Olho Azul Apresenta:
Num Repouso Aparente
Capítulo 1 – Viagem de Campo
Estava fazendo um sol bastante forte. Típico daquele lugar, pensou o professor, olhando para sua turma ainda descendo do ônibus alugado. Visitaram Atenas e todos os destinos típicos para turistas nos últimos dias. Aquele era o dia que ele mesmo havia escolhido para algo um pouco mais útil, ao menos à sua matéria.
Fazia tempo que não se interessava assim por qualquer turma, a bem da verdade. Não sabia explicar com coerência a razão para isso, ele não era do tipo que se interessava fácil pelas pessoas. Não mudava o fato de que havia a muito custo conseguido aquele acréscimo na viagem de campo de sua turma do segundo ano colegial. Bem, desta e de mais duas. As demais foram excluídas, ficando apenas por Atenas. Ele também não se deu ao trabalho de conseguir mais vagas, não se importava com os outros, que, apesar de algumas das seis turmas de segundo ano naquela viagem de campo também serem de alunos seus, não estavam sob sua responsabilidade, e nunca seriam sua turma favorita.
- Professor, aonde exatamente será essa visita especial? – perguntou uma das duas professoras acompanhando as turmas naquele dia, a Professora Deguchi.
- Irei informar exatamente agora, vamos fazer todos entrarem naquele prédio primeiro. – Apontou para a única construção visível no momento, no estacionamento do qual o ônibus havia parado.
Os três professores reuniram seus sessenta e quatro alunos e seguiram para o interior, onde a temperatura estava bastante mais agradável.
- Muito bem, galera. – O único homem entre os professores tomou a frente balançando uma das bandeiras que servia de guia para os alunos que sempre ficava para trás quando caminhavam. – Estamos indo em direção ao Santuário de Athena neste momento. Sintam-se convidados a usar o último banheiro que verão em muito tempo hoje, mas antes tenho umas instruções. Neste lugar, vocês terão que decidir se querem nos acompanhar lá dentro e, portanto, cumprir com todas as formalidades necessárias.
Enquanto muitos se maravilharam, alguns alunos franziram a testa e olharam uns para os outros, ou encararam o professor com ceticismo.
- Sim, vocês sabem como foi difícil conseguir essa honra, sintam-se sortudos. Ou não, já que os que não quiserem entrar terão que ficar aqui sentados ou olhando pro nada ou vendo esse programa em grego que está passando no telão. Uma das professoras ficará com vocês, não se preocupem.
E ele sorriu, sabendo que agora sim, eles estavam chateados. Umas horas livres para explorar as ruínas gregas ao redor dali ou mesmo tentar uma entrada clandestina no famoso Santuário de Athena com certeza passava pela cabeça de muitos.
Após fazer todos ficarem em silêncio mais uma vez, prosseguiu com uma explicação dos mencionados procedimentos. Recolhimento dos passaportes, máquinas, celulares e similares. Um cadastramento. Uma rápida entrevista. Negadas arbitrárias de entrada ou como preferiam, uso de sua soberania para negar a entrada de qualquer.
- Professor Hiwasa... – chamou a professora Deguchi, quem o acompanharia ao interior do Santuário, - Isso não é um pouco arriscado para as crianças?
- Por isso, eles podem ficar aqui.
Ela não parecia convencida, mas Hiwasa sabia que muitos de seus alunos, ainda que céticos, não perderiam aquela oportunidade. Eles respiravam Estudos Teológicos e o Santuário de Athena era o lugar onde alguém assim gostaria de estar. Ainda que eles estivessem conscientes de que não era um privilégio dado a qualquer um, daí seu ceticismo.
Após uma hora de cadastramento dos trinta e sete alunos que optaram ir e meia hora de instruções confusas de um soldado com inglês abaixo da média até mesmo para a professora Yamanaka, que passara quatro anos na Inglaterra, a fila dupla estava formada e o grupo seguiu com dois soldados e um guia que o professor Hiwasa havia requisitado ao conseguir permissão para aquela visita. Mais que um guia, ele seria o convidado especial com quem seus alunos se divertiriam ao final do passeio. O verdadeiro guia, um soldado qualquer com inglês talvez um pouco melhor que o anterior, esperava atrás da grande construção à qual todos se encaminhavam.
- Professor Hiwasa, eu acredito que o Santuário de Athena proibiu visitas escolares faz cerca de dez anos, - perguntou uma de suas alunas mais interessadas na sua aula de Estudos Teológicos.
- De fato, as escolas faziam um carnaval aqui.
