Quando eu acordei, ainda podia sentir a respiração compassada dele perto do meu ouvido. Estava adormecido. Senti o peso daquela respiração tão calma recair sobre mim mesmo, eu não iria conseguir. E sabia disso. Tentei não pensar a respeito, pois sabia que se o fizesse eu iria acabar desistindo, e não era o tipo de decisão que se tem de uma hora para outra. Demorou, e como demorou. Eu desde o inicio fui contra, mas os argumentos que os outros membros da banda tinham me imposto, fizeram com que os meus parecessem apenas vontades bobas de alguém apaixonado. Não era justo. Não comigo. Não se chega para alguém e pede para essa pessoa escolher entre a pessoa que ama e banda que é o projeto de sua vida. Não é justo.

Não podia mais ficar ali, tão perto dele, sentindo o calor de seu corpo, sua respiração e seu cheiro, sem que tudo isso me confundisse, e eu quisesse mandar tudo a merda e cair novamente sobre ele. Então, tinha acabado de decidir tomar um banho e já me preparava para levantar quando senti um movimento a minha direita e percebi que o ritmo de sua respiração tinha se alterado; ao mesmo tempo em que um de seus braços me enlaçava na altura da cintura.

- Onde pensa que vai? - ele soltou essas palavras tão perto do meu ouvido que eu quase podia sentir sua língua em contato com a minha pele. Aquilo me fez sentir arrepios.

Sem que eu quisesse, ou pudesse segurar, um sorriso escapou-me aos lábios e virei-me para encará-lo de frente. Agora estávamos frente a frente, ele ainda mantinhas os olhos cerrados, num topor de sonolência, totalmente o contrário do que o resto de seu corpo demonstrava, enquanto ainda me mantinha enlaçado tão perto.

- Tomar um banho. - Consegui dizer, mas aos poucos o que me restava de razão ia esvaindo-se à medida que ele massageava minha cintura com as pontas dos dedos quentes.

- Hum, posso ir com você? - Perguntou-me, e sinceramente, eu não soube o que lhe responder. Sabia que isso só iria tornar as coisas piores, mas o meu corpo não media as conseqüências, é claro que eu o queria.

- Mana? - Chamou-me mais uma vez, e eu juro que se eu pudesse, eu o teria ignorado, mas não ali, não naquelas condições, não com ele descendo sua mão na direção das minhas pernas...

- Hum...? - isso saiu quase como um gemido.

- Deixa eu ir tomar banho com você? - e tudo que eu conseguia pensar era em sua mão brincando em minhas coxas.

- Claro... - minha razão estava nocauteada.

Ele de repente tirou sua mão do contato com a minha pele e levantou-se, ficando sentado de costas para mim na beirada da cama. Juro, eu tinha a visão mais maravilhosa que qualquer fan poderia desejar, mesmo em seus sonhos mais pervertidos. Os ombros dele eram delineados e as curvas seguiam numa harmonia perfeita, contornando suas costas e indo parar no começo do quadril. Não conseguia ficar irritado com ele por ter me deixado de repente, sabia que o que eu iria perdir-lhe era tão ruim quanto o que ele acabara de me fazer.

Acompanhei-o com o olhar enquanto ele contornava a cama e ia na direção do banheiro. Perfeito. Como sempre. Eu estava apaixonado. Ouvi distante o som de água batendo contra azulejo, e sua voz soando abafada.

- Você não vem? A água tá esquentando...

Suspirei, ia ser mais difícil do que eu jamais tinha previsto, eu não ia conseguir faze-lo. Levantei-me cansado pela situação toda, e caminhei até o banheiro. O piso já estava umedecido pelo vapor que saia do chuveiro, e mesmo assim, mesmo através do vapor, mesmo através do vidro, eu podia ver mais uma vez os seus contornos, agora escorrendo gotas de água. Tentei colocar minha cabeça em ordem, já prevendo que não iria funcionar, e fui na direção do box, empurrando suavemente a porta. Ele sorriu para mim embaixo de uma cortina de água, então me puxou para baixo da água ao mesmo tempo que me abraçava e beijava meu pescoço.

