CAPITULO l
O aeroporto de Brisbane estava superlotado, aliás como Hermione Granger esperara. Ela partira da Austrália ainda menina, e agora seus dias de universidade haviam terminado. Diplomada, chegara a hora de se separar dos amigos de Honolulu e da tia Margaret, em cuja casa vivera nos últimos cinco anos. Iria lecionar em Providence, pequena aldeia a noroeste de Brisbane, junto às florestas de Queensland.
Hermione olhava ao redor à procura de Adam e Renée, seus pais, e sorria lembrando-se de como eles ficaram felizes ao saber sobre seus planos de ser professora na Austrália. A decisão surgira da noite para o dia. Se Luke George não tivesse resolvido lecionar na Austrália, se ele não a tivesse encorajado...
Hermione caminhava com graça, resultado das aulas de etiqueta que freqüentara, pagas por tia Margaret.
Com seu costume branco de linho e acessórios azuis, estava bem diversa da adolescente que saíra com relutância da Austrália, há cinco anos atrás, para ir à universidade no Havaí.
Ela sentiu um pouco de frio. Era primavera na Austrália, não outono como no Havaí, pois as estações eram opostas. Hermione, agora com vinte e quatro anos, vivera apenas dois anos em Queensland. Seus pais saíram do Alabama quando Adam Johnson fora aceito como professor em Providence. Renée se entusiasmara muito com a mudança.
Hermione se perguntava como seria ver Harry Potter de novo. Providence era aldeia muito pequena e, mais cedo ou mais tarde, todos se encontravam.
Harry... Impossível esquecer-se dele.
Ela estava cansada da longa viagem. Que bom se seus pais aparecessem logo; queria voltar para a pequena casa onde viviam, ao lado da enorme fazenda de gado e carneiros conhecida como Potter Run.
Procurava pelos pais quando, de repente, deparou com um homem alto, corpulento, que se destacava na multidão. Seu coração disparou e ela começou a tremer. Talvez estivesse enganada. Mas não! Os cabelos negros e bagunçados eram inconfundíveis. O homem usava paletó de tweed, calças cinzentas e botas.
Harry não reconheceu Hermione logo. Claro. Ela era uma menina desajeitada, de pernas longas, cabelos soltos até a cintura. Agora tinha a pose de mulher sofisticada que caminhava com confiança. Não, Harry não vai me reconhecer, pensou; por isso foi ao encontro dele.
— É Mione? — Harry perguntou, percorrendo-lhe o corpo com o olhar.
— Sim, sou eu — ela declarou com um sorriso frio. — Como vai, Harry?
Ele não respondeu.
— Estou esperando por meus pais — Hermione explicou. — Você por acaso os viu?
— Vim buscar você a pedido deles — Harry informou friamente. — Seus pais tiveram de comparecer a um almoço em Providence.
— Oh!
— Más não se preocupe, não insisti para vir. Porém não pude recusar o pedido. De qualquer forma, tinha de fazer umas compras em Brisbane hoje.
— Posso tomar o ônibus, se você preferir.
Harry não se deu ao trabalho de responder. Pegou a valise dela e começou a sair do terminal. Hermione teve quase que correr para acompanhá-lo, e isso a deixou furiosa.
— Vejo que você não mudou nada! — disse.
— E você mudou muito. — Ele nem se virou para falar, mas sua voz ficou mais dura. — Não te reconheci.
— Afinal, cinco anos se passaram, Harry.
— Essa sua toalete deve ter custado uma fortuna, Hermione.
— Custou. Esperava ver-me em farrapos? — Ela examinou-o
da cabeça aos pés e surpreendeu-se com a roupa velha de Harry.
— Engraçado, lembro-me de você como um cavalheiro mais preocupado no trajar.
— Sou um homem do trabalho.
— Sim, recordo-me. Carneiros, bois, e poeira.
— Houve uma época em que você não se importava com isso. Sim, Hermione.- admitiu, houve uma época em que ela não se importara em vê-lo coberto de pó. Fechou os olhos por um instante e uma onda de dor e humilhação quase a fez fraquejar. Mas precisava ser forte.
— Como vai seu colega de classe? — ele perguntou ao abrir a porta do velho Ford branco para Hermione entrar.
— Luke George, você quer dizer? — ela perguntou.
— Sim, Luke George.
— Chega segunda-feira.
— Segunda-feira? E que vem fazer aqui? — Harry pôs o carro em movimento.
— Lecionar como eu e papai, em Providence — ela esclareceu. — Luke tinha muita vontade de iniciar o magistério em cidade pequena.
— Por que justamente aqui?
— E por que não aqui? Luke e eu somos muito amigos. — E era verdade.
— Bem, não me surpreendo — Harry murmurou. — Você estava pronta para um affair quando saiu da Austrália.
Hermione corou, virando o rosto para a janela. Ela não queria se lembrar da razão pela qual Harry sabia disso. Por isso mudou de assunto rapidamente e perguntou:
— Como vai sua mãe?
