a risada que soou no outro aposento.
Dois segundos depois, Syoran apareceu à porta da sala com um copo de água nas mãos.
- Pare de me olhar com esse sorriso idiota - Sakura sibilou, espremendo os olhos para ele - E não quero mais sua água. Agora me devolva a garrafa.
- Para você derrubar a outra metade da tequila no tapete? De jeito algum, Sakura - um suspiro quando ela fez a pior careta do mundo e ele acabou por deixar o copo na cômoda da sala para andar em sua direção - É, é isso aí. Peguei sua garrafa na sua cara. Sou um cara mau. Me processa. E, pelo amor de Deus, larga esse telefone - ela não tinha percebido que segurava o aparelho até o chinês tirá-lo de seus dedos - Agora, vamos, consegue se levantar? É claro que não consegue. Coloca seu braço em volta do meu pescoço que eu te levo pro seu quarto, sim?
Ela poderia posar de difícil, mas não resistiu à ideia de sua cama. Ah, cama… Sem qualquer lealdade ao seu orgulho, fez conforme o requisitado e Syaoran a levantou sem esforço. O familiar perfume amadeirado chegou aos seus sentidos e, embora se recusasse a admitir, aproveitou cada centímetro da pele dele contra a sua.
O caminho da sala para o quarto foi ridiculamente rápido e logo o calor de seu vizinho foi substituído pelo algodão de seus lençois. Não sabia dizer se o suspiro que saiu de seus lábios foi de alívio ou de lamento.
- Pronto, está entregue - ele bateu as palmas uma na outra como se ela tivesse deixado pó em suas mãos - Vou voltar para meu apartamento. Se precisar de alguma coisa, é só gritar.
- Pare de dar uma de durão, eu sei que você também está bêbado - ela provocou com a voz enrolada e, como um gato puxando a toalha de mesa, agarrou-o pela camisa. Ele não estava tão sóbrio assim, afinal. Com o pouco de força que lhe restara, Sakura conseguiu desequilibrá-lo e fazê-lo cair em cima de si.
- Sakura - ele a repreendeu, girando rapidamente para o espaço ao lado dela - Você não vai se lembrar de nada disso amanhã, mas eu vou. Vou fazer você se arrepender.
- Eu vou fazer algo de que vou me arrepender? - ela questionou, sem deixar de perceber que os olhos dele correram por um momento pelo decote de sua blusa.
- Vai. Vou fazer você morrer de vergonha amanhã - e, certamente antes do que ela gostaria, Syaoran colocou-se novamente de pé - Estou indo para meu apartamento, Sakura. Boa noite.
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- Ela fez o quê? - Tomoyo quase engasgou com o suco de laranja.
Estavam sentados tipicamente ao Sabor Café. A pessoa chave para essa questão era Li Syaoran, chinês com o recorde de bicos em Tomoeda. Foi trabalhando como garçom naquele café que conheceu Yamazaki Takashi, antigo companheiro de bandeja ("Você sabia, nos tempos antigos, era requisitado um desempenho de alta performance, com rígida seleção de tamanho dos braços a histórico do clã para se poder iniciar o treinamento de garçom?"), Daidouji Tomoyo, possivelmente a jovem mais rica da cidade ("Com licença, mas houve um engano, a senhorita está pagando o dobro do valor", "Essa é a minha gorjeta, querido, você é um fenômeno. Gostaria de ser modelo para minha coleção masculina de verão?") e mesmo a estabanada Kinomoto Sakura, sua vizinha ("Olá, serei a nova garçonete do Sabor Café e aquele moço de olhos puxados me falou que seria você quem me treinaria. Você me parece estranhamente familiar. Por acaso nos conhecemos de algum lugar?", "Nos encontramos toda semana trocando o lixo. Você é minha vizinha").
De uma forma esquisita, acabaram por formar um fiel quarteto de amigos.
Syaoran remexeu o palitinho de seu expresso.
- É, bêbada feito uma mendiga. Estávamos virando tranquilamente aquela tequila do Ano Novo, quando os limões acabaram. Fui ao meu apartamento buscar mais, porque Sakura não faz compras a meses, e, quando voltei, estava a garrafa virada no tapete e essa maluca desmaiada no sofá.
- Ah, pobre Sakura - Tomoyo meneou a cabeça.
- Vá catar besouros no mato, Syaoran! - a ex-garçonete interviu em defesa própria - Você faz tudo soar muito pior.
- Você diz isso porque não se lembra do que fez - o chinês pontuou tranquilamente, bebericando de seu café - O pior ainda está por vir. Ela passou uma hora inteira desmoronada naquele sofá. Limpei os biscoitos da mesa, o chão molhado, até mesmo dei leite para aquele gato horroroso ingrato. De repente, Sakura volta à vida e, adivinhem…
- Ah, não, ela vomitou no vaso que a minha mãe deu de presente.
