O melhor sistema de segurança empresarial do mundo fora criado por uma hacker.

Não que o mundo soubesse disso. Ou da hacker, que era a melhor que já tinha se visto. Ela também era a dona da empresa em questão.

Por isso Alena Holgarth não estava nervosa.

Mas quando se trabalhava no ramo da tecnologia sendo quem era – Alena também tinha habilidades para hackear, o que era um dos motivos para ela ter chegado onde estava –, certas situações mereciam um alerta.

O que explicava ela estar subindo para o vigésimo quinto andar da Smoak Technologies.

Alena saiu do elevador mais depressa do que gostaria. Tudo bem que não era caso de vida ou morte, porém ela poderia muito bem esconder um pouco melhor o que sentia. Mas aquilo era quem era; suas emoções eram basicamente transparentes aos outros.

Ela olhou brevemente para o escritório que era seu destino e viu-o vazio. Soltou um muxoxo que ela achou que saiu baixo, mas que foi captado por Jerry Conway, o assistente executivo da CEO.

- Diretora Holgarth. – ele cumprimentou um pouco surpreso.

- Hey Jerry. – Alena se aproximou da mesa dele. – Felicity não está?

- A Srta. Smoak acabou de sair para uma reunião. Ela almoçou mais cedo que o normal hoje.

Alena sentiu o estômago se manifestar de leve. Ela mesma só ia falar com Felicity antes de sair para o próprio almoço.

- Droga.

- É urgente? – o assistente se empertigou na cadeira, mais atento.

- Ahn... não, não. – Alena respondeu, esforçando-se para deixar o tom de voz tão indiferente quanto deveria. Não queria ninguém atento.

- Quer deixar algum recado? – Jerry ofereceu.

E qual recado esse poderia ser? Tenho que falar com você, de hacker para hacker. Não é como se a empresa soubesse da origem moralmente cinza de sua fundadora e sócia.

- Só diga que quero falar com ela, sem pressa. – Alena ofereceu um pequeno sorriso. – Tô indo então. Tchau, Jerry.

- Bom almoço, Srta. Holgarth.

Alena andou de volta ao elevador e procurou relaxar a mente. Seu focou passou a ser o risoto de cogumelos que ela queria comer, mas seus pensamentos continuaram a fluir no segundo plano...

Começou com um pequeno ataque. Aleatório. Afinal, empresas sempre sofriam ataques cibernéticos. Alguém tentara entrar, mas falhara miseravelmente.

Nas duas últimas semanas, houve mais tentativas, e em número crescente. Só no dia anterior houve quatro. Nenhuma sucedida. O complexo conjunto de firewalls aguentou perfeitamente. Mas mesmo assim Alena tivera que abdicar alguns de seus afazeres como Diretora de Novas Tecnologias para monitorar o sistema junto com seus analistas.

De fato não era situação para alarde. Talvez em outra empresa seria.

No entanto, Alena tinha um pressentimento que a fizera ir até Felicity. Os ataques pareciam querer derrubar a rede da empresa, tanto que Alena achava que era de propósito. Qualquer hacker minimamente respeitável tentaria uma vez e depois voltaria com algum algoritmo diferente, mais complexo. Depois de alguma investigação, ela notou que os ataques era praticamente iguais e sua hipótese se tornou cada vez mais próxima da realidade.

Alena, então, ficou pensando por que alguém se daria ao trabalho de premeditar algo do tipo. Concluiu que os ataques eram um aviso.

Ela ainda ia investigar mais, porém Felicity devia saber da situação desde já. Talvez a CEO oferecia alguns insights para sua hipótese. Não havia ninguém melhor para desvendar esse mistério do que Felicity Smoak.


Alguns empresários tinham rituais antes de uma reunião, alguns não.

Felicity Smoak era do segundo tipo.

É claro que ela se preparava: pesquisava, montava apresentação, destacava pontos importantes, criava um rascunho de roteiro só para ter noção do que estava falando e em quanto tempo.

O último era extremamente importante. Ela tinha um dom para falar demais.

No começo, houve momentos, mais do que gostaria de admitir, em que tinha falado a coisa errada. Mas nada que condenasse seu negócio.

Pelo contrário, podia-se até argumentar que sua fala contribuíra para o sucesso da empresa. Felicity sabia ser carismática, divertida, empolgada e ao mesmo tempo objetiva e profissional. Sua personalidade vibrante e afiada aliada ao brilhantismo sem igual cativava praticamente todos em seu caminho e alavancou sua carreira meteórica.

Felicity era extremamente apaixonada pelo que fazia. Ela tinha em seu coração o motivo para acordar todo dia e ir trabalhar. Não tinha por que se sentir preocupada ou ansiosa, não mais agora que a Smoak Technologies já estava consolidada no mercado.

Por isso ela não tinha nenhum ritual. Ela só gostava de relaxar a mente a caminho de algum evento importante.

Naquele começo de tarde, ela cantava músicas clássicas de Kelly Clarkson enquanto dirigia seu Mini Cooper vermelho pelas ruas do centro de Starling City.

Ela parou num sinal e checou a hora. 12:40. A reunião era 13:00, e a estimativa de chegada dela eram dez minutos. Ótimo. Ainda bem que o trânsito estava fluindo.

Ela seguiu por uma avenida nos arredores da Starling University. De repente, um sedan branco ultrapassou-a. O motorista guinou bruscamente, os pneus cantaram, e o carro foi jogado na frente do dela, atravessado na pista, ocupando-a inteira.

No susto, Felicity saiu do torpor da música e pisou no freio com força. Os próprios pneus do Mini Cooper cantaram antes que ele parasse, ainda longe do sedan.

O mundo parou por frações de segundo. Felicity mal ouvia a música, seus ouvidos vibravam com o batimento forte de seu coração. As portas do carro branco abriram e três homens saíram dele. A respiração da mulher falhou e um nó surgiu em seu peito ao vê-los armados.

Eles vieram em sua direção, dois de um lado e um pelo outro, ameaçadores. No meio da ansiedade, um fio de razão a veio. Aquilo era um assalto. Ok, que eles levassem seus pertences. As mãos tremiam, mas ela conseguiu desligar o carro, e se preparou. Lembrou que o celular estava em sua bolsa, no chão do banco do carona. Ela tinha um botão para emergências, poderia usá-lo...

