Bem queridos, nova adaptação na área. Esse é um dos meus livros preferidos e o amor que tenho por ele e por toda a saga é enorme. Espero que vocês também gostem bastante!
Para vocês não se enrolarem durante a trama, Tsunade é a Deméter, deusa da colheita. Hana, uma personagem criada por mim, é Perséfone. Shizune no livro é chamada de Irene e creio que não seja uma deusa maior, então ela ficará com esse nome sempre. Enfim, boa leitura!
- Mesmo em meio ás Dríades, sua linda filha brilha, minha senhora. – Shizune disse, sem olhar para mim enquanto falava. Ao contrário, sorria para Perséfone de uma forma orgulhosa e maternal, e não percebeu que meus lábios se apertaram numa linha fina.
- Ela é a personificação da primavera. Nem mesmo a beleza das ninfas pode competir com tal esplendor.
Ao som da minha voz, Shizune transferiu para mim seu olhar penetrante. Minha fiel ama me conhecia havia tempo demais para não reconhecer meu tom.
- A menina tem lhe preocupado, Tsunade? – perguntou suavemente.
- Como não poderia?
Apenas o silêncio de Shizune traiu sua mágoa.
Mudei o cetro de ouro da mão direita para a esquerda e me inclinei para a frente, de modo a lhe tocar o braço em um pedido de desculpas silencioso. Como de costume, ela estava próxima do meu trono, sempre pronta a me servir.
Mas, naturalmente, eram muito mais do que uma simples ama ou criada. Era minha confidente, uma das minhas conselheiras mais leais e, como tal, merecia ser tratada com respeito. O tom áspero que eu havia usado fora apenas um sinal de como eu estava esgotada. Com o meu toque, seus olhos cinzentos se desanuviaram, compreensivos.
- Gostaria de vinho, Grande Deusa?
- Para nós duas.
Eu não sorri. Não era do meu temperamento.
Ela, contudo, compreendia tão bem a mim e ao meu humor que muitas vezes apenas um olhar ou uma só palavra era suficiente entre nós.
Observei minha filha enquanto Shizune ia buscar o vinho. A pequena campina de Nysaian tinha sido a escolha perfeita para passarmos a tarde inexplicavelmente quente. Perséfone e suas amigas, ninfas da floresta, complementavam a beleza que nos rodeava.
Embora o dia estivesse agradável, as árvores que cercavam a clareira já começavam a se despir de suas vestes de verão, e assisti a Perséfone rodopiar alegremente sob um carvalho antigo, brincando de tentar apanhas as folhas coloridas que caíam. As ninfas ajudavam a jovem deusa, dançando nos galhos de forma a garantir uma cascata constante de laranja, vermelho e ferrugem.
Como de costume, Shizune tinha razão. As Dríades da floresta eram etéreas e delicadas; cada uma delas, uma verdadeira obra-prima. Não admirava que os mortais as considerassem irresistíveis.
Mas, quando comparadas à minha Hana, a beleza delas se tornava comum. Em sua presença, as ninfas não passavam de simples criadas. Os cabelos de minha filha cintilavam como mogno polido, o que nunca deixou de me surpreender porque sou loira demais. Também não cacheavam como a minha cabeleira clara. Em vez disso, eram uma massa espessa de ondas brilhantes que circundavam a curva suave de sua cintura. Sem dúvida percebendo minha vigilância, Hana acenou alegremente antes de apanhar outra folha aquarelada. Seu rosto se inclinou em minha direção. Era um coração perfeito. Os olhos enormes, cor de violeta, eram emoldurados por sobrancelhas arqueadas e espessos cílios escuros. Os lábios eram cheios e convidativos e o corpo, bastante ágil.
Senti meus lábios curvarem-se para baixo.
- Seu vinho, minha senhora. – Shizune me ofereceu um cálice de ouro, cheio de vinho fresco, da cor da luz solar.
Bebi, pensativa, expressando meus pensamentos em voz alta, na certeza de que estes permaneceriam com minha ama.
- É claro que Hana é suave e encantadora... Por que não seria? Passa o tempo todo brincando com ninfas e colhendo flores.
- Também prepara banquetes divinos.
Fiz um barulho pelo nariz muito pouco adequado a uma deusa.
- Sei muito bem que ela produz verdadeiras obras de arte culinárias, mas, em seguida, se refestela por horas com essas... – fiz um gesto na direção das Dríades – semideusas.
- Ela é muito amada – Shizune me lembrou, paciente.
- Ela é fútil! – repliquei, severa.
De repente, fechei os olhos e me encolho ao ouvir outra voz soar em minha cabeça com a insistência de um clarim:
Deusa sábia, forte e justa, amante dos Campos, Frutas e Flores, eu te peço! Ajuda o espírito de nossa mãe que ronda, inquieto e sem o conforto de uma divindade, pelos Domínios da Escuridão...