- Não.
- Ela teve um surto criativo e descobriu a nova fórmula do shoyu, que depois batizou com o próprio nome.
- Vou ignorá-lo, Yamazaki. Toquem os tambores - Syaoran fez uma pausa dramática para o eco imaginário da percussão - ...Ela ligou para Yukito.
- NÃÃÃÃÃÃÃO! - o trio fez em uníssono. Syaoran apenas assentiu com a cabeça.
- Eu liguei para o Yukito?
- Ela ligou para o Yukito?
- Quem é Yukito mesmo?
- Syaoran! - Tomoyo bateu na mesa, fazendo o café do amigo pular para o lado e alguns fregueses olharem em sua direção com desaprovação - Como você pôde deixar ela fazer isso? Todo mundo sabe que o maior fracasso do mundo é ligar para o ex-namorado numa sexta-feira à noite, bêbada, para se lamentar do término e saber como ele está superando a relação.
Sakura afundou na cadeira, fazendo um som agudo com a garganta. Yukito fora seu namorado por exatos quatro meses e nove dias. De fato, não foi um namoro que durou muito tempo, mas fora suficiente para que seu coração fosse tomado e depois quebrado em pedacinhos.
- Eu não acredito que fiz isso - lamentou, tapando a cara com as mãos.
- Vendo pelo lado positivo, Sakura, não sei se Yukito conseguia entender o que você estava falando… Você parecia um caso raro de fonoaudiologia.
Yamazaki Takashi levantou a mão subitamente.
- Eu lanço uma aposta.
A mesa grunhiu em uníssono. Yamazaki costumava esporadicamente colocar apostas à turma e, apesar de comumentemente absurdas, era de praxe que fossem levadas à sério. Foi daquela forma que Sakura comprou um gato, que Yamazaki fez uma tatuagem, que Tomoyo fez uma coleção de roupas da Idade Média e que Syaoran fora modelo dessa coleção.
O rapaz bateu na mesa.
- Aposto que Sakura vai estar namorando em seis meses. Votos e condições?
- Isso é sério? - a caçula Kinomoto ergueu as sobrancelhas em protesto - Voto: contra. Condição: se eu não estiver namorando em seis meses, vocês três vão fazer um show ao vivo no Clow bar.
- Vocês três? - Syaoran repetiu, indignado - Você nem esperou saber quem iria votar contra ou a favor, Sakura!
- Não chore, Syaoran. Sakura jogou a condição dela, e que belo jogo - Yamazaki interviu, sorrindo - Bem, meu voto, obviamente, é à favor. Condição: se por acaso Sakura tiver um namorado e esconder que está namorando para ganhar a aposta, Sakura e o namorado farão um show ao vivo no Clow bar.
A Kinomoto fez uma careta, vendo uma estratégia sendo jogada no lixo.
Tomoyo deu um risinho, e jogou as próprias cartas:
- Voto: à favor. Condição: se eu conseguir filmar o primeiro beijo, Syaoran vai usar minha coleção de roupas infantis por uma semana.
Yamazaki riu alto, ao que o chinês rugiu um "Quê?" que poderia fazer os pombos ao lado de fora levantar vôo. Syaoran agora estava em saia justa: precisaria escolher entre ser à favor à aposta e correr o risco de ter de usar roupas infantis no caso de Tomoyo atingir sua condição, ou ser contra e ter de fazer um show ao vivo no Clow bar.
- ...Voto: à favor - declarou finalmente; se evitasse que Tomoyo tivesse a tal da gravação, ele sairia ileso daquela aposta. E ainda deu para abrir um sorrisinho maldoso - Condição: se for eu quem arranjar o primeiro encontro de Sakura com o futuro namorado, Tomoyo e Yamazai terão de usar a minha coleção por uma semana.
Sakura fez um "Uhh" baixinho, olhando para a referida dupla. Tomoyo em particular parecia determinada a não perder.
- Muito bem - Yamazaki falou, animado com o nível de ferocidade que a aposta havia tomado - Um voto contra, três votos à favor, sendo que, conforme a regra, cada um de nós fez uma condição para cada um de nós. Alguma objeção?
Não havia. Yamazaki colocou uma mão ao centro da mesa, logo acompanhado pelos outros três.
- Condições à mesa... Valendo!
E foi assim que a aposta 41 de Yamazaki foi lançada, numa tarde fria de inverno no usual ponto de encontro, Sabor Café.
... Este será o cenário de toda essa história.
Protagonistas: Kinomoto Sakura e Li Syaoran.
Local: Tomoeda.
Tempo: Meio ano.
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