Oito anos atrás, uma cidade de West Blue era conhecida por ser o local mais pacífico e organizado de todo aquele oceano. Uma cidade sossegada, com uma média normal de moradores e totalmente sob o domínio do Governo. Cercado por cidades e territórios mais prósperos, a cidade tinha apenas aliados que sempre a beneficiavam. Muitos eram ricos. A maioria dos habitantes da cidade vivia em casas extremamente luxuosas, e os menos ricos tinham uma confortável moradia e ótimas condições. Nunca se viu alguém faminto ou doente pelas ruas, fazendo uma vida fora os ossos dos outros. O único lado ruim era a corrupção por trás do controle da cidade, envolvendo seus governantes. Mas isso era varrido para debaixo do tapete – nada em relação a isso era comentado.
Era um lugar tedioso para um certo homem. Um xerife. Um homem que trabalhava na polícia local e era notório entre seus colegas de trabalho. Recentemente, tinha sido promovido ao posto mais alto. Sentado em sua cadeira giratória e com os pés apoiados na janela, este mesmo homem brincava com um pedaço de espinho de roseira entre os dedos, ferindo-os propositalmente. Observou o raso filete de sangue que descia da ponta do indicador para a palma da mão. Bocejou. Naquela cidade, não havia a diversão que curtia. Mas também era satisfeito com seu trabalho de policial, ainda mais com sua recente promoção.
– É incrível... como o tédio pode ser mais incômodo que um conflito... – disse para si mesmo, apertando ainda mais o espinho contra a ferida, mas com cuidado em não piorar o sangramento.
Levantou-se da cadeira, jogando o espinho fora pela janela. Olhava pela janela aquela cidade harmoniosa e sossegada. Famílias andavam tranquilamente pelas ruas. Chefes de diversas organizações andavam por ali sem provocar a menor das perturbações. Lambendo o dedo injuriado, apreciava aquela visão sem nenhuma reação. Por dentro, sentia uma vontade insana de mudar aquilo tudo. Odiava aquele sossego em demasia. Para ele, era como se a cidade estivesse morta. Mais morta que um lugar explodindo em guerra e cheia de cadáveres pelo chão.
Laffitte esperava mais trabalho como um homem da polícia. Talvez, em outro lugar, fosse melhor. Mas nem os lugares vizinhos eram diferentes dali. Ajeitando a gola de seu uniforme, ele saiu da janela e resolveu andar pelos corredores. Pegou sua bengala de madeira vermelha e saiu por aí, aproveitando a folga que tinha em seu trabalho.
Andando pela rua perto do local onde trabalhava, observou um homem de estatura normal, gordo e calvo, conversando animadamente com seu antigo chefe dos tempos que era um simples policial. Ficou às escondidas.
– Ora, meu caro... é só uma questão de deixar de lado seu orgulho e aceitar minha proposta.
– Mas isso seria difamar nosso trabalho! Essa cidade é um exemplo para todo o West Blue! E vem me oferecer essa proposta suja?
– E acha que essa cidade é um exemplo desse jeito?
– Observe bem: não há sequer piratas que ousam invadir esse lugar! Sem contar que o governo sempre beneficia o povo que trabalha e luta para a evolução deste lugar. Aceitar essa proposta seria vender-nos para a máfia.
– Mas a máfia se dá bem com o governo local... já esqueceu?
– Sim, mas cada um em seu canto. Não vamos aceitar essa aliança.
– ...é uma pena, meu caro... – o tal homem gordo acendeu um charuto e ainda ficou ali, querendo estender a conversa. O ex-chefe de Laffitte estava decidido.
– Se me dá licença, voltarei aos meus afazeres! – ele se retirou. Laffitte se escondeu ainda mais ao ver este entrando no local e trabalho. Ainda ficou observando aquele homem gordo e calvo, encostado à parede, fumando seu cachimbo. Aquele ser inspirava corrupção e sujeira. Talvez... aquele lugar poderia ser mais animado com tipos assim. Laffite curvou seus lábios de um tom escuro em um sorriso discreto. Saiu de onde estava escondido e começou a caminhar pelas ruas. As pessoas sempre eram gentis, cumprimentando-o. Não restava em repetir o gesto amável. Principalmente as mulheres, que pareciam impressionar-se com um tipo exótico como ele. Ele era diferente dos homens ali. Laffitte era incrivelmente pálido, de um tom que parecia doentio. Ele também é muito alto, assim como também era magro. Sua cartola preta e a bengala de madeira vermelha estavam sempre com ele, com ou sem uniforme de trabalho, como também eram seus brincos de argola de ouro. Os lábios de um escuro tom avermelhado. Os cabelos negros de um liso extremo, que passavam um pouco da altura dos ombros e perfeitamente esticados e com leve brilho, pareciam um tecido de seda negro. Os olhos negros, de íris com um tamanho menor que de um olho normal, expressavam a profundidade de um olhar enigmático. Tinha um charme embutido em todo o jeito de ser, de andar, de olhar, de falar.