Mas ela mal tinha se inclinado quando um dos homens bateu em seu vidro com a arma.

- Nem pense nisso. – ele grunhiu.

Ela se sobressaltou e ficou ereta no banco. Olhou para o lado, o coração quase saltando pela boca ao ver o cano da arma tão próximo, abriu o vidro com calma e depois levantou os braços.

- Pode levar, pode levar. – disse, inutilmente contendo o nervosismo na voz. – Só vou soltar o cinto, ok?

Ela mal abriu o cinto quando o homem arrancou-a para fora do carro. Felicity deu uns passos em falso sobre os saltos antes de conseguir se equilibrar. Ela se virou e viu o homem sentar através do volante de seu querido carro. Pronto. Eles já tinham seus pertences.

Tentando não ser dominada pelo nervosismo, ela começou a andar para trás. Mas o segundo o homem percebeu e virou-se para ela com um sorriso nojento.

- Você vem com a gente também, querida.

- Não mesmo. Vocês já têm o que vieram pegar. – ela conseguiu responder, sabe-se lá como.

- Você não sabe pelo que nós viemos. – o homem apontou a arma na direção dela. – Agora entre. – disse num tom ácido.

Felicity hesitou. Eram três homens e ela. Eles estavam sequestrando-a aparentemente. Sua mente lógica formou alguns cenários, cada um mais tenebroso que o outro, e ela se esforçou para não focar neles. Mas já era tarde demais. O medo a invadiu.

Não conseguia pensar em nenhuma saída.

- Eu disse para entrar, linda. – o homem avançou na direção dela e encostou o cano da arma em seu peito.

- Já que você pediu tão gentilmente. – ela balbuciou. Por que diabos não conseguia controlar sua boca?

Felicity jurou ter ouvido o dedo indo parar no gatilho e, em mísero segundo, teve certeza de sua morte. Mas era só o idiota brincando com seus nervos.

- Tô entrando! – exclamou e virou-se para o carro.

- Ponha ela no banco do carona. – o terceiro homem interveio. – Para não levantar suspeita.

Claro, hora de não chamar atenção! Aquela abordagem e as armas com certeza eram discretas... Mais um flash de racionalidade veio, e ela conseguiu segurar qualquer comentário.

Com as pernas bambas, Felicity cruzou a rua até o banco do carona e sentou com menos delicadeza do que necessário. Ela nem precisou olhar para baixo para saber que sua bolsa não estava a seu alcance.

O segundo e o terceiro homem entraram no banco de trás.

Ao redor, outros carros desviavam da confusão com medo, assim como os poucos pedestres. Felicity mal registrou o que acontecia além de seu sequestro.

Em poucos segundos, o sedan foi embora, o bandido deu partida em seu carro, e eles começaram a rodar.

Felicity estava completamente tomada pelo medo e ansiedade, mas seu cérebro brilhante conseguiu se focar um pouco em analisar os bandidos. Se por algum milagre conseguisse sobreviver, ela tinha que oferecer o máximo à polícia.

O motorista usava roupas... bem, casuais. Calças jeans escuras, blusa vinho e uma jaqueta de couro cinza-escuro. Cabelo e barba pretos. Ela não conseguiu identificar a cor dos olhos somente olhando de esguelha. Também não virou para olhar os dois atrás para não despertar nenhuma reação deles, mas imaginou que eles deveriam estar usando roupas semelhantes.

Felicity notou sua bolsa no colo do sequestrador. Como ele conseguia dirigir equilibrando o objeto e a arma despertou a curiosidade dela... Deus, olha no que ela prestava atenção.

O Imbecil jogou a bolsa para trás, e o Imbecil 2 começou a vasculhar.

- Pegue todos os eletrônicos. – ordenou.

Felicity conseguiu virar um pouco para olhar o banco de trás. O segundo homem retirou seu celular, seu laptop – que era uma mistura de tablet e computador, a mais nova inovação no mundo dos computadores, ah, ela adorou ter comprado aquilo, não só pela maravilha que era tecnologicamente, mas porque era perfeito para seu trabalho... – e foi além, separando até mesmo seu carregador portátil e um pen-drive.

- Não a deixe pegar nada.

Felicity incrivelmente conseguiu ficar um pouco ofendida. Aqueles crápulas achavam que o máximo que ela conseguia fazer com o celular e o laptop era alertar a polícia. Eles não tinham ideia do poder que ela tinha atrás de um computador.

Ela cogitou até mesmo usar o sistema a bordo do carro, mas sabia que eles monitoravam seus movimentos. Qualquer respiração errada e eles retaliariam.

De repente, ela sentiu um hálito desagradável em sua orelha direita.

- Você vai ficar conosco até quando quisermos, amor. – disse o Imbecil 3. – Vai obedecer... e fazer tudo o que quisermos. – concluiu num tom lascivo.

Felicity se arrepiou de nojo. Ela teria replicado se não tivesse sentido a arma encostar em sua cintura.

- Sabia que se eu atirar aqui – Imbecil 3 deslizou o cano contra o tecido do vestido dela até um ponto específico. Tamanha era a pressão que ela sentia os detalhes da arma. – eu consigo danificar seus dois rins?

A mulher engoliu a raiva e a impotência que se juntara ao seu misto caótico de emoções e respirou fundo para tentar se acalmar. Era tudo que conseguia fazer no momento. Focou em sobreviver, mesmo que para isso tivesse que ser humilhada.

Mas se aqueles vermes achavam que ela ia morrer sem lutar, estavam enganados.

Felicity percebeu pelo canto do olho um braço uma manga longa preta cortando o espaço entre ela e o motorista. Viu nas pontas dos dedos um cartão de crédito. Seu cartão de crédito.

- Starling National. – disse apenas.

O Imbecil 1 balançou a cabeça em aprovação, sem tirar os olhos da rua. Felicity prestava atenção no percurso, mas, até o momento, eles só estavam dando voltas aparentemente aleatórias pela cidade.

O homem fixou o olhar nela por uns instantes.

- Você não parece o tipo que tem uma conta comum. Não vai adiantar irmos a qualquer agência. Tem que ser na sede do banco.

Ele soou de um jeito que a deixou pensando se os bandidos sabiam quem era. Não era totalmente inesperado, visto que seu nome era conhecido no mundo da tecnologia, o que, por consequência, fizera com que ela tivesse algum tipo de fama em Starling...

