Eles Nunca Se Foram

Com a boca entupida de ramen, Naruto perguntou. "E então, Sasuke? O que você vai querer fazer no seu aniversário?"

O Uchiha dá de ombros. "Nada."

"Como assim 'nada'? Você tem que comemorar o seu aniversário! Ninguém faz 21 anos duas vezes na vida!"

"Ninguém faz qualquer outra idade duas vezes na vida, seu idiota."

"Eu tenho que concordar com Naruto dessa vez, Sasuke," Sakura disse após tomar um gole d'água. "O seu aniversário não pode ser passado em branco. Acho que devíamos fazer um jantar na sua casa. Só a gente. Nada de mais. É melhor do que ficar assistindo TV. O que você acha de sábado, Naruto? Estará livre!"

"Eu sempre estou livre para qualquer coisa que envolva comida, Sakura-chan."

"Então está fechado. Sábado, às oito, na casa de Sasuke. Acho que consigo trocar o meu plantão com alguém até lá."

Sasuke ergueu uma sobrancelha para sua companheira de time sentada ao seu lado. "Você está ciente de que está organizando a minha festa de aniversário na minha própria casa sem a minha permissão?"

Sakura dá de ombros. "Tudo bem. Você pode nos deixar fazer a sua festa de aniversário na sua casa neste sábado?"

"Não."

"Ótimo. Está marcado, Naruto."

"Ei, eu posso pedir para a Hinata-chan fazer o bolo!" o loiro exclamou. "Ela faz o melhor bolo de chocolate que já existiu! Ontem eu comi um inteiro sozinho."

"É uma boa ideia," Sakura aprovou. "Eu posso fazer aquele macarrão com molho de tomate de que você tanto gosta, Sasuke. Ah! E podemos comprar aqueles chapeis pontudos de aniversário! Eu posso encarregar o Sai das bebidas quando ele chegar de missão –"

"Eu não vou estar aqui," Sasuke a interrompeu, colocando uma nota de dinheiro no balcão.

"O quê?" Sakura e Naruto gritaram ao mesmo tempo.

"Eu tenho uma missão amanhã de manhã," o Uchiha continuou, ignorando as expressões de indignação dos seus companheiros.

"Ah, você não vai usar essa desculpa de novo!" Naruto balançou um dedo para Sasuke. "Já usou essa no ano passado e aparecemos no seu apartamento do mesmo jeito."

"Dessa vez é verdade. Podem perguntar para Hanika. A missão é com ela."

Sakura quase engasgou com o seu ramen. "Hanika? Você vai sair para uma missão com Hanika?"

"Vou. Parto amanhã. Não sei se voltarei a tempo."

Ela engoliu em seco. Não sabia se estava mais desapontada por Sasuke estar saindo em missão nas vésperas do seu aniversário e correr o risco de passá-lo fora de Konoha, longe dela – deles, ela quis dizer – ou por a missão ser com Hanika.

"Você não pode remarcar a missão?" ela perguntou, mais calma. Os seus dedos agarravam o balcão da banca de ramen em apreensão.

"Não."

Ela lambeu os lábios. As suas mãos suavam. "E... e vai mais alguém com vocês?"

Sasuke balançou a cabeça e cruzou os braços. "Não. É uma missão simples de escolta até Suna."

"Suna fica a um mísero dia de viagem daqui!" Sakura argumentou. Temia que a sua voz estivesse soando desesperada. "Por que tem que ir amanhã e ficar até sábado? O que mais vai ficar fazendo em Suna que te tome mais quatro dias e que te impeça de voltar para o seu aniversário?"

"O meu cliente tem uma reunião na sexta em Suna e quer voltar no sábado. Nós vamos trazê-lo de volta."

Sakura não conseguia acreditar no que ouvia. Sasuke e Hanika passariam cinco dias juntos, de terça a sábado, incluindo o aniversário dele? Não, isso não podia acontecer em hipótese alguma.

"Vocês não precisam de uma médica?" ela questionou tentando soar o mais indiferente possível. "Eu posso acompanhar vocês, se for preciso." Por favor, diga que sim.

Para a sorte de Sakura, Sasuke não pareceu perceber a ponta de desespero na voz dela. "Por que precisaríamos de uma médica? Você mesmo disse que não levaríamos mais de um dia daqui até Suna."

"Muitas coisas podem acontecer em um dia!"

Naruto riu e passou um braço ao redor dos ombros dela. "Sakura-chan, você se preocupa com as coisas mais bobas. Sasuke ficará bem. O caminho para Suna é seguro. E, se me lembro bem, Hanika-chan sabe um pouco de jutsus medicinais que não são tão ruins assim. Ela me disse que foi você mesma quem os ensinou a ela, se esqueceu?"

Sim, tinha sido Sakura quem ensinara a porcaria dos jutsus médicos para Hanika – e foram nesses dias de aprendizado que ela soube que a sua aluna tinha uma queda por Sasuke. Na época ela não deu muita importância para a paixonite da moça. Sasuke não sabia nem ao menos quem ela era e não tinha a menor intenção de conhecê-la. Entretanto, agora, os dois partiriam em uma missão. Sozinhos. Por cinco dias. Incluindo o aniversário dele.

Maldito foi o dia em que ela aceitou ensinar medicina para Hanika!

"Hanika é uma boa kunoichi," Naruto continuou, torcendo a faca no peito dela. "Eu já tive uma missão com ela. Ela é boa. Não tanto quanto você, Sakura-chan, mas boa. Ela vai cuidar bem de Sasuke."

E era esse o medo dela. "Você tem razão," ela murmurou para a sua tigela de ramen.

"Podemos deixar para comemorar no domingo," Naruto sugeriu.

Sakura balançou a cabeça. "Eu vou trabalhar no domingo."

"Semana que vem?"

Ela suspirou. "Pode ser."


Sakura mergulhou no trabalho e estudos assim que soube que Sasuke tinha saído de Konoha – com Hanika. Ela tinha que ocupar a mente com alguma coisa que não fosse pensamentos dos dois juntos há quilômetros dali. Ele estaria conversando com ela nesse exato momento em que Sakura operava o abdome de outro shinobi? Ela estaria olhando para ele com aquele olhar apaixonado e flertando e tocando-o? Teria ele percebido o interesse dela? Teria ele correspondido?

