Entre o sonho e a realidade

por Red Statice

Alerta Yaoi, Angst, 1x2x1


Capítulo 01

Duo POV

Em alguns momentos ele chegará. Olho sorrateiramente o relógio digital colocado em cima da geladeira.

Quatre é muito perceptivo em diversos aspectos e estando somente nós dois sentados à mesa para jantar, tenho que ser especialmente cuidadoso.

Eu falo algo que faz Quatre rir levemente. Francamente não sei bem sobre o que estamos conversando, ou o que estou dizendo. Meus lábios movem-se automaticamente enquanto meus pensamentos centram-se na pessoa que a qualquer momento baterá a porta. Se tudo correr bem, isto é.

Quatre pergunta algo que me tira dos pensamentos mais alarmantes. É claro que Heero voltará. Não há muito que possa parar toda aquela intensidade calculada e dedicação. Ele provavelmente representa o mais próximo que um ser humano pode chegar da invencibilidade. Não que ele seja completamente perfeito mas... "Duo?"

Pisco duas . Tinha esquecido de responder a pergunta de Quatre. Tento retomar o último minuto de conversa... Ah, sim.

"Desculpa Quatre. Eu só estava pensando.." Em outra coisa, mas isso não importa. "Acho que Wufei já deve ter chegado em L3 sim. A essas horas, ele e Trowa devem estar se abraçando, com lágrimas nos olhos... o reencontro perfeito, como aqueles de filmes? Os dois gritando Trowaaaaaa Wuuuuufeeeiiiii!" Imito, carregando minha voz com emoção exagerada.

A imagem criada é tão surreal que consigo meu intento. Quatre ri novamente mas desta vez a risada é mais aberta e espontânea. Ouvir a risada dele é um dos meus passatempos preferidos e provavelmente não há ninguém no mundo que não se sinta mais relaxado e leve ao presenciar o riso de Quatre. Até mesmo o Heero...

"Duo! Não zombe deles assim. A informação que Trowa deve passar é muito importante." Ele diz logo que consegue controlar os risos. Mas a repreensão é totalmente anulada pelo seu tom e sorriso doce.

"E talvez, Trowa estivesse esperando por ele com um buquê de rosas... "continuo com minha história delirante. Quatre ri, mas o que chama minha atenção é que desta vez seu rosto está levemente corado.

O loirinho nunca foi muito bom de disfarçar emoções...

"Quatre?" Meu amigo levanta os olhos e percebe meu sorriso soslaio, corando mais ainda.

"Fofocas?" Eu pressiono, alargando meu sorriso. Quatre realmente fica adorável, quando o assunto é o seu amante de olhos verdes.

"Não sei do que você fala." Ele se faz de desentendido. Mas sei que pressionando mais um pouquinho ele acabará me contando...

"Aaaah, Quat! Vamos lá, conte pro seu amigo Duo! Você sabe que pode confiar seu segredos mais obscuros para mim!" Vocifero e bato no meu peito com a palma da minha mão dando um ar pomposo e exagerado.

"Sei,sei" o loiro revira os olhos. "Você só quer mais munição pra ficar brincando com a minha cara." Ele se levanta, levando nossos pratos para a pia e tampando o prato reservado ao piloto que ainda não chegava.

Olho mais uma vez para o relógio e confirmo que já estava passando um pouco do horário previsto. Nada que fosse muito preocupante, afinal uma margem de atraso de uma hora ainda era aceitável. Mas mesmo assim...

"Eu te conto se você falar sobre o Heero."

Uma bomba. Com aquela carinha angelical, ninguém imaginaria que Quatre fosse tão perspicaz e ... inquisitivo. Meu amigo me olha com um sorriso meio tagarela, levantando as sombrancelhas.

"Ãhn... Heero? O- o que tem ele?" Não consigo me recobrar tão rápido, afinal, apesar de saber que Quatre era muito sensível a emoções, não esperava que ele identificasse de forma tão certa a fonte de minhas perturbações.

"Você não pára de olhar para o relógio Duo.."

"E..?" Eu poderia somente estar preocupado com um amigo, afinal. "Tsc,tsc... jogando verde pra colher maduro? Essa é velha Quat!"

"Mas..."

"Iiih, Quat, nem inventa história..." interrompo, dando de ombros. Pois apesar da capacidade de observação do meu amigo, eu conseguia muito bem disfarçar minhas emoções. Não teria como Quatre descobrir, considerando que eu sabia ser muito precavido, principalmente em torno de Heero. Afinal, eu não curto um tiro na cabeça.

Franzindo o cenho Quatre me lança um olhar estranho de confusão.

"Hmm...mas é que eu sei, Duo... Heero me contou..." Quatre balbucia receosamente, perdendo um pouco da confiança inicial.

"O quê?" Heero? Como assim?

"Bom, ele não me explicou muito bem mas eu já sei qu-" Uma pancada na porta da sala interrompe-nos e estamos automaticamente alertas. Pelo horário, não seria estranho que fosse Heero, mas o barulho não era do nosso código usual. Quem poderia ser? Estávamos temporariamente abrigados num apartamento de periferia, relativamente inóspito, numa região quase deserta durante à noite. E visitas não seriam normais naquele horário.