- Dormiu bem? - sussurrou entre um beijo e outro.

Eu não pude me conter e o enlacei pela cintura como fizera comigo. - Não... você não deixou lembra?

Ele soltou uma risada baixinha, ainda beijando meu pescoço. – É por isso que parece tão incomodado?

Droga, eu deveria prever. Ele sabia que alguma coisa estava errada, talvez as minhas tentativas tão frustradas de demonstrar justamente o contrário. - Coisas da banda, eu precisava falar com você sobre...

Ele me interrompeu com um beijo. Daqueles eróticos mesmo, como se quisesse reforçar que nós dois juntos em baixo do chuveiro decididamente não era o melhor lugar para falar de trabalho. Pressionou-me contra a parede, que estava gelada e o choque térmico fez com que eu me arrepiasse. Ele parou de me beijar e riu, passando a mão sobre o meu braço e indo na direção do meu rosto onde parou, e ficou assim mesmo, segurando meu rosto em suas mãos ao mesmo tempo em que me encarava sorrindo. Ainda me pergunto se alguma vez ele levou qualquer coisa que houve entre nós a sério o suficiente.

- Depois a gente conversa sobre trabalho. – Disse enquanto deslizava a outra mão pelo lado direito do meu corpo e indo parar na cintura. - Às vezes eu não consigo, sabe, fico te olhando durante os ensaios, os shows, às vezes que você se joga em cima de mim, e muitas vezes eu não consigo me segurar, a minha vontade e te agarrar na frente de todo mundo e ficar assim, que nem estamos agora.

POR QUE ele tinha que falar isso JUSTO agora! Não podia ser real, não, definitivamente, eu estava vivendo um pesadelo fantasiado de sonho, ou justamente o contrário. Fechei os olhos e virei o rosto de lado, tudo para não ter mais que encarar ele, era minha tortura. Meu corpo e o dele já estavam começando a responder o contato tão próximo e tão intenso, eu sabia muito bem onde isso iria terminar, sabia e não queria fazer nada para mudar, mesmo que depois eu me arrependesse. Talvez essa fosse a última vez que estaríamos assim, tão unidos, eu não podia prever como ele iria reagir a noticia, e tinha medo de tentar. Eu não queria que tudo terminasse.

Provavelmente ele deve ter estranhado a minha reação, mas optou por ignorá-la e aceitou como se eu estivesse oferecendo meu pescoço e tórax a ele. Começou a beijar novamente, dessa vez descendo pelo meu peito e abdômen...

- Camui, pare... – consegui sussurrar. Isso pareceu chamar-lhe a atenção pois ele voltou a me encarar levemente sério.

- O que foi? Não gosta mais disso? – Perguntou-me com um sorriso, mas as mãos haviam tomado o lugar dos beijos num movimento excitante no meu baixo ventre.

- Não é isso... é que... – Ele parou de me acariciar, e colocou as duas mãos apoiadas na parede do lado do meu rosto.

- O que foi Mana-chan? - Chamou-me, mas eu pude sentir certo sarcasmo em sua voz.- Não te agrado mais, é isso?

- Não, por Deus, não... – Eu tentei começar, procurando uma explicação para justificar minha reação. Eu não tinha como lhe dizer que o queria, ao mesmo tempo em que cada vez que ele ficava mais perto, eu sabia que seria mais difícil para dizer que teríamos que nos separar, de certo modo...

- Você me quer então? - Disse ele se aproximando e sussurrando isso no meu ouvido.

- É... claro... que eu quero. – Disse-lhe. Era nada mais do que a pura verdade, ele estava tão próximo agora que podia sentir seu coração pulsando perto do meu peito. Ele sabia como eu o queria, eu demonstrava isso, ele também, a diferença é que ele sabia jogar muito melhor do que eu...

- Então peça... – Disse-me sorrindo, enquanto encostava nossos corpos e fazia um movimento lento, de um lado ao outro, como se estivesse tentando me conquistar com alguma espécie de dança. Era totalmente desnecessária, na minha sincera opinião.