Será que eles estavam dormindo no mesmo quarto sozinhos? Sakura quase passou mal com esse pensamento.

Ela já não estava mais agüentando a imaginação fértil dela quando chegou em casa. Teria continuado trabalhando exaustivamente para evitar aquelas porcarias de imagens que o seu nervosismo criava, mas Tsunade a enxotou do hospital assim que soube que a sua pupila estava prestes a começar o quarto turno de plantão seguido.

Ela se jogou no sofá e puxou os seus cabelos. Por que se importava tanto com a suposta vida amorosa de Sasuke? Estava convicta de que os seus sentimentos por ele tivessem ficado no passado, anos atrás. Era isso o que dizia para todos que a perguntavam se ainda nutria amor por Sasuke.

Ela o amava, sim, mas não como antes. Com o passar dos anos ela fez de tudo para que o seu amor romântico por ele se metamorfoseasse em um platônico, fraternal, igual ao que tinha pelos seus amigos mais próximos. Há anos ela não tinha aquela sensação de sufoco quando se encontrava com ele ou a de que o seu coração fosse pular pela boca só de vê-lo. Ela tinha colocado as suas emoções sob controle. Afinal, ele jamais demonstrou qualquer tipo de afeição diferente por ela. Quando percebeu isso, Sakura jurou que não desperdiçaria o seu amor em uma pessoa que nunca o retribuiria.

E ela estava feliz com a sua decisão. Conviva com Sasuke com normalidade e naturalidade, nada diferente do seu convívio com Naruto ou Sai. Ela não mais carregava aquela pressão sobre os seus ombros de sempre agradá-lo para que fosse notada. Ela até mesmo tinha conseguido namorar outros garotos e gostado.

Tudo ocorria do jeito que ela sempre quis.

O que mudou agora?

Talvez esse desespero viesse do fato de que Sakura nunca viu Sasuke sozinho com outra mulher desde que ele voltara a ser um cidadão de Konoha anos atrás. Ela não achava que ele fosse capaz de manter um relacionamento com qualquer mulher que seja ou por menor que fosse o tempo. Afinal, quem iria suportar aquela personalidade sombria ou o seu vício em trabalho?

Sakura desconfiava que ela fosse a única, e só porque o conhecia há tanto tempo.

Quem sabe Hanika não seria a próxima? Hanika sabia que Sasuke não era a pessoa mais sociável de Konoha nem a companhia perfeita e, mesmo assim, gostava dele. Tinha confessado a Sakura em uma das suas aulas, e ela não tinha dado a devida importância. O estômago dela se revirou só de pensar.

Ela respirou fundo e se forçou a pensar racionalmente. Talvez ela só estivesse se readaptando a esse possível lado amoroso de Sasuke. Só isso. Não era necessário fazer toda aquela tempestade em copo d'água, certo? Só precisava de tempo. Podia apostar que estaria de volta ao seu estado normal antes mesmo de os dois voltarem a Konoha. Até lá, ela já terá se acostumado com a possibilidade de vê-los abraçados e se beijando e sussurrando coisas no ouvido do outro e passando a noite na casa um do outro e comprando flores para comemorar o aniversário de namoro e revelando os seus segredos que ela sempre que ouvir e se esquecendo que Haruno Sakura um dia existiu.

Ela ficaria bem.


Já que Sasuke não estaria ali para comemorar o aniversário dele, não havia necessidade de Sakura trocar o seu plantão. Por isso, no sábado, quando ele e a sua nova namorada – ela engoliu o vômito – voltaram, ela estava de plantão no hospital.

Ela aproveitou o seu raro momento de folga para se trancar na sua sala. Cansada, ela se jogou na cadeira atrás da escrivaninha, dobrou os braços na superfície da mesa e enfiou o rosto neles. Não sabia por quanto tempo ficou lá, pensando se Sasuke seria feliz com Hanika, se ela o trataria bem. Meu Deus, eu já estou convicta de que eles vão voltar com uma aliança no dedo.

Será que os filhos dele puxariam Sasuke ou Hanika? Talvez eles herdassem o sharingan. Talvez eles futuramente estudariam na mesma escola que os filhos de Sakura com outro homem que ela não conseguia nem imaginar. Talvez ela se encontrasse com Sasuke de vez em quando ao buscá-los na escola e eles conversariam de coisas mundanas.

Talvez Sakura seria a médica responsável pelo parto deles.

Que tipo de idiota sou eu? Não se sabe nem se eles estão namorando, e eu já estou imaginando-os com filhos.

Ela estava perdida nos seus devaneios quando alguém bateu na porta do seu escritório. Relutante, ela obrigou o seu corpo a se mexer e se levantou para receber o intruso.

"Sasuke acabou de chegar e exige que você o atenda," a enfermeira informou.

Sakura sentiu um burburinho no estômago. Ele iria forçá-la a vê-lo com Hanika assim, logo que chegou? Ela queria pedir à enfermeira que o dissesse que ela não estava disponível, mas desistiu da ideia. Sasuke sempre queria que Sakura o atendesse. Era a única pessoa que ele confiava para cuidar da sua saúde ali e ela não queria perder a confiança dele. Ele não tinha culpa se ela estava sendo uma idiota confusa.

Portanto, ela somente assentiu e seguiu a enfermeira.

Ela o encontrou sentado em uma maca. Antes mesmo de cumprimentá-lo Sakura localizou um sangue nos cabelos dele e ela quis mais do que nunca ter ido naquela missão. Talvez tivesse evitado aquele corte.

"Oi," ela o cumprimentou com um sorriso que não harmonizava com o seu humor. "Que bom que está de volta." Ou não. Ela teria preferido que ele e a sua namoradinha estivessem bem longe dali para que ela não os visse juntos até entender o que, diabos, estava de errado com ela para se sentir daquela maneira. "O que aconteceu?"

"Assaltantes," ele explicou como se não fosse nada de mais. "Eu estou bem. Só estou aqui porque Hanika insistiu irritantamente que alguém confirmasse que eu não tenho uma concussão."