Talvez aquilo tivesse sido premeditado. Talvez ela fosse um alvo.

Ela de fato não tinha mais uma conta corrente comum. Também não estava na classe dos 1%. Mas tinha um gerente pessoal. Que trabalhava na sede do Starling National, localizada numa das regiões mais ricas da cidade, se não a mais rica. Era um lugar movimentado e público demais para aqueles vagabundos tentarem alguma maluquice.

Ela esperava, pelo menos.

Saber aquilo ironicamente injetou um pouco de calma em Felicity. Ela não tinha habilidades de luta, mas uma vasta inteligência. Poderia sair daquele inferno se bolasse algum plano. O maior desafio encontrava-se em vencer sua ansiedade.

- Escute aqui, senhorita. – disse o Imbecil 1. – Você vai transferir quarenta mil dólares para essa conta – ele tirou um papel de um dos bolsos da jaqueta e jogou no colo dela. – e vai sacar mais cinco mil em espécie.

- Não posso. – ela respondeu. O cano da arma do Imbecil 3 foi pressionado com mais força em sua pele. – Não posso transferir porque, para uma quantia dessa, preciso autorizar. Diretamente com meu gerente. Posso sacar até três mil de uma vez, e o resto entraria na transferência.

O homem ponderou por um instante.

- Que seja. – grunhiu em acordo.

- Também preciso justificar a transferência. Suponho que não posso dizer que fui sequestrada... ou sei lá o que isso seja.

A farpa teve seu preço. Felicity sentiu um golpe na lateral de seu corpo e se encolheu de dor. Fechou os olhos e estrelas surgiram na escuridão. Seu estômago, que ainda digeria o almoço, também se contraiu. Junto com o coração acelerado e a respiração desregulada, o golpe a deixou tonta.

- Smith. – alertou o Imbecil 1. – Precisamos dela inteira.

Imbecil 3 era Smith. Felicity duvidava que esse fosse o nome do cara, estava mais para codinome.

- Sei que você consegue inventar uma justifica plausível. – Imbecil 1 retrucou sardônico.

O carro seguiu silencioso enquanto o motorista se dirigia à sede do Starling National. Felicity repetia um mantra em sua mente para se acalmar e se concentrar. Retomar o controle da própria mente era chave para sobreviver.

- Ei garota! – exclamou o Imbecil 2, fazendo Felicity virar para trás. Ele segurava o computador e o celular virados para ela. – Eu poderia invadir sozinho, mas convenhamos que vai demorar um tempo e você está aqui, tão fácil. Desbloqueie, por favor.

Ela o observou por uns instantes, sua mente a mil. Nem no laptop ou no celular havia informações sobre projetos primordiais da Smoak Tech – Felicity não ia deixá-los em tão fácil acesso –, mas tinha anotações importantes, mesmo que bloqueadas com além da segurança padrão de um computador.

Se aquele homem fosse de fato habilidoso, era possível que encontrasse coisas que poderiam fazer um estrago...

- Não abuse da sorte só porque precisamos de você inteira para essa parte. – Imbecil 2 disse olhando-a fundo nos olhos, frio e calculista.

- E cada gracinha sua é mais uma para a conta. – Smith disse e, quando Felicity direcionou seu olhar para ele, sobressaltou-se ao vê-lo com uma faca na mão, olhando-a.

- É bem simples, senhorita: faça o que mandarmos e você sai livre. – Imbecil 1 concluiu.

Felicity se deu conta de que a vantagem que tinha no momento era de estar ilesa até o banco. O que significaria que ela precisava de um plano até lá.

Trêmula, ela pegou os eletrônicos e desbloqueou-os, entregando-os de volta ao Imbecil 2. O homem, por sua vez, se ateve ao laptop e começou a digitar com intensidade, vasculhando o objeto à procura de sabe-se lá o quê.

Chegaram ao Starling National mais rápido do que Felicity gostaria. O motorista parou o carro dela um pouco longe, num beco meio deserto que era uma espécie de estacionamento, e virou-se para os dois parceiros.

- Eu vou com a Srta. Smoak. – disse. – Smith, você toma o volante enquanto Hunter continua.

Imbecil 1 se desfez das armas que carregava, e Felicity ficou surpresa com a quantidade. Além da de calibre militar com que ele tinha batido no vidro do Mini Cooper ao abordá-la, havia ainda duas pistolas e facas.

O cérebro da mulher registrou mais uma vantagem: estaria desarmado durante a incursão ao banco.

Smith meneou com a cabeça e saiu do carro. Imbecil 1 aproveitou a deixa e abriu a porta.

- Só uma coisa. – Felicity se pronunciou. Os homens olharam para ela. – Vou precisar da minha bolsa. Com meu celular. Muitas transações em bancos são feitas com auxílio de aplicativos. – tratou de explicar com pressa. – Vai ser meio suspeito se eu aparecer sem nada... não é?

Imbecil 1 olhou para Imbecil 2 – Hunter –, que levantou os olhos do laptop pela primeira vez desde que começara a mexer nele. Lá fora, Smith parou ao ver que ninguém tinha saído.

- Ela não está errada. – Hunter admitiu.

- Vamos levar somente o celular.

Hunter pegou a bolsa, colocou a carteira e o celular de volta e jogou-a para Felicity.

- Fique de olho nela. – alertou.

Imbecil 1 voltou seu olhar frio para Felicity.

- Vamos.

Felicity saiu do veículo. Mal ficara de pé, e Imbecil 1 já estava ao seu lado. Ele tocou com firmeza na parte superior de seu braço, impulsionando-a a andar. Os dois se dirigiram para a saída do beco e adentraram a rua.

- Aja com naturalidade. – sussurrou categórico.

- Você também. – Felicity respondeu. O homem lançou-lhe um olhar perfurante. – Tenho uma ideia para não levantar suspeitas. – adicionou.

Felicity também tinha outra ideia: libertar-se. Aquela era a janela de que precisava, visto que o bandido estava desarmado. Mas ele a segurava com firmeza pelo braço, o que a impedia de realizar qualquer movimento para se libertar.

E ela não era nenhuma expert em artes marciais.

E o relógio continuava a bater como numa contagem regressiva.

Felicity não tinha ideia do que aconteceria depois.