Ele secretamente admirava aquela atenção que despertava em todos. Principalmente nas mulheres. Mas nunca usou dessas vantagens para seduzir ninguém. E ali naquela cidade então... homens e mulheres eram discretos e comportados demais. Tanto os jovens como os mais velhos. Observou isso novamente ao ver duas jovens garotas que passavam ao seu lado, caminhando juntas. Aparentavam ser amigas. Vinham rindo até passarem ao lado dele. A mais baixa, de uma farta cabeleira longa e loira e ostentando uma bonita rosa branca acima da lateral da orelha esquerda, vestindo um longo vestido azul claro, foi a primeira a observar uma autoridade máxima da Chefatura de Polícia passando ao seu lado e abaixando a aba de sua cartola em forma de cumprimento discreto. Ela o cumprimentou, seguido da outra amiga de vestido similar, porém vermelho e de estampado em forma de xadrez. Esta outra, de cabelos lisos e curtos na altura do queixo, fez o mesmo que a loira. Com uma franja disciplinadamente esticada e também tendo uma rosa como adorno similar ao da amiga, a garota de cabelos cor de amora mal olhou para ele com seus olhos de tonalidade lilás, mostrando certo constrangimento – diferente da loira de olhos azuis, que parecia um pouco menos introvertida.
Deixando-as distanciarem-se, ele virou-se para trás, observando aquelas duas jovens criaturas. Belas fêmeas. Até que havia peças bonitas de serem apreciadas ali. Aquela timidez típica das mais meninas. Ele encostou-se a uma grade próxima a ele e, mexendo no bolso, procurava um cigarro para fumar. Raramente entregava-se ao prazer de fumar, mas nesses dias em que parecia ansioso, era irresistível. Enquanto fumava, mal sabia que uma delas havia virado a cabeça para trás, para olhá-lo. Aqueles olhos cor lilás ficou curioso com aquela figura bem alta e esguia. Ele não havia percebido isso, embora fosse experiente em perceber se era observado. Mas a tal moça fez isso rapidamente, depois voltando sua atenção para o caminho que seguia.
Fumando apenas um cigarro, voltou para seu escritório, já enfadado de andar por ruas tão pacíficas e organizadas. Em seu escritório, resolveu fuçar a estante de livros. A maioria dos livros era sobre leis e direitos humanitários. Enquanto ele escolheu um livro qualquer. Após vinte páginas de leitura, o homem esguio suspirou e levou o livro para a estante a que pertencia. Amaldiçoando a si mesmo aquelas horas até o final do expediente, ele quase jogou o livro na linha de cima da prateleira – mas não o fez. Deixando o livro na estante, Laffitte sentiu uma mão quente e grossa tocando-lhe o braço, fazendo-o virar repentinamente. Um riso abafado ecoou no silêncio.
– Assustou-se?
– Não ainda. Nada aqui me assusta atualmente. – comentou tranquilamente com seu ex-chefe, que agora era parceiro direto.
– Parece tedioso... desde que assumiu esse posto que já não posso mais ter.
– Tedioso? Estranho... na verdade não sou eu o tedioso. E sim, esse lugar. Desde eu comecei a trabalhar aqui, só tive realmente uma missão a cumprir.
– Verdade... tenho muito mais tempo que você aqui e posso lhe garantir: nunca houve um lugar tão calmo em West Blue como aqui!
– Verdade? – perguntou com tom de falsa curiosidade.
– Sim, sim... é quando se tem os melhores oficiais que um lugar pode ser desse jeito. Não é mesmo? Hehehehe...
Até aquela conversa meio calorosa irritava Laffitte por dentro. Mas com toda a experiência que tinha, sabia usar seu cinismo para disfarçar o que realmente sentia. Como era naquele momento?
– E então... aceita tomar um vinho comigo?
– Claro, Laffitte! Só não podemos exagerar ainda... mas um brindezinho rápido, podemos!
Trocaram brindes e dividiram uma parte de uma garrafa de vinho tinto.
...