- Bem, nossa viagem tradicional à Grécia nunca incluiu o Santuário, até onde sei. E minha irmã esteve aqui faz dois anos, ela teria me contado mesmo que vocês obrigassem segredo.
E a moça estava certa. Aquela era a primeira turma que o professor conseguia levar além das ruínas gregas. Eles sempre paravam na frente do estacionamento de mais de uma hora antes, onde o ônibus alugado os aguardava e Hiwasa tinha que se contentar com apontar e dizer: "ali está o Santuário de que tanto falamos, mas graças ao incidente que estudamos e a vários outros, por questões de segurança, ele está fechado a visitações."
Um incidente que quase levou à morte de um grupo de alunos. Outros que incluíram alunos entrando no meio de treinos e quase os levara a morte também. O Santuário não estava errado em acabar com sua grande fonte de renda, o turismo. Mantinha uma galeria no prédio onde agora os alunos menos aventureiros aguardavam, mas o terreno oficial estava fora de limites. Assim como um museu construído dentro do solo do santuário, o principal destino, anteriormente, posto que um dos poucos permitidos no trajeto estritamente ditado por ninguém menos que Athena. Esse museu agora servia apenas a visitantes mais ilustres como chefes de estado e milionários amigos da Fundação Graado.
- Então, a escola conseguiu a autorização do Santuário...? – perguntou outro aluno de notas não muito boas, mas ainda assim bastante interessando na matéria do professor.
- Não nossa escola. Eles não falam grego. A Fundação Graado muito gentilmente nos concedeu essa oportunidade para ampliar os horizontes de vocês.
- Por quê? – perguntou de novo a primeira jovem, que nunca fora a favor da Fundação Graado nos debates em aula.
De fato, entre todos os interessados em sua matéria, ela era a única a não estar cadastrada na Fundação.
O professor sorriu e deu de ombros. Sabia a resposta, mas eles também não a entenderiam.
Após pouco mais de dez minutos de caminhada sob o sol grego, o grupo chegou à enorme barreira construída no Santuário fazia poucos anos. Na entrada, vários soldados aguardavam o grupo com uma expressão nada satisfeita. Aquele grupo dava muito trabalho pelo número e nenhuma gorjeta, diferente dos visitantes habituais dali.
Eles começaram a conferir até um deles falou bravo ao outro. O professor Hiwasa continuou a sorrir, fingindo não entender, mas sua visão periférica buscava a solução para o problema antes de um dos soldados, que deveria ser o guia, vir informá-lo.
- Teremos que negar sua entrada, senhor, - disse com seu inglês falho.
Hiwasa não tentou fingir não entender desta fez e respondeu:
- Qual o problema, soldado?
- Estão faltando duas meninas da lista de cadastro. Se vocês não conseguem controlar seu grupo em quinhentos metros, não podemos autorizá-los para o Santuário todo. Por favor, entenda nossa posição, mas estamos usando de nossa prerrogativa.
Poucos momentos depois, as meninas chegaram, desculpando-se. Uma delas havia precisado ir ao banheiro uma vez mais e a amiga a acompanhara. Ainda assim, o soldado continuou a balançar a cabeça.
Hiwasa aproximou-se do guia que saíra do primeiro prédio e olhou-o fixamente até que ele reagiu:
- Sabe, o senhor deveria pensar na segurança de suas crianças... – respondeu-lhe, abaixando a cabeça.
- Não foi para me dar aulas de como ser professor que o pedi especificamente para esta excursão.
O guia suspirou e passou a conversar em grego com o soldado que parecia de maior hierarquia ali. Hiwasa voltou-se para sua turma, todos sussurrando em volume nada baixo.
- Não se preocupem, - disse aos jovens, mas olhando para a professora Deguchi, a qual parecia se preparar para caminhar de volta, - O nosso primeiro guia ofereceu-se para resolver este problema como um favor à Fundação Graado. Afinal, a senhorita Saori Kido não ficaria feliz se seus convidados especiais fossem barrados por uma bobagem dessas, né?
E ele estava certo. Logo todos entraram com expressão incrédula no território proibido.
Toda aquela viagem começara quando a própria Saori Kido foi visitar a Ritsumei Gakuen com um leve disfarce a fim de não chamar atenção. Roupas mais simples que as que usava na televisão, um óculos de sol e pouca maquiagem. Ainda assim, ela não lhe parecia uma japonesa. Muito menos uma menina comum. Por sorte, estavam em uma das escolas particulares mais caras de Tóquio, muitas meninas não pareciam japonesas comuns, algumas eram até estrangeiras, filhas de diplomatas.
