Vagueio absorvido, perdido, esquecido através da vasta e húmida morada infernal. A proposta de Hades percorre apressadamente a minha mente e o meu coração, ela perturba involuntariamente a paz tranquila da pútrida e suja morte, proposta pérfida, insubstituível, imperfeita, porém necessária e urgente. Eu retornarei ao mundo quente da luz.

O meu coração pintado de ébano derrama lágrimas aguçadas, cortantes e quentes de sangue ao pisar de novo o chão sagrado do santuário que tanto amo. A minha mente mergulha numa tristeza abominável, viajando entre o meu passado manchado de perda, saudade e sangue, o meu presente imerso em fracasso e amizades não valorizadas, abandonadas pelo tempo mas nunca pelo meu coração e um futuro negro como a armadura que cobre o meu juvenil e radiante corpo de dezoito anos.

Piso com frieza o degrau de pedra que conduz à entrada da bela casa de Carneiro. Tento apagar da minha antiga e honrada memória todas as lembranças, todos os laços que a ela me unem, esta que foi a minha casa durante a minha juventude. O topo da escadaria já me aguarda calmo e sereno nem o tempo alterou a personalidade do primeiro templo sagrado. O meu coração bate e bate ao avistar o seu atual e poderoso protetor, o meu aluno Mu.

Uma torrente insana e deprimente de lágrimas afogam o meu espírito sofredor, decidido e lutador. Não irei fracassar. Nada me irá deter. Nada me desviará do meu mascarado objetivo.

´ A desilusão e a tristeza desfiguram o rosto amável e amistoso do meu dedicado aluno. Perdoa-me meu jovem Mu. Acredita, a realidade é falsa e ilusória, mascarada por pensamentos inconcretos e sentimentos abstractos percorrendo obsessivamente o coração dos seres humanos.

O nosso reencontro é inevitável, os nossos destinos voltam a enlaçar-se pelas correntes difusas e apertadas da vida solitária que sempre caminhou fielmente a nosso lado, Dokho meu grande amigo. O teu corpo vagueou de mão dada com o incontornável e assustador tempo, contudo o teu cosmo, a tua sede de justiça e a tua perfeita personalidade continuam intocáveis, reluzentes e motivadoras, nada em ti se alterou, meu amigo.

Não quero combater contigo Dokho, no entanto o infortúnio desenhou o nosso futuro. Ninguém mais compreenderá, ninguém mais descobrirá, ninguém entenderá, apenas tu, valente guerreiro da constelação de Balança. Apenas tu conseguirás ler o meu coração, apenas tu despertarás a minha mente, apenas tu salvarás a minha alma, apenas tu concretizarás a minha ingrata e heróica missão, somente tu, Dokho.

As correntes que me unem a este santuário, que me unem a Atena, que me unem aos nossos companheiros, que me unem a ti Dokho são mais resistentes, poderosas e puras do que aquelas inexistentes que me unem a Hades e ao Inferno, jamais podem ser quebradas, jamais podem ser destruídas, jamais deixaram de existir, prender-me-ão para sempre a este mundo de amor, esperança e luz eterna.

A nossa luta emerge num misto triunfante de respeito, amizade e companheirismo, nada mudou. Os nossos ataques invadem a atmosfera iluminando o nosso destino glorioso, que o meu brilhante pó estelar te guie ao encontro do nosso fado, pois Balança e Carneiro brilharão juntos para sempre no mundo das trevas.