— Muito bem, obrigado. Ela me escreveu dizendo que adora a Califórnia.
— A Califórnia? — pereceu repetiu. — Sua mãe não mora mais com você? Sabia que tinha uma irmã na Califórnia, mas...
Harry não deu margem para mais explicações, por isso pareceu continar apreciando a paisagem, Brisbane parecia tão desconhecida para ela como no dia em que chegara com os pais do Alabama. As poincianas, os coqueiros altos, faziam-na lembra-se do Havaí. Brisbane era uma cidade de quase um milhão de habitantes, com jardins públicos e parques, museus e galerias de arte. Muitos turistas visitavam o local todos os anos e ela sempre quis ter tempo para fazer um tour pela região.
Tinha muito desejo de conhecer Eariy Lane, um bairro pioneiro habitado por aborígenes. Por sinal, Harry Potter tinha dois empregados aborígenes, Big Ben e Little Ben, pai e filho.
Outro lugar que ela sempre quis conhecer era o New Farm Park, às margens do rio. Doze mil roseiras floresciam lá de setembro a novembro, e tanto o perfume como colorido das flores encantavam os visitantes. Se estivesse com os pais naquele momento pediria que a levassem até lá, mesmo sendo fora do caminho para Providence. Mas não podia pedir tanto a Harry.
Fora da cidade, na serra, ficava a floresta tropical. Ela pôde apreciar as orquídeas e os pássaros que voavam de árvore em árvore. Havia também sucuris e grande variedade de serpentes venenosas. Estremeceu a idéia dos pioneiros abrindo aquela estrada a fim de encontrar pastos para o gado. Homens como o avô de Harry, por exemplo, que fundara a Potter Run.
Hermione olhou para Harry, para a boca bem feita, a boca que lhe ensinara tudo que ela sabia sobre o beijo...
Moveu-se no banco. Começavam agora a descer e os pastos se estendiam a perder de vista até Channel Country, onde moravam os primos de Harry.
Ao sudoeste de Brisbane ficava a zona agrícola mais rica de Queensland. Mas ao noroeste, em Providence, havia as maiores fazendas de gado da Austrália, ao longo do rio que fornecia a irrigação necessária. Uma dessas fazendas era a Potter Run.
Hermione teve vontade de perguntar a Harry por que dirigia um velho Ford. Ele tinha um Mercedes prateado há cinco anos atrás. Pensou também nas roupas surradas que o rapaz usava agora. Talvez não achasse necessário vestir-se para vê-la, pereceu, fechou os olhos. Se se tratasse de Gina Weasly, sem dúvida a coisa seria diferente. Perguntava-se o que acontecera com a sedutora Gina, e por que motivo Harry não se casara com ela. Hermione sabia que a mãe lhe teria contado se tivesse havido um casamento.
— Ligue o rádio, se quiser — ele falou.
— Não, obrigada. Gosto de silencio. A partir de segunda-feira provavelmente não saberei mais o que significa a palavra silêncio.
— Por que chegou tão cedo em Providence? O novo semestre só começa mais tarde.
— Uma das professoras adoeceu e vim substituí-la — pereceu explicou. — Luke vai trabalhar como substituto também, até que ambos tenhamos uma classe.
Harry não respondeu, e parecia distante. Hermione se perguntava o que sucedera a ele. O Harry Potter que conhecera era comunicativo, cheio de humor, com olhos brilhantes e sorriso fácil. Que diferença agora!
— Papai falou algo sobre Randy e Letícia estarem morando com você. — Randy, o irmão de Harry, também tinha uma fazenda. — Os gêmeos vieram com os pais?
— Vieram, Gerry e Bobby. Vão ser seus alunos.
— Que bom!
— Bom? Espere até conhecê-los.
— Que aconteceu com a fazenda de Randy em New South Wales?
— Isso é problema dele.
Hermione corou. Era mortificante lhe dizerem indiretamente que tratasse de sua própria vida, e ela ressentiu-se.
— Desculpe — respondeu. — Vou ser mais discreta.
— Por que voltou, Mione?
— Por que não faz o que sugeriu a mim? Que cuidasse de minha própria vida?
— Você não se acostumará aqui de novo — ele declarou. — Está sofisticada demais para uma aldeia.
— Na sua opinião. E francamente, Harry, sua opinião não me interessa.
— Digo o mesmo sobre você.
Então, era guerra, Hermione concluiu. Bom. Dessa vez estava armada também.
— Acha que vamos ter um ano de seca? — ela perguntou, mudando de assunto.
— Não. As previsões afirmam que teremos chuva. Os dois últimos anos foram bastante bons.
— Folgo muito em saber.
— Cuidado! — Harry freou de súbito o carro; um canguru atravessava a estrada.
O animal parou junto ao carro e encarou os passageiros. Carregava um bebe na bolsa.
— Eu havia me esquecido completamente dos cangurus — Hermione riu, grata por estar usando o cinto de segurança.