Sentada em uma sala para receber convidados, Saori Kido tomava um chá quando professor terminou a aula e foi levado até lá pelo diretor do colégio, um amigo da Fundação Graado. Deixados a sós, Saori continuou a evitar o encontro de olhares.
- Sei que aqui não é muito longe, mas vir apenas pelo chá não faz sentido, - disse a ela, terminando o dele próprio.
- Preciso de um favor seu, Ikki.
- Acho que há cavaleiros o bastante para te fazer mais chá. – Ele se levantou.
- Encontramos Hyoga, - disse a moça.
Ikki virou-se, mas seu rosto firme não mudara:
- Parabéns.
- Preciso que vá confirmar isso.
- Eu?
Saori então explicou. O corpo de Hyoga fora encontrado por alguma tribo isolada com a qual o Santuário mantinha poucas relações e nenhuma dessas na base da confiança. Eles haviam enviado fios de cabelo que provaram ser do ex-cavaleiro de Cisne, mas se negavam a entregar o corpo sem uma troca justa. E recusaram-se a dar o preço.
- Isso não tem a ver comigo. Não mais. – Ikki cruzou os braços e se apoiou à parede.
- É o único a quem posso pedir.
- E seu exército de lata? Não é pra isso que a sua Fundação não para de recrutar crianças?
Ikki se referia à versão em larga escala dos cavaleiros de aço. O treinamento ocorria em locais mantidos pela Fundação Graado e não pelo Santuário, enquanto as pessoas ainda podiam manter suas vidas normais. Assim que se formassem, podiam fazer uma prova e entrar na lista de espera de cavaleiros. Muitos conseguiam. E viravam uma polícia paralela que auxiliava as Nações Unidas. Todos os demais usos para eles haviam resultado em desastre, na opinião de Ikki.
- Não pode arriscar a vida deles, né? – perguntou o homem com uma risada de vitória.
- Irei suspender sua licença para ensinar se não for, Ikki. É engraçado que tenha escolhido como emprego justamente ensinar sobre deuses e cavaleiros quando você mesmo abandonou essa vida. – Saori terminou seu chá e olhou para cima.
- Não há muita escolha quando você tem um supletivo para todos os seus estudos desde sempre, né?
- Ser um professor é uma escolha para uma pessoa assim? E ainda um acadêmico respeitado?
- Não são todos que acertam as teorias.
- Bem, não são todos que sabem que não são apenas teorias. Pena que será menos um no mercado.
- E se eu considerar? Você me dá os arquivos e um incentivo, aí eu penso se vale a pena?
- Não posso informar a pessoas de fora sobre essa vila, sinto muito.
- Você me passa o que puder então. Mais o incentivo.
- Incentivo? Afinal, o que quer dizer? Pensei que recusou qualquer auxílio financeiro desde que com seguiu seu primeiro emprego, Ikki.
- Dinheiro com muito esforço a gente consegue. Eu quero um patrocínio de sua Fundação para a excursão de minha turma. Quando digo patrocínio, quero dizer autorização para entrar no Santuário e um cavaleiro aprovado por mim para conversar com os meus alunos. Um cavaleiro com armadura de verdade, claro.
- Está doido? O Santuário está fechado para-
- E eu não sou mais seu cavaleiro. Vamos, é uma condição bem simples para você, a dor de cabeça será dos seus soldados. Nem vamos longe lá, só quero mostrar os treinamentos de verdade e ver as doze casas de longe. Simples.
Saori piscou algumas vezes.
O professor Ikki Hiwasa, sobrenome conseguido graças à Fundação quando ele resolveu fazer sua própria vida, mas cargo conquistado com muito custo, sorriu para o falso guia, um legítimo cavaleiro de bronze formado havia alguns anos. A excursão havia ocorrido sem qualquer problema e agora os alunos olhavam espantados para um cavaleiro de verdade.
Exceto por um grupo que já esperado Ikki. O daqueles alistados na Fundação Graado. Dois desses alunos haviam sido chamados prematuramente para o treino definitivo, escolhidos a dedo por seus mestres para ganharem as armaduras falsas, o que poderia acontecer a qualquer momento. Não era uma honra dada a qualquer um, muitos ficavam anos na espera após formados na escola e acabavam indo para um empresa normal ou virando instrutores dos mais novos em vez de "cavaleiros".
Ao final de tudo, todos os alunos se reuniram no hotel para um jantar de despedida, partiriam pela manhã de volta ao Japão. Mas Ikki teria que pedir licença no trabalho. Podia ter dito a Saori que só iria considerar, contudo, agora possuía todas as informações sobre o caso, exceto pelos detalhes da tal vila onde o corpo de Hyoga teria sido encontrado. Algo dentro dele começava a coçar. Estava realmente incomodado.