Sakura assentiu, tensa. Menos de cinco dias juntos e ele já estava aceitando ordens dela. Vadia. "E onde ela está?"

"Com outro médico. Parece que deslocou o ombro."

Sem muito interesse no destino de Hanika – o que era um pecado, já que Sakura era uma médica e era o seu dever se preocupar com todos os shinobis – ela se aproximou de Sasuke até parar quase que entre as pernas dele.

"Onde está ferido?" Ela sabia exatamente onde estava o machucado dele – o cabelo sujo de sangue não deixava dúvidas – mas era um procedimento médico perguntar, e por isso ela o fez.

Ele apontou para o local onde ela suspeitava. Ela afastou o cabelo ensangüentado dele para inspecioná-lo. Como desconfiava, a ferida estava fechada, muito provavelmente por obra de Hanika. Sakura sentiu um calafrio descer as suas costas ao imaginar a garota tocando-o e tratando-o – como Sakura sempre fez.

"Quando foi que se machucou?" ela quis saber, passando o dedo pela marca.

"Há umas três horas daqui. Estávamos quase chegando."

"Dói?"

"Um pouco. Nada insuportável."

"Tem dor de cabeça?"

"Não."

"Náuseas?"

"Não."

"Perdeu a consciência quando ou depois que foi atingido?"

"Não."

"Sonolência? Fraqueza em algum membro? Dor na nuca –"

"Sakura, eu estou bem," ele a interrompeu com um rolar de olhos. "Não estou sentindo nada de anormal."

Ela tirou uma lanterna do bolso do jaleco para examinar os olhos dele. "Realmente, me parece que está tudo bem. Mas eu quero checar um pouco mais só por desencargo de consciência, ok?"

Ele parecia entediado, mas assentiu. Delicadamente Sakura enfiou os seus dedos pelos fios de cabelo negro até que a palma das suas duas mãos descansassem sobre a pele e enviou chackra para dentro do crânio dele, procurando por lesões que os olhos nus não vissem.

Gostava de sentir o cabelo dele. Era macio, mesmo depois de horas viajando e sujo de suor e sangue. Muito másculo. Muito Sasuke.

"Que ótimo jeito de comemorar o seu aniversário, não?" ela brincou para quebrar o silêncio. Ela estava de olhos fechados em concentração para manipular o seu chackra corretamente e manobrá-lo pelo sistema nervoso dele, mas, quando abriu os olhos por um segundo, viu que os dele também estavam fechados e que um pequeno sorriso adornou os lábios dele.

"Pelo menos não estou assistindo TV," ele disse, lembrando-se das palavras dela.

Ela tirou os dedos da cabeça dele após constatar que estava tudo dentro da normalidade. "Talvez você tenha tido mesmo uma lesão cerebral para achar que isso é melhor do que ficar em casa." E por achar que Hanika era a sua melhor candidata.

Ela anotava os seus achados no prontuário de Sasuke quando ele murmurou: "Pelo menos não estou sozinho."

Sakura ergueu a cabeça para sorrir para ele.

E foi nesse momento que Hanika decidiu se fazer presente.

"Desculpe, Sakura-san. Posso entrar?" Ela tinha a cabeça enfiada entre a porta e o umbral, esperando a resposta de Sakura.

Sakura queria dizer que não, ela não podia entrar. Deveria ficar do outro lado do hospital, bem longe dela e de Sasuke. Por não achar uma maneira amigável e inocente de falar, não teve outra opção senão assentir e permitir a entrada dela.

"Como está o seu ombro?" Sakura perguntou, tentando disfarçar o seu desgosto de tê-la ali.

"Estou bem. Não foi nada." Com o braço em uma tipóia, Hanika caminhou até Sasuke. Quase ficou tão próxima quanto Sakura esteve trinta segundos atrás. "Eu só estava um pouco preocupada com Sasuke." E sorriu para ele. Sakura queria jogar a prancheta na qual ela escrevia no rosto de Hanika. "Ele tentou me defender e acabou tomando um belo chute na cabeça. Honestamente, eu não seu como não desmaiou. Eu certamente teria apagado."

Sakura dá um sorriso tenso. Ele arriscou a vida dele para salvar a dela. Os pedaços do seu coração se partiram um pouquinho mais. "Ele está bem."

"Fico feliz." Ela deu mais um sorriso para Sasuke que fez as mãos de Sakura tremerem tanto que ela mal conseguiu escrever. "Então, estamos liberados?"

Sakura assentiu, virando-se de costas para os dois. Temia se debulhar em lágrimas se continuasse a vê-los.

"Eu só vou assinar a papelada de liberação e te espero lá fora, tudo bem, Sasuke?" E, enfim, Hanika saiu.

Deus, como eu vou conseguir suportar isso? Quase não conseguiu se controlar em menos de um minuto em que nenhum tipo de contato físico ocorreu entre Sasuke e Hanika. O que faria se os visse se beijando ou se abraçando?

Ela limpou a garganta para mandar as lágrimas de volta para o lugar de onde elas não deveriam ter saído. "Sasuke, eu vou te deixar ir," em todos os sentidos, "mas quero que volte aqui imediatamente caso sinta qualquer coisa diferente, está bem? Náuseas, fraqueza, tontura –"

"Eu sei, Sakura. Já fui atingido na cabeça antes."

Ele estava com pressa. Quer se reunir com Hanika o mais rápido possível.

Ela forçou um sorriso. "Bem, então, é melhor você ir. Hanika está te esperando." Ela abriu a porta. "Até logo, Sasuke. E feliz aniversário."


Sakura alegou estar trabalhando quando faltara propositalmente os próximos dois encontros semanais do Time Sete no Ichiraku. Em partes, aquela desculpa era verdadeira. Ela estava, sim, ocupada no hospital nos horários dos encontros, mas puramente por opção própria. Antes, quando ainda não sabia que Sasuke poderia estar romanticamente envolvido com outra mulher, ela havia arranjado os horários dos seus plantões de modo que eles não coincidissem com os jantares semanais no Ichiraku.