Lina não era chegada em festas, mas como toda a moça solteira, era sempre requisitada nelas, principalmente por conhecidos de sua família que tinham interesses em casá-la com algum parente. Tinha apenas um pai vivo, rico aristocrata que trabalhava para a máfia secretamente. E obviamente, gostava de destacar seu único tesouro, também à procura de um genro rico e bem sucedido. Estava linda com seu vestido vermelho, com traços de cor preta formando um xadrez. Uma rosa vermelha acima da lateral de uma das orelhas, como quase todas as mulheres tinham uma rosa assim, como adorno. No momento, encontrava-se sozinha e perto da mesa cheia de comida. Nem aquela fartura lhe animada ou abria o apetite.
– Minha filha, venha comigo! Tenho que te apresentar a um de nossos amigos...
Mais uma vez, o homem gordo e careca apresentaria sua filha única aos amigos ricos e mesquinhos dele. E todos esses amigos tinham um filho moço, solteiro, pronto para casar-se. E ela, com seus dezoito anos, já estava na época de pensar em casamento – era assim que seu pai a orientava desde cedo.
Sua vida tem sido muito vaga e melancólica desde a perda da mãe cinco anos atrás. Porém, nada lhe faltava. Tinha todos os regalos que uma moça rica poderia ter – sempre teve. Porém, descobriu há pouco tempo atrás que o pai trabalhava para a máfia e que planejava dar um golpe naquele lugar, quando ouviu casualmente uma conversa dele pelo den den mushi. Temia pelo pai e por si. A segurança daquela cidade era o exemplo e orgulho dos cidadãos, e não era à toa – pois tinha a melhor estrutura em relação ao governo e aos seus serviços.
– Papai... será que não posso me recolher mais cedo?
– Ah... tudo bem, minha querida... – ele acariciou a nuca dela.
– Até mais, papai.
A festa acontecia em sua casa. Mais fácil e rápido para subir pelas escadas que davam acesso ao seu quarto. Tirou aquela bonita roupa e trocou por uma simples de casa, de cor bege e rica em babados com a costura preta, juntamente com o corset que usava. E sem esquecer uma rosa da mesma cor que o vestido. Depois foi até o piano de sua casa e começou a tocar. Tinha fechado todas as janelas antes para que não desse para ouvir no salão o som das teclas. Se o pai a flagrasse tocando piano, ia lhe dar uma bela bronca – já que acreditava que esta estava com sono e não entediada com a festa. Enquanto tocava piano, sentiu um leve arrepio que vinha do final da coluna até o pescoço, por trás. Fechou os olhos. Nunca tinha tido tal sensação. E o curioso era ser uma sensação levemente prazerosa, ao mesmo tempo em que estranha. Mas continuou a tocar assim mesmo.
Tudo ia completamente bem... até que o destino daquele lugar mudaria naquela noite.
Um grupo de piratas que estavam coligados com a mesma máfia que o pai de Lina tinha relações invadiram aquela cidade. Começava o terror. Pessoas correndo desesperadamente para suas casas, muitas nem conseguiram escapar dos ataques. Imediatamente, a polícia local foi acionada. Finalmente, uma tarefa para Laffitte, que sorriu ao ver de longe da janela do escritório uma grande fumaça – o fogo que os tais inimigos estavam espalhando por toda a parte. Gritos, choros, desespero. Era bom apreciar aquilo, antes de ir salvar aquela pacata e irritante gente. Os chefes principais conseguiram invadir a festa do pai de Lina.
– É esse infeliz! – gritava o pirata alto e barrigudo, porém de membros magros e curtos.
Todos ficaram assustados, inclusive o pai da menina.
– Por favor... permitam-me que eu consiga novamente convencer o tal velho...
– Já chega! – o pirata apontou a espada para ele. – Você já tem muitos débitos conosco... e nosso chefe está muito irritado com seus fracassos!
– Do que estão falando? – perguntou um dos amigos influentes do anfitrião.
– Er... nada, nada...
– Nada, nada? Buáhahahaha... vocês não sabem o que este ser insignificante representa para vocês!
– Parados todos! – entrou guardas no local, cercando tudo. Ai a correria foi maior, principalmente entre as mulheres.
Laffitte apareceu por trás dos seus guardas, muito sério, olhando aquela gente. Por dentro, estava até emocionado em ter um trabalho como xerife da cidade.
– O que acontece aqui?
– Er... desculpa minha intromissão... – o pai de Lina começou a gaguejar ao ver o homem, vestindo uma camisa de cor branca meio desgastada e de manga comprida, com gola padrão e com pequenas cruzes amarelas, juto comum macacão de cor preta. E seus acessórios de sempre, a cartola preta e bengala de madeira vermelha.
– Quem é você?
– Sou o xerife local. – calmamente, mostrou o distintivo que tirou do bolso. Ele já estava indo embora quando apareceu essa situação para resolver.