Logo que pousou em solo japonês, seguiu para a mansão Kido, onde Saori trabalhava no escritório que um dia fora de seu avô.
Saori... O que Ikki pensava daquela moça que não encontrava fazia anos? Sua decisão de abandonar a armadura de Fênix não viera após Hades quando todos estavam cansados não só física, mas mental e emocionalmente. Nessa época, ele apenas seguiu com sua vida, treinava, viajava, estava preparado para qualquer coisa.
Então, os castigos começaram a aparecer. Shiryu ficara inexplicavelmente doente após o ataque de um animal à vila mais próxima de onde ele morava. Hyoga nunca mais contatou ninguém, quando Saori enviou Seiya e Shun para procurá-lo, descobriu-se que o cavaleiro saíra em uma viagem de rotina e nunca mais regressara. Logo fora a vez de Seiya, já recuperado após muitas cirurgias, o seu corpo começou a reagir. Não fosse pelos estranhos flagelos a atingirem Shiryu, definitivamente acamado em Rozan, e Hyoga, ainda desaparecido, todos haveriam achado que sua recuperação após a batalha de Hades não fora tão boa quanto parecia. Agora o cavaleiro se encontrava em uma cama sem poder controlar seus movimentos o que incluía andar, comer e, aos poucos, falar. Ikki não fazia ideia de sua situação atualmente, se ainda estivesse vivo. Mas ele suspeitava que o castigo dos deuses não seria misericordioso ao ponto de matar simplesmente. Não em tão poucos anos, ao menos.
- Ikki! – Saori disse surpresa ao olhar para cima e ver Tatsumi chegar esbaforido e seu ex-cavaleiro dentro de sua sala como se sempre estivesse ali de pé. – Quando entrou aqui?
- Acabo de chegar. E vou aceitar café. – Ele virou-se para Tatsumi com um sorriso sarcástico.
Saori estava esperando contato daquele homem a qualquer hora desde a notícia de que os alunos da famosa Ritsumei Gakuen haviam chegado em segurança ao Japão. Mas não que ele surgisse pessoalmente em sua sala como se sua segurança composta de cavaleiros não existisse. Podia imaginar Tatsumi tento que acalmar o pânico que a entrada do desconhecido ex-cavaleiro havia causado.
- Aliás, reconheci uns dois alunos meus enquanto entrava. Eu crente que eles tinham um futuro melhor que ser segurança privado...
- Apenas sente-se, Ikki.
A jovem fechou a pasta que analisava e sorriu ao antigo amigo:
- Como estava a Grécia?
- Agradável. Aliás, eu sempre visito o museu do Santuário nas excursões do Instituto de Estudos Teológicos, mas há um gostinho maior em passar pela entrada de pessoal e ir direto às doze casas. Nunca imaginei assim.
- Fico feliz que tenha se divertido.
- Também tive um quite de leitura para minha última noite no hotel... – Ele abriu a pasta que trazia nas mãos e pôs os documentos que o Mestre confiara ao cavaleiro de bronze para entregar a Ikki. – É interessante como o relatório não faz qualquer menção de "vila", como se pessoas aleatórias estivessem no lugar onde o corpo de Hyoga foi encontrado.
- É uma precaução apenas.
- Qual é o deus que protege esses... aleatórios?
- Essas perguntas querem dizer que aceita a missão, Ikki?
O rapaz baixou os olhos na pasta que acabara de pôr à mesa, como se a estivesse lendo mais uma vez. Discretamente, inspirou fundo e anuiu:
- Você sabia que eu não teria escolha. Não quando há alguma esperança de...
- Se leu os arquivos deve estar consciente de que não há nada sobre o Shun, não é? Não vou desiludi-lo.
- Há o Hyoga. – Ikki cruzou os braços e piscou por um longo momento. – Isto é o mais perto de Shun que eu cheguei durante todos esses anos.
- Você realmente era o último a quem eu recorreria, Ikki... Não queria lhe impor algo assim.
- Quando parto?
Tatsumi retornou com o café pedido e uma xícara de chá para Saori, tal como ela preferia. Mas o líquido passou áspero por sua garganta. Preferia o Ikki rude e forte de sempre e não alguém desesperado como aquele à sua frente.