— Esse desgraçado quase se matou. — Harry deu um suspiro. — Você está bem?
— Claro.
Ele seguiu em frente, e Hermione espreguiçou-se, sem se dar conta de que Harry a observava com expressão estranha nos olhos verdes escuros.
Ele parecia satisfeito ali sentado, fumando seu cigarro. Anos atrás, andar de carro sozinha com Harry seria o equivalente ao melhor divertimento. Agora ela estava quase indiferente. Talvez até o quase desaparecesse com o tempo.
Chegaram em Providence, um pequeno oásis de edifícios entre pastos infindáveis. Harry saiu da estrada principal e entrou por uma de terra que conduzia a Potter Run e à casa dos pais de Hermione. Ela procurava não olhar. Mas, apesar do esforço, sua vista fixou-se na enorme casa de Harry, com vastos terraços e arquitetura colonial. Poincianas e eucaliptos ladeavam a entrada da mansão. Durante os meses de seca os Potter passavam a vida ao ar livre. Porém, quando os temporais abatiam sobre a planície, ficavam confinados no interior da residência por dias ou semanas, até o final das chuvas. Uma ocasião Hermione e os pais tiveram de se hospedar com os Potter para não se afogarem, pois a pequena casa onde moravam sofrera danos incríveis.
— Sua casa parece ter sido pintada ontem — Hermione observou, notando a alvura das paredes.
— É, foi.
Ela amava os terraços confortáveis onde se sentara numa primavera com a mãe de Harry, vendo os homens conduzindo os carneiros para a tosa.
Além da casa e do bosque de eucaliptos havia vários padoques onde os carneiros pastavam. Eles deviam ter sido levados de lá, Hermione imaginou, pois estavam vazios. E as cercas pareciam diferentes.
-Há tão pouco arame? — ela observou, franzindo a testa.
-Temos cercas eletrificadas agora — Harry explicou. — Um dos progressos em que estamos empenhados. É mais barato que arame farpado ou cercas de madeira.
— E se faltar eletricidade?
— Possuímos geradores, e... homens armados — ele acrescentou, tentando ser espirituoso.
Mas Hermione não riu. Os dias em que rira na companhia de Harry haviam passado. Apenas fez um aceno de cabeça.
Logo chegaram na casa dos pais dela, vazia porque Adam e Renée ainda não tinham voltado.
— Chegarão ao anoitecer — Harry disse.
Hermione olhava para a pequena, mas bonita casa com telhado alto em oitão, varanda de tamanho razoável e venezianas verdes nas janelas. A casa era circundada por uma cerca branca de madeira. Hermione adorava tudo aquilo, incluindo as árvores frondosas. Atrás ficava o padoque, outro maciço de vegetação onde um riacho corria escondido, e uma pequena clareira. Nesse lugar ela observara muitas vezes os ursinhos se alimentando de folhas de eucaliptos, e esperara pelas aves tropicais que ali descansavam brevemente de seus vôos.
— Tudo está igual — ela murmurou.
Harry saiu do carro e tirou a mala. Hermione seguiu-o até o pórtico e lembrou-se de repente da última vez em que estiveram sozinhos naquela casa.
Harry adivinhou o pensamento dela e disse:
— Há quanto tempo, não?
— Sim. — Hermione concordou. — Não me esqueci, nunca me esquecerei. Nem perdoarei — ela acrescentou com frieza.
Harry colocou as mãos nos bolsos, fitando-a.
— Não. — ele disse após um minuto, bem devagar. — Você não pode perdoar. O caso é que nós dois sempre pertencemos a mundos diferentes.
— Obrigada por ter me trazido a casa — Hermione agradeceu formalmente.
— Não vou dizer que foi um prazer. Por mim, preferiria que você nunca tivesse voltado.
Harry deu-lhe as costas. Hermione teve vontade de atirar qualquer objeto na cabeça dele! Mas continuou onde estava, fitando-o com fúria. Ficou no pórtico enquanto Harry manobrava o carro e sumia numa nuvem de poeira. Depois virou-se e viu um bilhete no trinco da porta; era de boas vindas. Entrou.
Levou apenas um minuto para se familiarizar com a mobília confortável e o calor humano do interior da casa. Até sentiu cheiro de torta de maçã. Seu quarto era ainda o mesmo e seus olhos demoraram-se com desânimo na cama. Se ao menos pudesse esquecer!
Trocou de roupa, vestiu calça comprida e um suéter amarelo, presentes de tia Margaret. Determinada a destruir os fantasmas do passado, foi ao padoque, nos fundos da casa, onde havia uma cerca de madeira que separava a propriedade de seus pais da de Harry.
Com um suspiro profundo inclinou-se na velha cerca escurecida pelo tempo. Enxergava-se como adolescente, naqueles dias há muito passados, esperando ver Harry Potter. Como vivera despreocupada! Como esperara pelo final feliz. Mas finais felizes só acontecem em romances!