Porém, tudo mudou quando Hanika apareceu em sua vida – e na de Sasuke. Ela não conseguia olhá-lo nos olhos, nem ouvir a voz dele, nem saber que ele estava a um raio de mil quilômetros, sem se sentir ridícula. Ela sabia que poderia estar reagindo de forma exagerada a Hanika e Sasuke. Talvez eles nem ao menos estivessem namorando, e ela queria acreditar que fosse esse o caso.

Mas ela não podia encará-lo com tantos sentimentos dentro do peito que ela jurou nunca mais sentir. Ela imaginava que eles estivessem trancados a sete chaves em um baú de chumbo nas profundezas da sua alma, mas a presença de Hanika parecia tê-los trazido à tona novamente. Era o frio na barriga ao saber que Sasuke estava por perto, o arrepio ao ouvir a voz dele, o rosto dele constantemente em seus pensamentos, a falta de eloqüência quando falava com ele.

Como poderia reencontrá-lo assim? Ela não podia se mostrar tão patética de novo, como aquela garotinha de doze anos que ele – e ela – tanto abominava.

Sem contar o encontro entre ele e Hanika que ela presenciara. Sakura não gostava de se lembrar como eles pareciam próximos – ele salvou a vida dela, pelo amor de Deus! – e eram essas lembranças que ela desejava apagar da sua memória que afloravam assim que ela o via. Ela tinha uma vontade de fugir só de lembrar como ele não se sentiu nem um pouco desconfortável em ter Hanika naquele quarto de hospital. Quanto tempo e força de vontade Sakura desprendeu para que ele se sentisse assim com ela? Anos! Como aquela mulher conseguiu em menos de cinco dias?

Quando ela olhava para Sasuke, ela inevitavelmente o via junto a Hanika. Via o sorriso dela para ele, a alegria que ela demonstrava quando se reencontraram no hospital. Via o que poderia ter acontecido entre eles na viagem até Suna. Via ele protegendo-a, colocando-se na frente dela para salvá-la, pondo em risco a própria vida.

E Sakura não queria pensar naquilo, justamente porque reascendia aqueles sentimentos infantis.

Portanto, ela se voluntariou para trabalhar estrategicamente naquele horário. Não podia arriscar vê-lo e fazer papel de idiota e se sentir furiosa consigo mesma, com ele e com Hanika. E, além disso, ela esperava que, se passasse um tempo longe dele, tudo isso desapareceria. Ela pensava que voltaria ao normal, como se nada tivesse acontecido, se não o visse com tanta freqüência.

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Sakura se despedia de uma paciente na porta do seu consultório quando Hanika apareceu.

"Olá, Sakura-san," a garota cumprimentou e Sakura lhe deu um sorriso tenso em resposta. "Posso conversar com você por um minuto?"

Ela queria dizer que não. Até tinha a desculpa de estar cheia de pacientes para atender (o que era verdade). Mas, por mais que doesse olhar para a garota que poderia roubar o coração de Sasuke, a curiosidade de Sakura acabou falando mais alto e ela assentiu.

"Está tudo bem com o seu ombro?" a médica perguntou depois que fechou a porta e elas ficaram a sós no consultório.

"Ah, sim. Está tudo bem," Hanika respondeu. Parecia nervosa, Sakura notou, inquieta. "Hum... Sei que tem pacientes te esperando lá fora, mas, se me permite, eu gostaria de conversar com você sobre um assunto que não está relacionado a minha saúde."

Sakura sentiu ume pedra de gelo descer até o seu estômago. Suspeitava qual era o motivo da visita da garota. "Eu não quero ser rude, Hanika, mas estou ocupada e não posso demorar muito."

"É rápido. Prometo."

Sakura suspirou e rodeou a sua escrivaninha para se sentar no seu lugar habitual. "Tudo bem. Sente-se."

Ela fez o que Sakura sugeriu, sentando-se na beirada da cadeira, como se estivesse desconfortável. Ela realmente estava nervosa.

"Eu vim falar sobre Sasuke-kun," ela anunciou de uma só vez, mordendo o lábio.

Sakura ergueu as sobrancelhas, como se estivesse surpresa, apesar de não estar. Talvez aquela fosse a hora para Sakura usar a sua carta de que estava ocupada e adiar aquela conversa. Desconfiava desde já que o seu coração acabaria saindo um pouco mais ferido dali.

"Aconteceu alguma coisa com ele?" Ela se fez de desentendida. Era óbvio que nada tinha acontecido com ele. Não seria Hanika quem a avisaria se algum problema tivesse ocorrido.

"Não, não aconteceu nada." Ela respirou fundo e colocou uma mexa de cabelo atrás da orelha. "Sakura-san, eu vou direto ao ponto. Você... você sabe que eu... gosto do Sasuke-kun, não sabe?"

Sakura engoliu em seco. Ela veio anunciar que eles estão namorando. Veio me golpear no meu território. "Eu me recordo de você ter mencionado algo à respeito."

"Certo. Bem, eu... hum... eu vim até aqui para saber se você ainda gosta dele, ou se tem algum sentimento por ele ainda, porque eu..." Ela respirou fundo novamente. "Eu sinto que eu e ele ficamos um pouco mais próximos depois da nossa missão juntos, e eu pensei que talvez eu estivesse pronta para falar dos meus sentimentos para ele."

"Mas eu tenho um respeito enorme por você, Sakura-san. Tenho uma gratidão e dívida eternas por tudo o que você me ensinou. Por isso, eu jamais tentaria qualquer coisa com o Sasuke-kun se você ainda sentir alguma coisa por ele, o que quer que seja. E-Eu só direi ao Sasuke-kun que gosto dele se tiver a sua permissão. Se for te chatear de algum modo, ele nunca saberá o que sinto por ele. Não vou tentar nada com ele até ter certeza de que não estarei te magoando."

Sakura ficou grudada no seu assento encarando a garota por quase um minuto sem dizer palavra alguma.

Ela poderia dizer a Hanika que, sim, ainda tinha sentimentos por Sasuke – apesar de dizer a si mesma o completo oposto. Sakura confiava na moça quando ela dizia que ficaria fora do caminho de Sasuke se Sakura se manifestasse contra. Se ela dissesse que ainda sentia algo por ele, Hanika sairia de cena, e Sakura não mais sentiria aquela tristeza e raiva profundas sempre que pensava nos dois juntos, e a sua vida seguiria adiante como se nada tivesse acontecido.