- Assim que eu te der os detalhes sobre essas pessoas. Não será algo simples, então deverá pedir um afastamento de todos os seus cargos. Posso fazer isso eu mesma, aliás. Mandarei um professor competente para seu lugar, não se preocupe. Um que sairá com apenas uma palavra da Fundação, diga-se de passagem.
- Certo. – Ikki aceitou a nova pasta, bem mais fina.
- Ainda preciso cuidar de seu transporte. No mais... Eu aconselho ir fisicamente preparado. Não é um povo que confiaria em qualquer um, como pode imaginar.
Saori o viu assentir antes de se levantar e virar-se, pronto para a jornada.
Ela não queria deixá-lo partir, sua presença naquela sala fazia o universo ter sentido novamente, tornava-a ela mesma. Desde que os castigos dos deuses, ou muito provavelmente de Zeus, começaram a atingi-los, o mundo de amigos que se fizera a seu redor foi desmoronando pouco a pouco, ela não faz ideia de como Ikki escapara ileso, mas não queria perdê-lo também.
Por outro lado, Hyoga precisava ser recuperado e os poucos contatos que o Mestre do Santuário manteve com a vila foram civilizados o bastante; apenas insistiram em um cavaleiro de confiança, como prova de respeito e para se assegurarem de que a vila não seria invadida por qualquer um.
- Ikki, espere.
- Creio que Tatsumi pode me levar até onde minha armadura se encontra.
- Não... porque ela foi proibida de entrar na vila. Uma prova de confiança.
- Soa mais a desconfiança deles. – Ikki ia se virar de novo, mas parou no meio do movimento: - O que mais ia me dizer?
- Tem certeza de que deseja ir?
- É assim que pretende aliviar sua consciência? Mudando um pedido seu para uma escolha minha que você tentou impedir?
- Não é isso. – Saori pôs a mão na boca, tapando-a. Talvez fosse exatamente aquilo, pensando bem.
Quando voltou a olhá-lo, sua sala estava novamente vazia.
Ikki pegou o mapa de sua mochila e checou tudo o que pudera trazer consigo enquanto o helicóptero alugado pela Fundação Kido descia no local combinado com as pessoas que encontraram Hyoga.
Fazia poucos dias e estava na Grécia mostrando o Santuário à sua turma preferida, imaginando seu futuro, voltando a ser cavaleiro de Athena. Agora esse futuro temido se concretizara. Ao menos, pôde deixar a visita ao Santuário como um bom presente de despedida, só não achava que não mais os veria desde o aeroporto quando o avião pousara. Pensava que teria tempo de ir à escola, dar uma última aula... Nem pôde ir ao Instituto onde ajudava com as pesquisas sobre deuses e suas influências no mundo atual. Com um aperto de botão, Saori conseguira pausar toda a vida que lutara para construir e lá estava ele, um cavaleiro sem armadura naquela terra gelada do norte europeu.
E ele sequer a viu novamente. Voou direto para o Santuário no jato particular da Fundação e de lá passou a se preparar por uma semana até todos os termos de sua ida estarem acertados entre o Mestre e o líder.
Olhou para seu relógio de pulso que, com custo, convencera o atual Mestre do Santuário a convencer aquele povo a aceitá-lo. Faltava em torno de meia hora para o horário de encontro. Despediu-se do piloto que retornaria ao heliporto mais próximo.
Sabia que Shun não estaria ali. Mas ele também sumira de repente tal qual Hyoga, a perspectiva de que este poderia reaparecer também de repente animava Ikki de uma forma que ele mesmo não sabia mais ser possível. Exceto que Hyoga era um corpo.
Disse-se que isso era melhor que uma tortura eterna como a de Seiya, a quem ele vira pouco antes de sair da Mansão dos Kido. Não era nem um vegetal. Ele sentia dor. Muita dor. Seus olhos, que nem fechavam mais e, por isso, precisavam ser umedecidos em intervalos regulares, ficavam simplesmente ali, encarando os visitantes.
Ikki encolheu-se. Não queria nem imaginar o estado de Shiryu. Muito menos o de seu irmão mais novo.
Poucos minutos depois, dois homens e uma mulher surgiram virando as montanhas à sua frente. Os três usavam uma longa capa, mas o homem mais baixo a tinha de cor diferente, branco, enquanto os dois outros usavam capa roxa.
- Vim em nome de Athena, - gritou Ikki antes mesmo que chegassem, Ninguém mais estaria naquele lugar abandonado não fosse por obrigação.
- Que bom que chegou em segurança, cavaleiro, - disse a mulher. Ela aparentava ter mais de cinqüenta anos e usava bastante maquiagem e jóias que faziam barulho com seu movimento.