A sede do Starling National era suntuosa, com uma fachada que remetia ao estilo clássico. As janelas de vidro colocavam o prédio no século presente. Dentro, embora o design da estrutura fosse antigo, o que era característico mesmo era a modernidade e a tecnologia.

Quando Felicity e Imbecil 1 passaram pelos detectores de metais que antecipavam o setor de clientes exclusivos, ela sentiu o coração saltar com o teatro que teria de apresentar.

Ela se dirigiu à recepção e pediu para ver seu gerente. Por sorte, ou não, ele não estava com a agenda cheia e pouco tempo depois ele a recebeu.

- Oi Jordan! – ela disse, entrando no escritório com o Imbecil 1 seguindo-a.

- Boa tarde, Srta. Smoak. – disse o gerente, levantando-se para cumprimentá-la com um aperto de mão. Ele se virou para o Imbecil 1.

- Michael Knight. Prazer em conhecê-lo. – o bandido disse, também estendendo a mão.

Smith. Hunter. Knight. A obviedade de que eram identidades falsas era tamanha que Felicity estava quase se sentindo num jogo de RPG. Era uma vez um ferreiro, um caçador e um cavalheiro, cuja missão era ir atrás de uma princesa...

- Prazer.

Jordan voltou ao seu assento.

- Devo dizer que não a esperava hoje, Srta. Smoak. Não havia nada na minha agenda.

- Eu também não esperava que as negociações seguissem como seguiram. – ela falou, entrando na personagem. Ouvia seu próprio pulso martelando nos ouvidos. Esperava que sua tagarelice não entrasse no meio do jogo para atrapalhar.

Ela sentou numa das cadeiras em frente à mesa do gerente e o bandido, na outra.

- É o seguinte. Meu... parceiro aqui tem um projeto piloto que chamou minha atenção, e pensei que poderia investir nele através de minha empresa. No entanto, minha diretoria não achou prudente cometer esse risco. Mas eu vejo potencial no Sr. Knight e vejo a possibilidade de sua empreitada virar um sucesso no futuro. Então, resolvi fazer o investimento do meu próprio bolso. Mas, devido às restrições do banco quanto a transferências, tive que vir aqui para autorizar.

Felicity ficou surpresa como a mentira saiu de seus lábios. Ela também via furos na história, porém esperava ter soado confiante o suficiente para não levantar nenhuma suspeita de Jordan.

- Aproveitei minha empolgação com o projeto e com o fato do Sr. Knight ainda estar na cidade e decidimos vir aqui.

- Claro, claro. – Jordan balançou a cabeça, aparentemente despreocupado. – Tem todas as informações aí?

- Sim! – ela pegou o pedaço de papel dentro da bolsa onde tinha guardado. – Vou transferir quarenta e dois mil. Um risco aceitável e um pequeno sinal de confiança.

- Interessante. E sobre o que é o projeto? – Jordan perguntou.

- Sobre energia renovável. Minha start-up é voltada para esse mercado. – Knight respondeu. – Vai uma honra poder trabalhar com a Srta. Smoak. – ele virou-se para ela e abriu um pequeno sorriso.

A surpresa da mulher transformou-se em choque com como o sorriso parecia genuíno.

Acabou que o processo ocorreu de forma tranquila, mais do que o esperado. Jordan digitou as informações em seu computador e pediu a autenticação de Felicity pelo aplicativo de celular.

Depois do escritório, Felicity foi para um dos caixas eletrônicos e retirou em espécie os três mil restantes para os quarenta e cinco mil. Knight estava ao tempo todo ao seu lado, imponente como uma torre.

Ao sair do banco, foi como se Felicity sentisse a contagem regressiva chegando ao fim. Ela passou por mais uma etapa de seu tormento e não tinha nenhum plano para escapar. A presença de Knight ao seu lado era sufocante, a ameaça em forma humana, mesmo desarmado.

O pavor voltou a preenchê-la, seu sangue espalhando-o por seu corpo a cada batida desenfreada de seu coração.

Foi quando entrou no estacionamento que a alma e a mente de Felicity protestaram. Não!

Ela não podia entrar de novo naquele carro.

Ela tinha que sair dali. Tinha que pelo menos tentar.

A mulher sentiu uma faísca de clareza acender dentro de si. A ideia era possivelmente idiota, mas vinha de seu âmago.

Felicity não era fraca. Não era de se entregar. Não era passiva.

Knight vinha andando logo atrás dela. Dessa vez, não a segurava.

Felicity usou o elemento surpresa.

Diminuiu o passo de leve, de modo que suas costas quase roçavam em Knight. Ela agiu rápida e certeira. Enfiou o cotovelo no plexo solar do homem. Sem dar a ele tempo de reagir, pisou no pé dele com o salto agulha, acertou-o no nariz com o mesmo cotovelo e por fim golpeou-o na virilha.

Knight se encolheu, ganindo. Felicity saiu correndo para fora do beco. Na rua, zarpava pelas pessoas, que ou saiam de seu caminho ou eram empurradas para longe. Ela gritou algumas desculpas. Abriu a bolsa e pegou o celular. Ia apertar o botão de discagem para a polícia quando ouviu o primeiro disparo.

Os parceiros de Knight aparentemente viram o ataque dela e vieram atrás.

Felicity nem viu a direção do tiro, mas foi o suficiente para as pessoas ao redor se desesperarem e correrem, atropelando uns aos outros. Ela continuou com o passo rápido, as tiras da sandália começando a machucar seus pés, mas ela se esforçou para ignorar. Seu dedo discou para a polícia.

O segundo tiro veio. Acertou-a no tríceps esquerdo de raspão. A dor veio em forma de ardência. Queimava.

As pessoas gritaram. Com o impacto, Felicity perdeu o equilíbrio e caiu junto de algumas pessoas que ou se abaixaram ou caíram para desviar. Arranhou o joelho esquerdo, porém ela mal sentiu.

Ela percebeu que sua tentativa de fuga colocou a vida de outros em risco. Jamais se perdoaria se alguém se machucasse por causa dela. Esperou que os bandidos viessem até ela.

Desistiu de fugir, mas não de lutar. Mesmo zonza, amedrontada, o braço ardendo e o sangue jorrando. Olhou para a calçada logo a sua frente e viu um celular aleatório. Pegou-o e rapidamente deslizou-o para dentro do decote do vestido. O seu próprio escapuliu de sua mão, mas estava perto. A tela rachou com a queda, mas funcionava, tanto que a voz do atendente da emergência veio, embora baixa.