Mas isso não seria justo, seria? Não dizia a si mesma repetidas vezes todos os dias que os seus sentimentos por Sasuke tinham morrido junto com aquela garotinha de doze anos facilmente influenciável? Não dizia que todo aquele turbilhão de emoções que renasceu com a aproximação de Hanika não passava de um momento de transição na sua vida, de aceitação da possibilidade de Sasuke namorar uma mulher?

E se ele gostasse de Hanika? Ele tinha salvado a vida dela durante aquela missão. Talvez ele quisesse ter se aproximado de Hanika, como ela tinha relatado. Estaria Sakura arruinando um futuro relacionamento só porque está confusa?

Ela não conseguiria colocar a cabeça no travesseiro e dormir tranqüila sabendo que Hanika passaria um tempo indeterminado com aqueles sentimentos guardados por causa de Sakura.

Sakura não olhou para a moça quando disse: "Eu agradeço a sua consideração, Hanika, mas Sasuke e eu somos só amigos."

Hanika sorriu de orelha a orelha e se empertigou. "Então, não ficaria chateada se eu me confessasse para ele?"

"É claro que não."


Ela evitou Sasuke o máximo que pôde. Mas, quando Naruto prometeu que mudaria o dia dos jantares para outro qualquer que ela estivesse livre, ela não teve como fugir e, relutantemente, apareceu no Ichiraku.

Ela cumprimentou Sasuke cordialmente, tentando parecer incólume à presença dele, e se sentou ao lado de Naruto. Seria melhor se deixasse o loiro entre os dois.

"Sakura-chan, está tudo bem?" Naruto perguntou quando ela ficou calada pelos quase cinco minutos que o Uzumaki fez o seu monólogo.

Ela relanceou para Sasuke e viu que ele a observava, esperando a sua resposta. Ela voltou o seu olhar para a tigela intocada na sua frente. "Sim, Naruto. Só estou um pouco cansada." E ele voltou a conversar praticamente sozinho.

Sakura estava tão concentrada em tentar ignorar Sasuke a um metro de si que se assustou quando Naruto levantou-se subitamente do banco.

"Vou ao banheiro," ele disse, e Sakura teria dado tudo para que ele não fosse. Ela quase segurou a mão dele e implorou que ficasse, mas não conseguiria fazê-lo sem levantar desconfianças.

Ela e Sasuke ficaram em silêncio. Ela não se atrevia a falar. E se, acidentalmente, dissesse que estava sentindo coisas absurdamente estranhas quando pensava nele? E se dissesse que não gostava de tê-lo visto com Hanaki? Ele pensaria que ela era maluca – ou pior, que tivesse regredido para os seus tempos de genin.

Ela sabia que as palavras poderiam sair da sua boca com qualquer deslize. Estavam presas na sua garganta há tempo demais.

"Você está me evitando."

Ela deu um pulo no banco ao ouvir a voz dele – e, como era de se esperar, o arrepio na sua coluna apareceu.

Ela se atreveu a olhar para ele por um milésimo de segundo antes de voltar para a tigela de ramen frio. Lambeu os lábios secos antes de dizer: "Do que você está falando?"

"Você não tem vindo às reuniões."

"Estive ocupada."

"E não olha para mim."

Como que para provar que ele estava enganado – o que ele não estava, na verdade – ela encarou-o e sentiu as suas bochechas se queimarem.

"Vai me dizer o que aconteceu?" ele perguntou e, para o alívio de Sakura, antes que ela pudesse responder, Naruto estava de volta e tagarelando como sempre, sem perceber a tensão entre os seus dois companheiros de time.


Pela primeira vez em pouco menos de três semanas Sakura se sentia à vontade perto de Sasuke – ou melhor, não à vontade, mas capaz de suportar a presença dele sem entrar em combustão. Talvez porque Sai e Hinata se juntaram a eles no bar e Sakura teve desculpas para não prestar tanta atenção em Sasuke. Ela fingia estar totalmente compenetrada na conversa com Sai, Naruto ou a namorada dele, como se Sasuke não estivesse ali.

Ela estava se readaptando. Era o seu período de reabilitação, e estava tudo caminhando (lenta e dolorosamente) para a normalidade.

Mas o destino gostava de ser cruel.

"Sasuke, que surpresa te ver por aqui!"

Sakura engasgou com a sua bebida ao ouvir a voz de Hanika e recebeu tapinhas nas costas de Sai. Não é possível. O que aquela mulher estava fazendo ali? Viera até aquele bar em específico para acabar com a sua noite?

Pelo visto, sim.

Hanika tinha um sorriso enorme para Sasuke e brincava com os dedos das mãos, como se estivesse nervosa. "Hum, desculpe te incomodar, Sasuke-kun," por pouco Sakura não engasgou novamente ao ouvir como ela o chamava, "mas eu e os meus amigos estamos comemorando a minha promoção para jonin naquela mesa. Você não... hum... você não quer se juntar a nós?" Só agora ela pareceu perceber que tinha mais pessoas com Sasuke e se enrubesceu. "Quero dizer, todos vocês. Vocês querem sentar conosco?"

"Não," Sakura resmungou, mas a sua opinião foi abafada pelo "claro que sim, Hanika!" de Naruto e ela não teve outra escolha senão acompanhá-los até uma grande mesa no fundo do bar.

Eles se acomodaram com a nova jonin – Hanika fazendo Sasuke sentar, obviamente, ao seu lado – e as suas outras duas amigas e Sakura se viu obrigada a brindar o novo status dela sem ânimo algum. Bebeu o seu copo de saquê todo em um só gole. Pressentia que era altamente necessário que estivesse embriagada para agüentar aquela tortura.

Sakura colocava na mesa o seu terceiro saquê quando Hinata comentou: "É impressão minha ou a Hanika está interessada no Sasuke-kun?" Ao contrário da outra Sakura não se importava de ouvir Hinata chamando-o de Sasuke-kun. Ela adicionava o sufixo por educação – e não porque queria flertar com ele – na frente do nome de todos que respeitava.