- Iremos guiá-lo até nossa cidade, onde será melhor informado da situação. – O homem mais alto apontou o caminho de onde os três vieram. – Este é Rydar, o guia desta missão, eu me chamo Jonir e esta é Irene.
Não estenderam as mãos como Ikki achava que fariam, então ele usou a própria apenas para se mostrar:
- Chamo-me Ikki e sou ... – Hesitou um pouco, imaginando se ainda podia usar aquele título, mas era o que eles pediram, um cavaleiro. – Sou o cavaleiro da armadura de Fênix.
- Devemos nos apressar antes da tempestade, - disse a mulher chamada Irene, ajustando seu capuz roxo.
Ikki aquiesceu e seguiu o grupo que andava em silêncio. Queria reclamar do frio, mas optou por seguir o silêncio. Nenhum dos três parecia aberto a uma conversa ou sequer incomodada pela baixa temperatura ou pelo vento forte.
Após quarenta minutos de caminhada montanha acima, Irene parou o passo e apontou para uma lagoa antes ocultada pelas montanhas:
- Ele estava flutuando lá quando o encontraram.
- Simplesmente flutuando do nada? – perguntou o japonês, arqueando as sobrancelhas espessas.
Mas não houve resposta até alguns minutos após.
- Nós o deixamos para o peixe e, uns dias depois, sumiu com as águas, - disse Jonir, - E reapareceu dentro de nossa vila. Pela armadura soubemos que era um cavaleiro de Athena, por isso, contatamos o Santuário por explicações.
Continuaram por mais uma hora, sendo que os quinze minutos finais foram descendo o morro após passarem por duas cavernas escuras. Saori não estava exagerando ao mencionar o desejo de isolamento que aquelas pessoas possuíam.
A aldeia era peculiar. Muitas das casas eram construídas rusticamente, mas possuíam um quê de requinte que deixava Ikki curioso. No entanto, o cavaleiro estava cansado demais da ansiedade por ver o estado em que Hyoga fora encontrado para pensar em casas.
Irene despediu-se dos outros dois e acompanhou Ikki até uma das maiores casas ali, localizada na periferia oposta à entrada. Os passos da mulher eram lentos e rítmicos. O bastante para entediar o homem. E Irene não gostava de conversa. Dizia o que queria, quando queria e não mais do que o quanto queria.
Ao chegarem, uma moça de roupas simples os recebeu com uma mais jovem que não devia passar de seus quinze anos e com um sorriso tão proeminente que fez Ikki pensar em Shun.
- É o convidado do Mestre Rydar, - explicou Irene à mais velha das residentes da casa antes de se virar e partir.
Ikki ia segui-la, mas sentiu que aquela era a casa em que ficaria. Confuso quanto ao que fazer, voltou seus olhos à pessoa com quem Irene acabara de falar e olhou-a inquisitivo.
- Por favor, entre. Irei levá-lo a um quarto onde poderá descansar após o banho. O jantar será servido às seis da tarde. Chamá-lo-ei então para que desça.
Esta mulher também era jovem, bem mais que Ikki, talvez um pouco mais de vinte anos. Não usava qualquer jóia ou capa. Seu vestido era muito simples e fino para o frio que fazia do lado de fora. Por outro lado, a menina que pulava a seu lado pelas escadas usava a pele de algum animal e tinha o aspecto mais saudável.
- É a empregada desta casa? – perguntou Ikki à mais velha.
- Sim, senhor. Caso precise de algo basta chamar.
- E por que nome?
- Hanna, senhor. – E parou frente a um quarto que abriu com alguma cerimônia.
No interior havia uma confortável cama de casal e o cheiro de flores voava às narinas de Ikki. Havia ainda uma cômoda e uma banheira.
- Chamarei assim que for a hora, senhor. Com sua licença. – Hanna fez uma mesura e se retirou sutilmente.
Ikki caminhou até a pequena banheira e a inspecionou. Estava cheia de água quente esfumaçada. Pronto para se despir antes que fosse obrigado a tomar banho frio, deparou-se com a menina sorridente sentada em sua cama e olhando curiosa, sem tocar, a mochila que ele ali deixara.
- Eu realmente estou me sentindo exausto, que tal brincar lá fora, menina? – disse, apontando para a porta.
Ela o olhou de volta com imensos olhos verdes:
- Qual é o seu nome, cavaleiro?
- Sou Ikki Hiwasa. E vim de muito longe. Poderia sair?
- Não quer saber meu nome?
- A gente pode conversar depois, quando eu não estiver tão cansado. O que acha?