Com um sinal rápido das mãos que rapidamente produzem uma pistola, Quatre indica que ele ficará na retaguarda como apoio. Eu, por minha vez, não retiro minhas armas, porque sabemos que um ataque inimigo real provavelmente se daria de uma forma direta e brutal, e a porta já estaria no chão a essas horas.

Checando o vão da porta, encontro uma sombra quase obstruindo totalmente a luz que vinha do corredor e quase pulo do chão quando escuto uma voz rouca.

"...uo.. D-Duo..."

Mesmo tão baixo seria impossível não reconhecer a sua voz. Abro rapidamente a porta, instantaneamente o corpo desacordado de Heero cai para dentro do apartamento.

"Heero!" Em uníssono, eu e Quatre exclamamos, já procurando por feridas graves. Com muito alívio, não havia rastros de sangue, mas logo percebo um inchaço na parte de trás da cabeça de Heero.

"Ele perdeu a consciência Duo?" Quatre retira a jaqueta de couro de Heero e me ajuda a carregar o resto do corpo de Heero para dentro, após checar o corredor.

"Sim, mas eu acabei de escutar a voz dele, então se ele desmaiou foi nesse instante." Levamos Heero para o sofá, onde descansamos de forma mais delicada possível sua cabeça. Heero, de todo, não possuía grandes feridas. Com excessão da pancada na cabeça, felizmente só encontramos pequenos arranhões nos braços e cotovelos.

Quando me viro para Quatre para discutirmos o que faremos, sou calado por um toque delicado no pulso.

"Heero! Você está acordado?" Pergunto quase gritando, ao ver os olhos azuis se abrirem lentamente. Heero olha pra mim um pouco perturbado, mas não diz nada, apenas apertando um pouco a mão que segurava meu pulso. Aos poucos seu olhar parece se enfocar e o que acontece em seguida é algo que eu nunca poderei esquecer.

Você já viu o céu se abrir na Terra, logo após uma forte chuva de verão? O modo como as núvens acomodam e abrem espaço para os raios de sol? Essa é a comparação mais próxima que consigo imaginar.

Os olhos azuis de Heero, confusos e turvos, aos poucos se enfocaram e era nítido. O reconhecimento. O alívio. E, o mais surpreendente, a alegria, que não se limitou no olhar. Pela primeira vez na vida eu pude ver um sorriso tão sincero e aberto de Heero. Não apenas um dos raros sorrisos de canto que eu havia testemunhado, e guardado como pequenos tesouros em minha memória. Se aquelas oportunidades foram para mim pequenas jóias raras, o sorriso de Heero naquele momento era algo tão surpreendente que por um segundo eu quase derramei algumas lágrimas.

O que me tirou do meu estado de semi-torpor, foi a súbita inspiração de Quatre ajoelhado ao meu lado, que provavelmente acabara de perceber aquele sorriso tão inesperado.

A última coisa que eu queria fazer era quebrar aquele encanto, desmanchar aquela expressão que incrivelmente se direcionava a mim. Mas eu tinha que verificar a saúde de Heero, e com um nó na garganta, procurei minha voz.

"H-Heero... Você está bem?"

Um pequeno franzir no cenho, mas ainda com um sorriso faz menear levemente a cabeça, fechando os olhos.

"Heero, não Heero, você não pode dormir de novo." Mas Heero não abre mais os olhos, somente apertando novamente meu pulso, puxando minha mão para repousar sobre seu peito.

"Duo, eu acho que ele desmaiou de novo. Ou dormiu" Quatre comenta ao meu lado, já se recuperando da surpresa anterior.

"Nós não devíamos mantê-lo acordado? E se ele tiver uma concussão?" Respondo, mantendo o meu olhar na minha mão que pousava milagrosamente sobre o coração de Heero. Pelo menos eu podia sentir os batimentos fortes, o que já era um grande alívio.

"Acho que podemos deixá-lo descansar um pouco e você pode acordá-lo de duas em duas horas, por precaução." Quatre se levanta da posição ajoelhada.

"E- Eu?" Não sei o que Quatre entendeu da minha expressão de confusão e agitação, mas o que eu sei é que a conclusão que ele chegou não fazia sentido.

"Duo, não precisa esconder ou se embaraçar. Eu sei que você quer ficar ao lado dele, assim como Heero gostaria de te manter próximo. Estarei no meu quarto. Qualquer coisa é só chamar, ok?" E com um pequeno sorriso, o loiro já escapava o meu campo de visão.

Não que eu realmente me sentisse incomodado por Quatre descobrir que eu amava o Heero. Eu poderia confiar em Quatre para manter o segredo. Mas era ilógico e inapropriado demais que ele achasse que o sentimento era recíproco.

Mas sentindo o calor da mão de Heero que ainda circulava o meu pulso, e o calor que passava a camisa no seu peito, a última coisa que eu faria era sair daquela posição. É claro que eu cuidaria e estaria perto de Heero, independentemente da opinião de Quatre. E, enquanto eu aguardava as horas passar, não doeria se eu relembrasse aquele sorriso, não é mesmo?