Antes que Felicity pudesse cogitar responder, um terceiro tiro. Ela se reagiu, encolhendo-se, mas a bala acertou seu celular, atravessando-o, destroçando-o.

Ela virou no chão, com dificuldade, e viu Hunter acima de si, a pistola apontada.

Felicity esperou.

Ao invés de finalizar a vida dela, o homem puxou-a pelo braço bom, colocando-a de pé. Ele puxou-a bruscamente no sentido contrário ao que ela fugira.

Próximos ao beco, ela viu Smith e Knight, ainda mancando.

- O que está fazendo? – Smith gritou.

- Precisamos de outro carro! – Hunter respondeu.

Felicity não entendeu porque eles simplesmente não a liquidavam logo.

- O quê?! – Smith devolveu.

Com dificuldade, Knight deu um empurrão nele. O outro homem assentiu e logo tratou de empunhar a arma para um carro prateado. Seu dono logo saiu e foi arremessado ao chão.

Ao chegar perto do novo carro, Knight veio e pegou sua bolsa, os olhos brilhando com ira.

- Se você acha que terminamos com você, está mais do que enganada. E se por algum acaso sobreviver a isso, saiba que sabemos onde você mora. Ponha-a na mala.

Hunter pegou Felicity no colo. Ela exclamou em protesto. Knight abriu o porta-malas e o outro homem a jogou lá dentro. Ela caiu com o lado esquerdo, e um novo nível de dor e ardência explodiu nela. Seu braço era puro fogo – e sangue.

A porta foi fechada, a luz do dia sumiu. A escuridão trouxe o pânico. O local era fechado e isolado e abafado e pequeno. Felicity sentiu sua respiração impregnar no ar.

Ela virou de costas para tentar aliviar a dor. Foi quando sentiu o celular dentro da roupa. Novamente uma centelha de claridade.

Havia uma solução.

Primeiro tinha que se acalmar. A dificuldade de respirar vinha mais de seu psicológico do que do físico. Ela sabia de leituras na internet que, para driblar uma crise, tinha que retomar o controle, firmar-se. Inspirou, contou três segundos e soltou o ar. Continuou o exercício até que o choque inicial passou.

Tentando não pensar no ambiente ao seu redor ou surtaria de novo, ela pegou o celular. Eletrônica e programação. Aquilo poderia controlar.

O celular estava com bateria. Pouco tempo depois, conseguiu hackear para desbloqueá-lo. A primeira coisa que fez foi ligar a localização. Depois, contatou Dinah Drake e Billy Malone por mensagem. Não ligou, pois não sabia se, ao começar a falar, entraria novamente em crise. Nem esperou qualquer tipo de resposta e, com o auxílio da rede e do GPS, conseguiu invadir patrulhas nas proximidades e mandar um alerta.

Ao terminar, abraçou o telefone. Não sabia quanto tempo o resgate chegaria, ainda mais com a confusão na rua do Startling National. Manter a sanidade enquanto esperava agora era sua nova missão.

A ansiedade continuava ali, toda hora lançando investidas, querendo tomá-la novamente. A respiração às vezes falhava. A atmosfera ameaçava esmagá-la.

Porém seu cérebro brilhante novamente surgiu com uma ideia. Ela tateou com o pé a carroceria do carro até achar os faróis. Agora viria o mais difícil: infligir ainda mais dor em si mesma.

Felicity contraiu o maxilar, tanto para ignorar a dor e seu braço quanto para se preparar. Começou a chutar o farol com força. Repetiu várias vezes até que sentiu o material se rachar e depois quebrar. Algumas lascas cortaram seu pé. Continuou com o movimento até que todo o farol quebrasse, criando uma abertura. O feixe de luz invadiu a escuridão. A mulher sentiu uma brisa entrar pelo buraco. Suspirou ao sentir o ar.

Segundos depois, Felicity colocou o pé para fora do buraco. A ideia era sinalizar a anomalia que era aquele carro. Ela balançou o pé até que começou a sentir os músculos ficarem doloridos. A carga de adrenalina queria cobrar seu peço. O cansaço começou a bater, resultado do medo, da agonia e dos ferimentos.

Longos minutos se passaram depois que Felicity recolheu o pé. Estava quase sendo arrastada de volta para o pânico quando o carro deu um tranco e virou bruscamente para a esquerda, jogando-a contra a lataria.

Uma cacofonia surgiu ao seu redor. Sirenes, pneus cantando, gritos. Tiros se seguiram. O carro em que ela estava guinou várias vezes, e Felicity odiou não saber o que estava acontecendo.

O tempo pareceu passar devagar enquanto o caos se desenrolava lá fora. Em algum momento o carro parou. As rajadas continuaram. Ela rezava para que nenhuma bala mais lhe atingisse.

Quando o silêncio se instalou, Felicity esperou alguns instantes para ver se era de verdade. Então, colocou o pé para fora mais uma vez.

Segundos depois, o porta-malas se abriu. Seus olhos foram golpeados pela luz, e ela os entreabriu para se acostumar. A primeira coisa que captaram foi o uniforme azul escuro. A policial que o vestia virou-se para trás e gritou:

- Ela está aqui!

A mulher virou-se para Felicity.

- Senhorita, está tudo bem?

Felicity não respondeu, apenas ergueu o tronco. Sentou com dificuldade, os músculos e os ferimentos protestando.

Três pessoas surgiram perto da policial. Dois outros policiais e um paramédico. Esse tomou a iniciativa e inclinou-se sobre ela.

- Vou levá-la para a ambulância para examiná-la, tudo bem?

Um policial e o paramédico a ajudaram ficar de pé. Felicity achava que conseguia andar sozinha, mas parecia que, agora com o resgate, todo seu corpo estava sentido os efeitos do sequestro. O lado inferior esquerdo de seu abdome latejava onde fora golpeada por um dos bandidos.

O policial ajudou-a a caminhar até a ambulância, onde se sentou. Um segundo paramédico, uma mulher, veio auxiliar o primeiro.

- Algum ferimento interno? – ela perguntou.

Felicity apontou para seu lado esquerdo.

- Um deles me golpeou aqui. Acho que só contundiu mesmo. Comecei a sentir mais agora. Fora isso, só o tiro e os cortes. – ela ergueu as pernas e o braço.