Aquela teimosia começava a irritar Ikki. Com quinze anos ele já tinha sua armadura, já lutava contra deuses. E aquela menina ainda não tinha senso de privacidade? Seria algo daquele povo?
Seus olhos pareciam observar cada parte do corpo de Ikki como se fosse o de um alienígena. Com certeza, ele não era diferente de nenhum daqueles homens que já vira.
- Pode sair? – repetiu, mas desta forma fez questão de incluir um tom de ordem.
A menina parou de sorrir e o encarou assustada. Então ela levantou da cama e saiu correndo.
Ikki suspirou com uma ponta de culpa por expulsar o único ser gentil daquela vila, mas ele realmente precisava daquela água enquanto ainda estava quente ou todos seus dedos congelariam naquele frio.
O jantar logo começaria. Mesas longas haviam sido postas em uma espécie de quintal da casa onde Ikki havia se hospedado e muitos dos convidados já estavam lá quando a empregada da casa, Hanna, o acordara com um traje nos braços.
Era uma roupa azul clara, parecida com a usada pelos homens que o foram buscar mais cedo. Um tecido leve, provavelmente feito da pele de algum animal e então tingido. Um perfume floral mexeu com as narinas do rapaz enquanto ele se vestia. Olhou pela janela mais uma vez e pôde ver que os convidados chegavam e tomavam seus lugares. Não era o jantar de que ele e imaginava participar. Apenas queria comer algo, conversar com quem fosse sobre a situação de Hyoga e voltar a dormir.
Após descobrir como pôr aquele... vestido? Ikki calçou-se com a sandália deixada por Hanna e abriu a porta para procurá-la, perguntar o que esperavam que ele fizesse agora. A moça o estava esperando com o rosto imperturbado como sempre:
- Queira me acompanhar, senhor. Levarei até onde o Mestre Rydar e seus convidados o aguardam.
Ikki coçou a cabeça enquanto a seguia. Realmente teria que ir para o lado de fora vestindo apenas aquilo? Estava frio...
Assim que Hanna abriu a porta principal da casa, um vento gélido golpeou o rosto do cavaleiro. Seria uma longa noite.
Ele a seguiu dando a volta pela casa e com mais alguns passos em direção à floresta que circulava a estranha cidade. Uma fogueira queimava reluzente e capas balançavam de acordo com a vontade do vento. As conversas eram baixas, mas aquelas pessoas ainda pareciam normais se se excluíssem suas vestimentas excêntricas.
No canto oposto estava Rydar, com sua capa branca, a conversar com a mesma mulher de capa roxa, Irene.
- Seja bem-vindo, cavaleiro de Athena, - disse Irene em tom monótono, - Espero que aproveite sua ceia.
- Agradeço a acolhida e as roupas, - falou ainda que odiasse o fato de estar sentindo calafrios por todo o corpo.
- Este é o Mestre Rydar, seu anfitrião. – Irene abriu caminho de forma que os dois homens pudessem se encarar.
- É com você que devo discutir sobre o corpo de meu amigo? – Ikki estava perturbado demais para mais rodeios.
- Após o jantar sentaremos e poderá ficar a par de sua situação, cavaleiro de Athena, - respondeu Irene.
Logo a mulher apontou alguém a Rydar e ambos se afastaram.
Um rapaz de capa azul clara se aproximou junto a dois outros. Era bastante jovem, talvez da mesma idade de Hanna, e mostrava-se mais receptivo que qualquer um, à exceção da menina risonha de mais cedo.
- Seja bem-vindo! – disse, fazendo uma leve mesura.
- Ah.
Ikki não gostara de como todos pareciam adiar o exato motivo de sua vinda. Nem do quão frio fazia. Nem de por que quase todos tinham capas menos ele próprio. As cores obviamente detinham algum significado, mas ele não estava curioso por isso. Queria apenas aquecer-se.
- É uma bela noite a de hoje, não? – o homem insistia, apesar de seus amigos já o haverem trocado por outro divertimento.
- Um tanto fria.
- Você se acostuma. Eu me chamo Kristian, é um prazer falar com um cavaleiro de Athena!
- Ikki.
- Nome interessante, hein!
Kristian era bastante loiro e tinha os olhos tão azuis que pareciam brancos. Seu grego não era nem de perto tão fluente como dos demais, incluindo Hanna, mesmo assim, ele não parecia querer parar de falar.
- Então, você é de confiança do Mestre do Santuário de Athena. Deve ser bem legal. É tão jovem e já tem um posto tão alto.
- Seu Mestre Rydar não me parece tão mais velho.