Sakura deu de ombros. "Eu não percebi."

"Pois eu percebi!" Naruto exclamou de repente. Sakura nem ao menos tinha notado que ele prestava atenção na conversa. "Eu não sei o que ela viu em um idiota como o Sasuke, mas me parece que ela gosta mesmo dele."

"Outro dia ela comentou comigo que Sasuke a ajudou muita na última missão que concluíram juntos," Hinata continuou. "Ela disse ser muito grata a ele."

"Será que ela pode ser a nova namorada de Sasuke?" Naruto se questionou com um sorriso divertido. "Quero dizer, eu nunca vi Sasuke se sentando em uma mesa de garotas para comemorar a promoção de uma delas. Seria bom para ele. Só Deus sabe como ele precisa de uma mulher para colocá-lo na linha e diminuir esse nariz empinado dele. Acho que Hanika faria bem a ele."

Sakura queria vomitar.

"Ei, Sakura-chan, você não... não se importa com isso, certo? Disse que não gostava mais de Sasuke – o que, na minha opinião, é uma grande evolução da sua parte."

Sakura soltou um "pffff" alto e rápido demais, pedindo ao garçom mais uma garrafa de saquê. "É claro que eu não me importo, Naruto! Eu estou perfeitamente bem e contente com Sasuke ter uma nova namorada!"

"Isso o que usou para se expressar foi sarcasmo?" Sai, ao seu lado, perguntou, e recebeu de volta um olhar gélido de Sakura.

"Eu estava sendo sincera, Sai," ela disse por entre os dentes e entornou mais um copo.

"Tem certeza? O timbre da sua voz e a sua expressão facial coincidem com a descrição de 'sarcasmo' que li no livro que me deu."

"Sim, eu tenho certeza!"

"Então, está sendo sarcástica agora? Porque se você está usando o sarcasmo para dizer que não estava sendo sarcástica, concluo que estava sendo sarcástica na primeira vez."

Ela definitivamente precisava de mais álcool.

Sakura já não sabia quantos copos tinha bebido – talvez dez ou doze ou trinta – quando viu Hanika rir quase escandalosamente de algo que Naruto disse – e que nem foi tão engraçado assim, de acordo com Sakura – e colocou uma mão no braço de Sasuke.

E ele sorriu.

Não tirou a mão dela dali.

Isso já é demais para mim.

Ela se levantou da cadeira com brusquidão, esbarrando na mesa sem querer e por pouco não fazendo com que tudo em cima desta entornasse.

"Vou embora," ela anunciou e passou sobre os pés de Hinata e Naruto para sair dali – mesmo que o seu mundo girasse na mesma velocidade que o seu estômago.

"Sakura-chan, você está bem?" Naruto também se levantou com o cenho franzido.

"Estou ótima." Ela não sabia que a sua voz estava saindo embolada. "Nunca estive melhor em toda a minha vida."

Sasuke também ficou de pé. "Eu vou te acompanhar até em casa –"

"NÃO!" Ela de um grito tão alto e súbito que todos arregalaram os olhos em surpresa – inclusive o Uchiha. Ela apontou para ele. "Você... s... Vocês, todos vocês, vão ficar aí. Eu estou bem e vou para a minha casa. Feliz. Muito feliz. Muito satisfeita. Nunca estive melhor."

"Sakura-chan, eu acho que você está bêbada," Naruto comentou – como se não fosse óbvio.

Ela lançou um olhar mortal para o seu melhor amigo e cambaleou para trás. "Eu já disse que estou ótima."

"Feiosa, está esquecendo a sua bolsa." Sai ergueu o objeto, como se para provar o seu ponto, e foi atrás de Sakura. "Também estou indo embora."

"Você não vai embora, Sai!" Sakura protestou quando ele estava na sua frente, segurando a sua bolsa.

"Tenho uma missão amanhã."

Como a sua mente alcoolizada não conseguia contrariar aquele argumento, ela apenas o puxou pela camisa e caminhou em direção a saída, esbarrando em um garçom no meio do caminho e fazendo-o derrubar tudo o que tinha na bandeja. Ela não se importou.

"Por um acaso você está bêbado, Sai?" Sakura perguntou depois de andarem alguns poucos minutos em silêncio. As palavras deslizavam pela sua língua e a sua língua deslizava pela sua boca. Ambas pareciam escorregadias demais para que Sakura pudesse conduzi-las. "A sua casa é para lá." E apontou para o caminho oposto para onde iam.

"Eu sei. Mas eu li em algum lugar que é cavalheiresco acompanhar uma dama até a residência dela à noite." Ele segurou o braço de Sakura quando ela cambaleou para o lado.

"Eu não quero que você nem ninguém seja cavalh... cavo... cavalhos... isso que você falou, comigo! Eu sei cuidar de mim mesma e eu não estou bêbada! Eu estou ótima! Perfeita! Eu estou bem..." A voz dela começou a embargar e os seus lábios a tremerem. "Eu estou bem... Eu sei que estou bem..."

E ela começou a chorar.

Quando Sasuke os encontrou eles estavam em um beco. Ele podia sentir o cheiro de ácido e ouvir o choro e resmungos de Sakura de longe.

O coração dele pulou uma batida ao vê-la agachada, debruçada sobre o seu próprio corpo, chorando, vomitando e falando ao mesmo tempo. Sai segurava o cabelo e dava batidinhas desajeitadas nas costas dela. Seu rosto não mostrava qualquer sinal de que estivesse afetado pela cena.

"Há quanto tempo ela está assim?" Sasuke perguntou a Sai.

"Uns cinco minutos," ele disse, como se estivesse conversando sobre o clima.

Sasuke suspirou. "Vou buscar uma água."

Quando voltou, Sakura já tinha parado de vomitar e estava sentada na calçada com o rosto enfiado nas mãos, Sai ao lado dela.

Sasuke se agachou em frente a médica. "Sakura, você precisa beber um pouco de água."

Ela levantou o rosto molhado por lágrimas e aceitou a garrafa que ele oferecia sem encará-lo. Fungando e ainda soluçando um pouco, ela bebeu grande gole.