- Deméter, você está bem? – A preocupação de Shizune interrompeu a súplica, fazendo a voz se dissipar como poeira ao vento.
Abri os olhos e encontrei seu olhar.
- Isso não acaba nunca.
Mesmo enquanto eu falava, outras vozes preenchiam minha mente:
Ó, Deméter, nós te imploramos que a nossa irmã que seguiu para o Além receba o teu conforto de deusa...
Ó, bondosa senhora, que concede vida por meio da colheita, peço a tua clemência para a minha amada esposa, que atravessou os Portais do Submundo e o habita eternamente, sem o conforto de uma divindade...
Com muito esforço, bloqueei o tropel em minha cabeça.
- É preciso fazer algo quanto a Hades. – Minha voz soou dura. – Eu compreendo os mortais. Suas súplicas são válidas. É fato que não existe nenhuma deusa do Submundo. – Fiquei em pé e comecei a andar de um lado para o outro com frustração. – Mas o que devo fazer? A deusa das Riquezas do Campo não pode abandonar seus domínios e descer para o Reino dos Mortos.
- Mas os mortos também demandam o toque de uma deusa – Shizune acrescentou com firmeza.
- Eles precisam de mais do que apenas o toque de uma deusa. Precisam de luz, de atenção e... – Minhas palavras se desvaneceram quando o riso de Perséfone preencheu a campina. – Eles precisam do sopro da primavera.
Shizune arregalou os olhos.
- Não está falando da sua filha?
- Por que não? Luz e vida acompanham essa menina. E é exatamente isso o que falta naquele reino sombrio.
- Mas ela é tão jovem!
Senti meu olhar mais brando ao observar Perséfone pular um riacho estreito e correr a mão sobre um canteiro seco de flores do campo, as últimas da estação. No mesmo instante, os caules se encheram de vida, se aprumaram, e desabrocharam em lindos botões.
Apesar de seus defeitos, ela era tão preciosa, tão cheia de alegria de viver!
Eu não tinha dúvida de que a amava muito. Tanto que, muitas vezes, me perguntei se a minha devoção a impediu de se tornar uma deusa em seu próprio reino.
Endireitei os ombros. Já passara da hora de eu ensinar à minha filha a voar.
- Perséfone é uma deusa.
- Ela não vai gostar de sê-lo.
Apertei os lábios com firmeza.
- Ela obedecerá às minhas ordens.
Shizune abriu a boca como se quisesse falar. Então, pareceu mudar de ideia e bebeu um bom gole do vinho. Eu suspirei.
- Sabe que pode se abrir comigo.
- Eu só estava pensando que não seria uma questão de Hana obedecer aos seus comandos, e sim... – Shizune hesitou.
- Ora, vamos! Diga-me o que está pensando.
Ela pareceu um tanto desconfortável.
- Deméter, sabe que amo Perséfone como se ela fosse minha própria filha.
- Sim, sim. Claro que sim. – assenti, impaciente.
- Ela é encantadora e cheia de vida, contudo é um pouco superficial. Não acho que tenha maturidade suficiente para ser deusa do Submundo.
Uma resposta malcriada veio à minha mente, porém a sabedoria segurou minha língua. Shizune estava certa. Hana era uma deusa bela e jovem, entretanto sua vida tinha sido muito fácil, cheia de prazeres.
E por minha culpa. Minha filha mimada era a prova de que até mesmo uma deusa podia errar como mãe.
- Concordo, minha velha amiga. Antes que Perséfone se torne deusa do Submundo, precisa amadurecer.
- Talvez ela devesse passar algum tempo com Atena. – sugeriu Shizune.
- Não. Isso só a ensinaria a se intrometer nos problemas dos outros.
- E com Diana?
Fechei a cara.
- Acho que não. Eu gostaria de ser abençoada com netos algum dia. – Estreitei os olhos. – Não. Perséfone precisa crescer e ver que a vida nem sempre é preenchida com os prazeres e luxos do Olimpo. Precisa ter responsabilidade, mas, enquanto puder contar com o poder de uma deusa, enquanto for reconhecida como minha filha, ela nunca vai aprender.
De repente, eu soube o que deveria fazer.
- Tsunade? – Shizune me observou, ressabiada.
- Há apenas um lugar onde Perséfone aprenderá a ser uma deusa... Mas onde precisará aprender, primeiro, a ser mulher.
Shizune recuou, o rosto assumindo uma expressão horrorizada conforme começou a compreender o que se passava em minha cabeça.
- Não vai mandá-la para?
- Ah, vou. É exatamente o lugar para onde ela deve ir.
- Mas eles não a conhecem. Não sabem nem mesmo quem a senhora é! – Shizune franziu a testa já muito enrugada.
Senti meus lábios curvando-se em um dos meus raros sorrisos.
- Isso mesmo, minha amiga. Isso mesmo.