De fato, ele aparentava ainda mais novo que Irene.
- Não se engane, cavaleiro. – Ele riu, dando um tapa no ombro de Ikki. - Não se engane! – E outro tapa. – Mesmo que não haja um mínimo, custa bastantes anos para alguém se tornar Mestre.
- Uns mais que outros, suponho.
Kristian gargalhou, provavelmente, não entendendo o sentido da resposta do visitante.
Após o jantar, composto principalmente de peixes, um grupo de capas azul claras, como a de Kristian, se reuniu, trazendo um animal morto. O cavaleiro não estava curioso pelas práticas da vila. Apenas queria se livrar do encosto que se conseguira.
Ikki tentou fugir do novo "amigo" procurando por qualquer um conhecido, mas nem mesmo a menina sorridente ele conseguia encontrar. Apenas Rydar, Irene e um bando de capas nada convidativas a observar o ritual. Então, optou por fugir da festa. Talvez nunca sentissem sua falta, já que nunca pareciam disponíveis para uma conversa naquela noite.
- Vai sair da sua própria festa? – perguntou o inconveniente que o seguia.
- Sabe, nem a fogueira parece quente aqui. Preciso de um aquecedor.
- E por que não entra para a casa do Mestre Rydar? O caminho que está seguindo é para o centro da cidade.
- Oh, deve ter me perdido, - mentiu Ikki, sem mudar o tom de tédio, - Será que pode me dar alguma indicação?
- A casa do Mestre Rydar fica logo ali. – Apontou Kristian.
- E o corpo do meu amigo?
O sorriso do rapaz desapareceu:
- Não pode ir até lá.
- Apenas ver. Você pode vir comigo, não farei nada demais. Apenas verei o cavaleiro e pronto.
- Não entende, Ikki? Ninguém pode simplesmente ir lá.
- Do que está falando?
- É um local sagrado a que muitos poucos possuem acesso. Realmente acha que gostamos de ter um estrangeiro perambulando por nossas terras? Se seu amigo tivesse aparecido no meio da cidade, ele já teria sido jogado fora há muito tempo. Mas ele está em nosso lugar sagrado. Entende? Ninguém pode simplesmente ir ao nosso lugar sagrado apenas para ver.
Continuará...
Anita, 25/01/2011
Notas da Autora:
Que capítulo longo! Esta história começou em um impulso então demorei a me decidir se dividiria em capítulos ou não. Acabei achando melhor para todos já que a história é longa, ia acabar tendo capítulos, então por que não cortá-los agora enquanto escrevo e tenho melhor controle das cenas do que depois quando tudo já estiver pronto? Se é que este dia chegará.
Eu sei, o enredo parece estar jogado por todo canto até agora. Não esperem algo muito simples, mas não esperem algo inteligente. É apenas um impulso! Quero ver se eu jogar o Ikki pra lá e pra cá se eu consigo escrever uma fic. E a primeira parte é a "cidade". Tirado de sua vida normal perfeita e jogado na "cidade", ainda sem nome. E jogado mesmo, já que ninguém quer explicar direito ao Ikki por que ele está lá, né? Mas isso eu resolvo no próximo capítulo, pelo menos ele vai se sentir um pouco menos perdido. Ou não?
Por falar nisso, não posso negar a influência da Marion Zimmer Bradley enquanto tento imaginar esses personagens. Desde que a característica principal dos seres da "cidade" ficou clara pra mim, eu tive que pôr capas. Aguardem mais referências a ela no futuro...
E, por falar na característica principal da "cidade", um agradecimento especial à Nemui. A fic dela, Verdade e Ilusão, presente que ganhei no Coculto do início deste ano, me fez ter uma ideia, infelizmente a ideia que eu tive era de uma fic dela mesma. Era para ela estar escrevendo esta história, mas já que não é... Bem, aí pedi ajuda a ela para me encontrar um povo para essa vila onde o Ikki foi parar. Muito obrigada pelas informações, Nemui!
Também tenho que agradecer à minha beta, Vane. Fiz um pedido de última hora e ela corrigiu tudinho mesmo assim! Obrigada mesmo... Aqui estão as notas que você estava me cobrando, rsrs.
E mais agradecimentos a todo mundo mesmo. Essa coisa aleatória deve ser tão difícil de se ler, né? E aí? Gostaram de algum personagem? Não gostaram? Comentários e sugestões devem ser mandados para meu e-mail e para mais fics minhas visitem meu site Olho Azul.
E até a próxima! (Nossa fazia tempo que eu não escrevia tanto nesta seção de notas, credo. Sinto muito!)