Foi quando ela estendeu a garrafa de volta para Sasuke que pareceu perceber quem ele era.

"Você!" ela gritou e quis se por de pé, mas Sai a segurou no lugar. "O que você está fazendo aqui, Uchiha Sasuke? Não deveria estar... estar com... aquelas pessoas?"

Sasuke não conseguia compreender a raiva e o desprezo na voz dela. Talvez fosse a bebida. "Vim ver se você ainda estava viva."

"Eu já disse que estou bem! Por que ninguém nessa merda de lugar acredita em mim?"

Sasuke balançou a cabeça em reprovação – do que, diabos, aquela mulher estava falando? – e segurou o braço dela, mas não por mais que dois segundos. Ela se desprendeu dele com uma rapidez maior do que a ele esperava de uma pessoa tão bêbada.

"Não me toque, Uchiha Sasuke!" ela gritou e, dessa vez, conseguiu se colocar de pé com a ajuda de Sai. "Você não pode me tocar! Você... eu não quero que você chegue perto de mim, está me ouvindo? Eu não posso mais ter você perto de mim!"

"O que há de errado com você, Sakura?" ele perguntou, irritado com a atitude dela. "O que foi que eu –"

"Me deixe em paz! Volte para aquela porcaria de restaurante!" Ela deu um empurrão no peito dele. Sai foi rápido para segurá-la antes que ela quebrasse algum osso do Uchiha. "Você não deveria ter saído de lá! Volte para lá para... para os seus amigos!"

Sasuke não sabia o que dizer. Não tinha a menor ideia da razão para Sakura estar agindo daquela forma. Por que só com ele? Por que ela não estava tentando assassinar Sai também? Ele olhou para o outro membro do Time Sete em busca de respostas, mas ele lhe respondeu com um dar de ombros. Também não sabia o que se passava na cabeça de Sakura.

"Eu não quero que você fique perto de mim," ela murmurou e voltou a chorar. "Eu não quero mais."

Sasuke rangeu os dentes. Queria chacoalhar aquela mulher maluca e exigir respostas para toda aquela raiva, mas corria o risco de sair gravemente ferido caso a tocasse. Ela estava furiosa e bêbada. Não mediria o seu chackra para batê-lo – e ele sabia do estrago que aqueles punhos eram capazes de fazer.

Ele olhou para Sai. "Leve-a para casa."

O ex-ROOT assentiu e pegou Sakura no seu colo. Ela o abraçou e escondeu o rosto no pescoço dele, chorando e resmungando coisas do tipo "ele é um idiota".

Aquela deveria ser a primeira vez que Sasuke desejava estar no lugar de Sai.


Sasuke estava esperando-os na porta do apartamento dela.

"Como ela está?" ele perguntou assim que Sai terminou de subir as escadas.

"Dormindo." Para a sorte de Sasuke. "Acho que ela se cansou de chorar, gritar e vomitar."

"Onde está a chave dela?" Sasuke se aproximou do casal e olhou para o rosto de Sakura. Ela, de fato, estava com os olhos fechados e prestes a babar na roupa de Sai.

"Na bolsa." E esta estava pendurada no braço de Sai.

Sasuke vasculhou aquele mundo sem fim que era a bolsa de uma mulher e teve mais trabalho do que em muitas missões para encontrar a chave. Ele abriu a porta para que Sai carregasse a mulher até o quarto – e Sasuke se perguntou como ele sabia onde era o quarto de Sakura.

Ele observou o ex-ROOT depositar a bêbada na cama delicadamente, algo que Sasuke nunca imaginou que Sai fosse capaz.

"Você pode ir para casa," Sasuke disse saíram do quarto de Sakura para deixá-la dormir. "Eu assumo daqui."

Sai parou o seu caminhar para ficar de frente para o Uchiha e Sasuke também se viu forçado a parar, cauteloso.

"Posso não compreender todas as facetas das relações sociais, mas eu não sou surdo," Sai disse. "Sakura disse que não te queria por perto."

Sasuke ergueu uma sobrancelha. "Ela estava bêbada. Não sabia do que estava falando." E ela não era a única. Sasuke não conseguiu entender o significado por detrás daquelas palavras nervosas.

"Eu li que bêbados tendem a perder a inibição. Eles falam e costumam fazer o que normalmente não falariam ou faziam caso estivessem sóbrios. Bêbados não mentem. Sakura estava sendo genuína. Ela não queria que você estivesse com ela."

Sasuke fechou os dedos sobre o punho e teve que se controlar para não deixá-lo acertar a cara de cera de Sai. "Você leu nesse mesmo livro que bêbados distorcem a realidade? Eu não fiz nada a ela. Ela devia estar imaginando."

"Independente disso, ela não estava satisfeita com você. Ela ficou repetindo que alguém era idiota sem parar, e eu só posso concluir que ela se referia a você." Sasuke engoliu em seco. Não podia contrariar Sai. Afinal, a única pessoa para quem Sakura direcionou uma fúria inexplicável era o Uchiha. "Não vou deixar você sozinho com ela desacordada."

Sasuke respirou fundo. O seu humor já estava anormalmente escuro depois de se encontrar com Sakura e a irritação dela por ele, e Sai não estava colaborando. "Se estiver insinuando que eu faria alguma coisa a ela –"

"Eu não insinuo nada. Estou afirmando que você pode machucá-la. Não seria a primeira vez."

Antes que Sasuke se desse conta do que fazia ele tinha a sua testa quase encostada na do seu desafeto, o seu sharingan ativado pela fúria. Ele bufava contra o rosto de Sai e este lhe retribuía com a usual indiferença. Ele não recuou nem um milímetro sequer.

"É melhor você dar o fora daqui, seu filho da puta, antes que eu suje o carpete de Sakura com o seu sangue."

Sai não mexeu um músculo.

"Ei, o que está acontecendo aqui?" Naruto apareceu absolutamente do nada para apartar a iminente briga, interpondo-se entre os dois. Sasuke estava tão concentrado em fazer Sai engolir as palavras que não notou o chackra de Naruto. Quando nenhum dos dois responde, o loiro continua: "De onde eu estava dava para ver que vocês estavam prestes a se beijarem ou se matarem, e eu sinceramente não sei o que é pior. Qual é o problema de vocês? E onde está Sakura-chan?"