– Por favor, senhor... sequer conheço esse homem, e já veio invadindo minha casa... – o homem gordo e careca mentiu em desespero, diante de uma autoridade máxima.
– Mentira! Seu covarde cínico! – o pirata apontou a espada para o homem.
– Silêncio! – ordenou o xerife, com a voz de tonalidade baixa e firme.
Laffitte andava entre os dois, girando sua bengala e analisando os dois. Por sua experiência, percebeu que o pirata não estava enganado em relação ao outro homem.
– Lamento ter que interferir minha pessoa em um momento tão animado que é uma festa, não é?
Os dois olharam para ele, aparentemente assustados.
– Posso me ferrar, mas este homem tem que vir comigo! – o tal pirata estava decidido em sua decisão.
– Pare de falar asneiras!
– Já chega de discussões entre vocês. Bem... ainda quero ouvir mais um pouco da defesa de ambos... – disse o homem dos lisos cabelos negros, apoiando o pé em cima de uma das mesinhas de canto que haviam por ali.
Lina nada ouviu, estava distraidamente tocando piano. Somente quando ouviu um tiro, parou de tocar assustada e foi até sua janela. Levou susto enorme ao ver labaredas de fogo entre as casas e os gritos das pessoas de longe.
– Papai! – exclamou, com as mãos cobrindo a boca.
Ela não sabia se ia até ele avisar o que viu, ou mantinha-se em seu quarto. Nunca em sua vida testemunhou tal situação. Ficou na porta, tentando escutar as coisas sem sair dali. O tiro foi ação de Laffitte, tentando manter a ordem.
– Prendam todos! – foi a ordem do xerife. – E vejam se há mais pessoas dentro desse lote.
O pai de Lina arregalou os olhos.
– Para que... vasculhar minha casa?
– Ora... nada tem a temer, não? ...não é? – perguntou com um sorriso sarcástico.
Ele sacudia a cabeça negativamente.
– Prossigam com a busca. E levem esses dois imediatamente!
– LINA! FUGA DEPRESSA! – gritou o homem, sendo arrastado por três guardas.
Enquanto os outros oficiais cuidavam de prender os outros piratas lá fora, Laffitte ficou curioso por essa pessoa que ele protegia. Acompanhou os guardas que faziam a busca por toda a casa. De repente, separou-se deles.
– Vou verificar os corredores do quarto. Vocês continuem a busca por todo o resto!
– Sim, xerife!
Lina atreveu-se a sair, abrindo devagarinho a porta. Seguiu pelos corredores. Até encontrar aquela figura... familiar... de costas andando pelo corredor tranquilamente, abrindo as portas dos quartos dos hóspedes. Lembrou-se quando virou sua cabeça para olhar aquela figura enorme, esguia, andando tranquilamente pelas calçadas.
– Quem é esse homem?
– Já vi em outras ocasiões. Ele é o novo xerife da cidade.
– É?
– Sim! Não percebeu aquele emblema no peito?
– Não...
– Então. É esse mesmo. Ele é bem charmoso... não é?
– ...é... – disse a moça, desinteressada.
Era então aquele o xerife, e o que ele estava fazendo andando pelos corredores? Será que houve alguma coisa entre os convidados? Ele estava ali, logo aquele lugar estaria salvo. Ela correu até ele, que virou para trás.
– Com licença... – ela parou de falar, diante dele que também era vagamente familiar.
Fitaram-se por segundos. Como ele era ainda maior de perto! Lina se sentiu insegura, apesar de reconhecer aquele homem que tinha visto ainda mais cedo, quando levava a amiga para a festa em sua casa. Curvando os lábios em um sorriso, ele viu o que aquele homem queria tanto proteger: a tal Lina.
– Então você deve ser a Lina, não é? – ele perguntou, segurando a aba de sua cartola e olhando para a criatura bem menor que ele.
– S-sim... – ela se surpreendeu ao vê-lo falar seu nome.
– Venha comigo. Precisa me acompanhar até o departamento!
Ele agarrou o antebraço fino da garota e a puxou consigo, fazendo-a caminhar arrastada. Ela protestou.
– Mas por que estou sendo levada? E meu papai?
– Hmmm... aquele homem é seu pai, então.
– Hã? Não entendo...
– Entenderá...
Algo passou pela cabeça de Lina. Sim, a conversa do pai ao den den mushi que tinha flagrado certa vez. Máfia... dinheiro atrasado... convencer o governo local... as palavras do velho pai veio em sua mente. E já imaginava que teria que depor à força - sem saber de nada completamente. O que seria dela agora?