Felicity olhou pela primeira vez para o tríceps. O ferimento era basicamente uma linha reta. A pele estava avermelhada. No centro, a cor vermelha era mais constante devido ao sangue e... Felicity realmente esperava que não fosse sua carne.

Ela virou a cara, sentindo-se enjoada, e baixou o olhar para o pé. Havia poucos cortes e eles eram pequenos. Ela se surpreendeu com a quantidade de sangue, mais do que esperava, porém, claro, menos que no braço. O joelho estava avermelhado.

Também notou as manchas vermelhas em sua roupa e nos sapatos. Bom, decidira que não havia salvação para eles. Ou jogaria fora ou limparia e doaria.

- Aparentemente não há com o que se preocupar com isso aqui. – disse o paramédico indicando ferimento de bala enquanto o limpava.

- Nem com isso. – disse a paramédica enquanto removia sua sandália direita para limpar os cortes. – Mas é prudente que você vá ao hospital para avaliar seu abdome, senhorita.

O silêncio recaiu sobre a ambulância. Felicity aproveitou para avaliar seu arredor. Não reconheceu a rua em que estavam. A polícia cercara o local. Havia três viaturas, e ela contou quatro policiais à vista. Além da ambulância, o sedan prata que os bandidos roubaram encontrava-se no meio do local. Pequenos pontos pretos indicavam que o carro havia sido atingido por balas.

Entretanto, nenhum sinal de seus sequestradores.

A mulher sentiu uma pontada no peito. Uma mistura de indignação e impotência.

Um homem surgiu a sua frente. Felicity desviou o olhar da rua e encontrou Billy Malone, detetive da SCPD.

E o cara com quem ela às vezes saía. Tipo... três dias atrás.

A expressão no rosto dele indicava que quem estava a sua frente era o Detetive Malone. Compenetrado. Imperturbável. Mas no fundo de seus olhos havia um quê de preocupação pessoal.

- Oi!

- Como está se sentindo? – ele perguntou sério, mas gentil.

- Bem. Alguns contratempos, mas vou sobreviver.

O detetive balançou com a cabeça e virou-se para os paramédicos.

- Ela está em condição de depor?

- Sim. – respondeu a mulher.

Malone levantou o braço, estendendo a Felicity o celular que usara para se comunicar.

- Não é meu. Eu peguei na rua. – ela arregalou os olhos assim que percebeu o que disse. – Ai meu Deus! Eu não roubei, ok? O meu foi destruído na confusão perto do Starling National. Achei no chão durante e peguei porque só pensava em sobreviver. Por favor, me diga que eu não vou pra cadeia por causa de um celular. Isso não se configura como legítima defesa? Eu nem o quero! Pode devolver pro dono. Eu compro outro!

A torrente de palavras saiu de sua boca a cem por hora. O canto dos lábios do detetive tremeu, mas ele conseguiu conter o sorriso. O mesmo não pôde ser dito dos paramédicos.

Se Felicity estava tagarelando, estava praticamente em seu estado normal.

- Está tudo bem, Felicity. Foi esse celular que nos levou tão rápido a você. – Malone a tranquilizou. – Agora, pode me dizer, desde o começo, o que aconteceu?

Felicity relatou brevemente, dessa vez numa cadência normal. Ao contar sobre o roubo do laptop, a gravidade da situação baixou sobre ela.

- Preciso de um computador agora! Tenho que ver se meu trabalho corre algum risco. Preciso... preciso entrar na intranet da empresa. – disse para não levantar a suspeita de que iria hackear seu próprio laptop. Mesmo que fosse exatamente isso o que faria.

Quando terminou, ela perguntou pelos bandidos.

- Fugiram. – Malone informou. – Largaram o carro e entraram num branco, provavelmente o mesmo que usaram para abordá-la. Tem uma viatura os perseguindo, mas, pelo que ouvi no rádio, não tiveram êxito.

Felicity estremeceu. O detetive notou.

- O que foi?

- É que... eles falaram que sabiam onde eu morava...

As palavras raivosas de Knight voltaram como num raio à sua mente. Ela não tinha percebido o peso delas até agora.

Como eles poderiam saber o endereço dela?

Entretanto, mesmo que fosse apenas um blefe no momento, Felicity sabia que eles eram capazes de conseguir tal informação. Algo que lhe dizia que Hunter realmente sabia conhecia computadores.

O olhar de Malone escureceu. A pose de detetive escorregou ligeiramente.

- Não se preocupe. Terá patrulha pelas próximas vinte quatro horas ou mais, se desejar.

Felicity apenas balançou a cabeça, não conseguindo decidir nada naquele momento. Resolveu mudar de assunto:

- E o meu carro?

- No mesmo lugar que largaram. Está em perfeitas condições. A polícia já o apreendeu também.

- Já estou liberada? – ela se virou para os paramédicos. Eles tinham acabado de colocar curativos em seu pé e braço.

- Sim, mas vai ter que ir conosco para o hospital para examinar melhor a contusão na costela. E também para colocar uns pontos no ferimento do tríceps.

Felicity sentiu o estômago despencar. Nunca tomara pontos antes. Mais que isso, ela não era fã de agulhas.

- Oh droga! – exclamou de um jeito adorável.

- Também terá de passar na delegacia para assinar o depoimento. Mandarei uma viatura com a ambulância. Agora tenho que ir. Até breve.

Malone girou nos calcanhares e se afastou. A paramédica subiu na ambulância e Felicity fez o mesmo, sentando num dos bancos. O outro homem fechou a porta e deu a volta, entrando no banco do carona. O veículo foi embora.

Cada vez que se afastava mais do local, Felicity sentia como se um fio fosse sendo desenrolado. Era o fio que a ligava ao sequestro, composto pela ansiedade, pavor, pela adrenalina. Ele se esticou completamente. E arrebentou.

O perigo acabou. Conseguira se salvar. Um suspiro de alívio escapou de seus lábios, lavando seu interior, tranquilizando-a. A dor dos ferimentos não a incomodava. Pelo contrário, ela permitiu senti-los. Significava que estava viva.

Enfim se sentiu livre.


Felicity não queria ir para a delegacia, queria um computador o mais rápido possível para conferir seu laptop e o que havia sido vasculhado nele. Queria saber se sua empresa corria algum risco.