Como os maxilares de Sasuke estava tensos e os seus dentes cerrados, impossibilitando-o de abrir a boca, Sai respondeu por eles. "Ela está dormindo. E não há problema nenhum. Eu só não quero deixar o Uchiha sozinho com Sakura." Sasuke teve que olhar para o teto para recobrar a calma.

Naruto enruga a testa, alternando o olhar entre os outros dois. "Por que Sasuke ficaria com a Sakura-chan? E por que você não quer deixar que isso aconteça?"

"Porque ele é um imbecil!" Sasuke respondeu por entre os dentes.

"Porque ela disse com todas as letras – e o Uchiha ouviu – que não queria tê-lo por perto. Como Sakura não está em condições de satisfazer as suas próprias vontades, estou aqui para fazê-lo."

Sasuke queria se acalmar, mas o idiota na sua frente tornava essa tarefa impossível cada vez que abria a boca. "Eu não vou machucá-la."

"O seu histórico não é muito favorável."

Sasuke dá um passo em direção a Sai – dessa vez iria acertá-lo – mas Naruto se colocou no seu caminho novamente.

"Tudo bem, já chega!" o futuro Hokage gritou, abraçando a cintura de Sasuke para contê-lo.

"Que merda você pensa que é para me julgar?" O Uchiha ignora o aperto do seu amigo para rugir.

"Sasuke, eu já disse que já chega!" Dessa vez, Naruto teve que usar um pouco mais de força para recuar o seu amigo contra a vontade deste. "Você não vai brigar com o Sai, ainda mais no apartamento da Sakura-chan e a essa hora da noite, está me ouvindo?"

Sasuke recuou, apenas porque não queria destruir o apartamento de Sakura. Ela já estava furiosa com ele, sabe-se lá por quê. Não iria dar mais um motivo para alimentar a ira dela.

Naruto suspirou aliviado por seu amigo ter se tranqüilizado. Teria muito trabalho em contê-lo em um espaço tão pequeno sem danificar os pertences de Sakura. Ele se virou para Sai, que permaneceu imóvel, como se há dez segundos ele não estivesse perto de se engajar em uma briga com um dos shinobis mais fortes de Konoha.

"Sai, eu entendo a sua preocupação –" Naruto começou a dizer, mas foi interrompido por Sasuke.

"Você entende? Que porra é essa, seu idiota? Eu não sou um motivo de preocupação!"

"—mas Sasuke não vai machucá-la. Ele é um imbecil, mas não machucaria a Sakura-chan. Dou a minha palavra."

Sai pareceu ponderar por alguns instantes antes de dizer: "Eu não vou sair daqui enquanto ela não acordar."

"Tudo bem. Nada proíbe que os dois fiquem – é claro, se ficarem de bico calado e pararem de discutir." Ele olhou para os dois. Céus, parecia uma mão repreendendo dois filhos briguentos. "Agora, vamos para a sala. Ninguém vai ficar parado aqui em pé a noite inteira."

Relutantemente os três homens seguem a ordem de Naruto se sentam no sofá da sala de Sakura, o loiro, obviamente, entre os dois. Completamente à vontade na casa da sua amiga, Naruto pegou o controle da TV da mesa de centro e ligou o aparelho para preencher o silêncio que os outros dois deixavam.

Alguns minutos de relativa paz haviam se passado até Naruto perguntar a Sai: "Você não tinha uma missão de manhã?"

O ex-ROOT deu de ombros. "Posso me atrasar."

"Por que não faz o seguinte? Vá para casa. Descanse antes da sua missão. Eu ficarei aqui no seu lugar observando Sasuke." Naruto recebeu um olhar gélido do homem em questão e levanta uma mão antes que o Uchiha pudesse protestar. "Vai ficar tudo bem. Pode passar aqui antes de sair para a missão para se certificar de que a Sakura-chan ainda está inteira."

Sai demora a aceitar a sugestão, mas é o que acaba fazendo. Tinha coletado dados suficientes para concluir com precisão que Naruto não deixaria que nenhum mal acontecesse a Sakura mesmo com o traidor presente.

"O que foi aquilo?" Naruto perguntou quando ficaram a sós. "O que ele disse sobre a Sakura-chan não querer ficar perto de você é verdade?"

Sasuke pressionou os dedos contra os seus olhos fechados em busca de paciência. "Eu não sei porque ela disse aquilo."

"O que foi que você fez dessa vez?"

"Eu não fiz porra nenhuma!" Sasuke se defendeu. "Ela está agindo estranho comigo há dias e eu não sei a merda do motivo." Ele pensou duas vezes antes de fazer a próxima pergunta. Não queria soar fraco ou desesperado, mas a sua mente não conseguia mais formular outras hipóteses plausíveis para o comportamento de Sakura. "Você sabe de alguma coisa?"

"Sobre a Sakura-chan?" Sasuke ergueu uma sobrancelha em exasperação para o seu amigo. "Como eu posso saber de alguma coisa se nem você que fez a merda sabe que merda é essa?"

"Ela pode ter comentado alguma coisa com você, idiota!"

"Bem, ela não me disse nada," Naruto respondeu. "Mas isso é um bom sinal. Ela teria conversado comigo se você tivesse feito alguma coisa muito grave."

"Eu não fiz nada." Ele já estava cansado de repetir isso.

"Alguma coisa você deve ter feito, Sasuke. A Sakura-chan não é do tipo de pessoa que fica com raiva da outra por besteiras pequenas. Você xingou a mãe dela, falou que ela estava feia ou algo do tipo? Mulheres tendem a ser bastante sensíveis nesse aspecto –"

"Cale a boca."


A.N.: Essa é uma oneshot de Naruto que estava mofando no meu computador e eu resolvi revivê-la. Porém, ela agora é uma two-shot , porque, como sempre, eu nunca acerto as minhas previsões de quando as minhas fics vão acabar. Elas são sempre maiores do que eu imaginava.

Espero que gostem!