Também queria rastrear seu dinheiro. Ela deveria estar sentindo mais a perda de milhares de dólares, porém, graças a Smoak Tech, tinha condição financeira de aguentar um baque daquele com algum conforto.

Depois que foi liberada no hospital, era Malone quem a esperava e não os policiais que a acompanharam na ida. A pose dele estava mais relaxada que mais cedo. Não era o detetive Malone, mas Billy, o quase namorado dela. Ele a buscou para levá-la até a delegacia.

Agora ela estava ali sentada numa mesa junto de Billy e seu parceiro, o Detetive Thawne, revendo o que falara após o resgate. Ela adicionou mais detalhes ao depoimento, especialmente sobre os sequestradores. Retratou suas roupas comuns e seus codinomes.

Quando ela terminou, foi a vez dos detetives.

- Bom, baseado no que você disse, parece mais um sequestro que tem acontecendo com uma frequência maior do que a esperada nas últimas semanas. – Thawne disse.

- A gente tem chamado de sequestro relâmpago. – Billy interveio. – Porque os bandidos abordam a vítima, apreendem ela e seu carro, ficam rodando pela cidade extorquindo a pessoa, seja através de compras, seja através de dinheiro e depois a largam num ponto qualquer da cidade, sem praticamente nada. Quase sempre as vítimas saem ilesas.

Felicity concordou com os policiais, no entanto...

Agora mais calma, ao rever o que aconteceu, uma voz lá no fundo lhe dizia que havia algo estranho no caso.

- Em algum deles os sequestradores vasculhavam eletrônicos? Celulares, computadores? Porque eles estavam bem interessados no meu laptop.

- Você quer dizer hackear? – Thawne perguntou, e Felicity confirmou com um balanço de cabeça. – Não computadores, especificamente. Essa foi a primeira vez. Mas não é algo totalmente absurdo. Se tem uma coisa que nós sabemos é que muitas vezes os criminosos ficam com os celulares das vítimas para desbloquearem e usarem em suas próprias operações.

Fazia sentido. Até porque para usar novamente os celulares, mais do que invadir o sistema, todas as configurações de rede teriam que ser alteradas. Caso contrário, a polícia já teria pegado os bandidos. E, a julgar por Hunter, Felicity imaginava que havia pessoas dispostas a fazerem esse trabalho sujo.

- Acredito que Felicity esteja perguntando por causa de seu trabalho. – falou Billy. – Afinal, essa é a primeira vez que a vítima é alguém conhecido, digamos.

- Não é algo a descartar. – Thawne concordou. – Mas não se preocupe, Felicity. Continuaremos investigando.

O sussurro continuava ecoando na mente de Felicity.


Iris West não iria para a aula de ioga naquele dia, como era de costume às terças.

Não somente devido ao trabalho, que a fizera sair correndo da redação do jornal, mas também porque sua melhor amiga e parceira de ioga era o foco da notícia.

O lado ruim de ser jornalista e saber das mudanças do mundo em primeira mão era correr o risco de um dia esbarrar com um nome conhecido.

Ao ser informada por seu editor-chefe que cobriria um tiroteio que tinha acabado de acontecer no centro da cidade, Iris tratou de ligar para suas fontes da polícia de Starling, o que era fácil por ser filha de um detetive, para saber mais informações. Conseguiu descobrir que houve um sequestro perto da universidade, a vítima era uma mulher e o carro dela foi avistado na cena do tiroteio, próximo à sede do Starling National.

O local era perto da redação, logo Iris não demorou muito a chegar. Lá, o caos ainda reinava. Cercado e passando por perícia, ela viu o Mini Cooper vermelho conhecido. Instantes depois, o nome de Felicity Smoak passou por seus ouvidos, vindo de um dos policiais ao redor. Seu coração apertou de um jeito não profissional, mas ela manteve a postura.

Iris conversou tanto com policiais quanto testemunhas para coletar informações para a matéria. A preocupação com a amiga lhe acompanhou o tempo todo, um sussurro baixo e inconveniente. Teve que se esforçar para manter a postura.

Ela voltou para a redação para escrever a matéria. Tinha acabado de postar no site do jornal quando recebeu a informação do Detetive Thawne de que Felicity conseguira entrar em contato com a polícia e fora resgatada. Iris não imaginava como Felicity driblara os bandidos, mas se tinha alguém com essa capacidade era ela.

Iris, então, tratou de rumar para a delegacia sob o pretexto de complementar a notícia, mas o que queria mesmo era ver a amiga. No caminho, seu celular explodiu em mensagens. Imaginava que deveriam ser sobre a notícia. Iris olhou de relance e viu uma notificação sob o nome de Caitlin Snow.

Ao chegar à delegacia, Iris logo localizou o Detetive Thawne.

- Oi. – o homem cumprimentou-a, um tanto surpreso. – Estava ligando para você para dar as últimas atualizações.

Além de ser parceiro de Malone, Eddie Thawne também era o namorado de Iris. Foi através dele que Felicity conheceu Billy.

- Resolvi vir pessoalmente. E aí? – Iris se recostou à mesa dele e puxou seu caderno de anotações.

- Billy está terminando com ela. Mas, ao que tudo indica, foi mais um caso de sequestro relâmpago. Eles terem mantido ela, coagido-a a transferir dinheiro para eles... A única diferença foi o desfecho. Conseguimos localizá-la e resgatá-la. Pela primeira vez também conseguimos ir atrás dos sequestradores... Embora eles tenham escapado. Vamos ver se o depoimento de Felicity nos traz novas pistas.

Os dois conversaram sobre o caso durante mais uns instantes até que o olhar de Iris capturou a imagem da amiga, vindo do corredor que levava às salas de interrogatório. O que destoava Felicity dos outros não era nem seu vestido chique, mas sim as manchas de sangue. Mesmo já sabendo dos ferimentos, a jornalista se surpreendeu.

Iris abandou a formalidade e cumprimentou Felicity com um abraço.

- Heeeyyyy. – Felicity a cumprimentou, surpresa.

- Tô feliz que esteja bem. – Iris disse ao soltá-la. – Tá precisando de alguma coisa? Quer que eu passe a noite na sua casa?

Felicity sorriu com a bondade da amiga.

- No momento não. Obrigada, Iris. Embora eu não diria "não" a tirar essas sandálias.

- E para um sorvete de chocolate e menta, aposto. – Iris completou.

- Você me conhece muito bem. – Felicity deu de ombros. Sentiu uma agulhada na lateral do corpo e logo se encolheu brevemente. – Ouch.

- Cuidado. – falou Iris. – Pelo menos vou tentar passar na sua casa depois do trabalho, pro qual, aliás, eu já devia estar voltando. Se não, amanhã juntamos as meninas.

- Mas nós temos ioga hoje. – Felicity contrapôs.

- Não é mais importante que você, mana. – Iris piscou o olho.

Felicity abriu um pequeno sorriso.

- Então... Você veio aqui só para me ver ou está a trabalho?

- Os dois. Me colocaram na matéria sobre o sequestro. Não que eu quisesse escrever sobre minha amiga sofrendo com a violência urbana.

- Faz parte do trabalho.

Iris ia se despedir quando Felicity a interrompeu.

- Ah, pode ligar para Dinah para mim? Eu mandei mensagem pra ela também, sabe... quando eu tava, uh, presa. Só pra dizer eu to bem. Eu mesma falaria com ela, mas... – a loira ergueu os braços, mostrando as mãos vazias. – Tenho que sair para comprar um celular novo. – ela cerrou os olhos, pensativa. – E um novo laptop. Uma bolsa nova, uma carteira...

- Não se preocupe, ela já sabe. – disse Malone, aproximando-se das duas. – Assim que eu li a sua mensagem, ela me ligou. Disse que estava em outro caso, mas que, no aperto, me auxiliaria. Até se ofereceu para entrar na sua escolta.

Felicity entendia perfeitamente. Dinah estava em casos maiores, mais complexos e importantes com a esperança de que sua promoção a tenente viesse.

- Falarei com ela de qualquer forma. – Iris disse. – Bem, agora tenho que ir. Qualquer coisa me liga. Tchau, Felicity.

- Tchau, Iris.

A jornalista se afastou, e Felicity virou para Billy.

- Você já está liberada. Vou apresentar a você sua proteção pelas próximas doze horas.

Felicity não suprimiu um suspiro de alívio. Enfim era hora de ir para casa.


Vermelho e azul.

Foi a primeira coisa que Felicity viu ao entrar em seu apartamento. O clarão das luzes do carro da polícia lá fora se derramava sobre os móveis e a decoração da sala. As cores eram mais acentuadas devido ao cômodo estar quase na escuridão. O céu se encontrava no momento de transição entre o dia e a noite.

A mulher chegou a parar de relance por frações de segundo antes de se dar conta de que estava segura. Ela suspirou. Um receio começou a se instalar nela como raízes penetrando no solo. Será que ficaria marcada pelo resto da vida por causa de hoje?

Ela fechou a porta, verificando com cuidado a tranca. O chaveiro simples, apenas um aro de metal, sumia em sua mão. Aquela não era sua chave. Tinha sido adquirida depois de uma pequena aventura que envolveu o seguro do prédio, seu proprietário, a polícia e um chaveiro. A sua – agora antiga – ficara em sua bolsa roubada. A reserva estava num cofre em seu escritório na Smoak Tech. Felicity poderia ter ido lá, mas a ideia de ter que encarar sua empresa depois de tanta coisa ter acontecido naquele dia lhe dava preguiça.

As tiras das sandálias ardiam em seus pés. Felicity se apoiou na parede com um braço e retirou-as, colocando-as no suporte que ficava logo atrás da porta.

Ela fechou os olhos e sentiu. Todo o cansaço físico e mental, os músculos latejando, a presença dos ferimentos.

Entretanto, ainda havia mais uma coisa que tinha que fazer antes de finalmente relaxar e espairecer.

Parte de si protestou. Ela tinha que parar pelo menos por uns instantes. Tomar um banho, comer, deitar. Mas sabia que, se fizesse qualquer um, não iria para seus computadores.

Felicity usou um exercício de respiração para afastar um pouco a tensão e clarear a cabeça. Sua energia não tinha acabado, recusava-se a acreditar nisso. Ela era persistente e odiava mistérios.

A primeira coisa que Felicity fez foi fechar as cortinas da sala. Por mais que fosse improvável os criminosos vierem atrás dela, saber que poderiam olhá-la lá de fora a perturbava mais do que gostaria. Depois, ao ver que a luz de seu telefone piscava de mensagens, ela apertou o botão para ouvi-las, já sabendo que estavam recheadas de preocupação. Dinah, Caitlin, Alena, Curtis, até mesmo Ray Palmer... eram muitas. Esperava que sua mãe também não estivesse no meio. Será que a notícia de seu sequestro chegou a Las Vegas? Mas em nenhum momento a voz de Donna Smoak surgiu.

Felicity estava agradecida com o carinho dos amigos. Todavia, honestamente, não estava com vontade de ligar para cada um. Ela ligou apenas para Caitlin e Jerry e pediu para que eles passagem a mensagem a frente.

Felicity rumou para a cozinha e pegou um copo d'água. Abriu o freezer e viu que ainda tinha refeições pré-prontas. Ela pedia quase todas as semanas. Empresas daquele tipo eram uma bênção para alguém como ela com falta de habilidade culinária. Ela separou uma embalagem para o jantar e rumou para seu escritório.

Fazia um tempo que ela não hackeava. Por causa do trabalho, o que atualmente fazia com computador era... bem, legal. Mas três imbecis ameaçaram sua vida e o trabalho de uma vida. Jamais descansaria sabendo o poder que tinha de mudar. Não conseguia viver com a incerteza se seu negócio estava em risco. Por mais que não fosse sua maior preocupação, queria rastrear também seu dinheiro. Quem sabe não esbarrava em algo que pudesse ajudar a polícia com a investigação.

Ao ligar o computador, uma injeção de ânimo despertou seus sentidos. Os dedos coçavam para digitar no teclado. Felicity esqueceu os ferimentos, o cansaço, a roupa suja. Entrou no espaço mental que a fazia se concentrar tanto que a fazia esquecer o mundo ao redor. A programação não fazia só parte de sua história, como também de si, de seu sangue.

Era hora de usar seu superpoder.


NA: Voltei a escrever depois de anos e com uma fic de Arrow pela primeira muitos personagens conhecidos, alguns arcos, referências a momentos icônicos, mas muita ideia doida minha. Já tenho alguns capítulos avançados, então espero postar semanalmente. Espero que gostem!