- Eu quero você Camui... amo você. – Soltei essa declaração, que soou com tom de despedida, ainda de olhos fechados, mas mesmo assim, era como eu sentisse sua boca se abrindo num tímido sorriso.

Ele se colocou dentro de mim devagar, como sempre fazia, exceto talvez nas noites mais desesperadas quando procurávamos um ao outro. Mas hoje não era noite, não estávamos desesperados. Era dia, e eu estava desesperado.

Não precisou de permissão alguma para continuar, sabia muito bem que eu já havia lhe concedido há tempos. Nesse momento, eu consegui tirar tudo da minha cabeça que andava me incomodando, a banda, os problemas, a separação, tudo. Só pensava nele, e em como eu o amava. Como me fazia bem esse contato todo que tínhamos, e de como eu não seria o mesmo se isso acabasse. Ele estava ali tão perto, tão anestesiado, e por minha causa. Verdade seja dita, nós nos completávamos. Eu o abracei e me agarrei as suas costas enquanto ele continuava com os movimentos, não havia dor, não havia nada, apenas eu e ele em êxtase. Queria que tudo tivesse terminado assim, desse jeito mesmo, da forma mais "suja" e pervertida que se pode amar uma pessoa, sem lágrimas, sem ressentimento.

A minha consciência voltou logo depois do ponto alto do meu prazer. Veio arrebatadora e violentamente verdadeira. Ele estava cansado, eu podia perceber, mas alinhou-se confortavelmente no meu pescoço fazendo com quem mais do que nunca eu sentisse seu coração batendo acelerado perto do meu que batia da mesma forma, mas por motivos completamente diferentes. Eu o abracei forte mais essa vez, enquanto pensava quanto tempo poderia ficar assim, sem que nada mudasse, talvez... para sempre?

Ele virou-se para mim, e me beijou novamente de forma obscena, e eu me sentia culpado. Provavelmente por estar enganando ele fingindo que estava tudo bem, talvez por estar ME enganando fingindo que estava tudo bem.

Então ele saiu dos meus braços e mergulhou a cabeça em baixo da ducha, estava ligeiramente avermelhado, virou-se para mim, sorriu e me roubou um beijo. E antes que eu pudesse acrescentar algo, ele pegou a toalha e saiu para se secar, me deixando mais uma vez para trás, sozinho com meus pensamentos.

- Se você quer conversar antes de sair é melhor se apressar. – Disse enquanto se secava. – Não vai querer chegar atrasado na reunião da banda certo?

Sorri – É você quem sempre chega atrasado, não eu... – E terminei de tomar banho, tentando adiar o momento em que eu diria a ele que dessa reunião ele não faria mais parte.

Quando sai do banheiro, enrolado na toalha, ele já estava pronto e vestido me esperando sentado em nossa cama, digo, minha cama. Ele sorriu para mim maliciosamente, provavelmente pensando coisas pervertidas ao me ver só de toalha. Mas nessa hora o líder de banda falou mais alto do que o guitarrista apaixonado, eu passei reto por ele sem lhe devolver qualquer sinal, e me dirigi direto para o armário para me vestir. Sinceramente, não me prendi a detalhes da roupa, eu sempre fui vaidoso, verdade, mas não hoje. Então coloquei algo casual e enquanto terminava de me arrumar, ele veio por trás e me abraçou.

- Vamos chegar atrasados e juntos. Acho que o pessoal já reparou que tem algo estranho entre nós. – ele disse, mas eu sabia que isso não lhe preocupava de forma alguma.

- Gackt. – Virei-me e afastei-o de perto de mim. Ele estranhou e ficou sério, mas suas feições logo desmancharam para um sorriso descontraído.

- Ah certo, o papo sobre trabalho. Agora é a hora certa, não é mesmo? – perguntou-me se jogando na cama.

- É, agora é a hora para falar sobre o trabalho. – Disse-lhe, mas não consegui lhe encarar nos olhos, ele com certeza devia ter reparado.

- O que foi? Alguém reclamou de mim novamente? É sobre os atrasos? Eu já lhe disse por que eu chego atrasado, e achei que qualquer outro problema que algum deles tivesse comigo poderiam virdiretamentea mime não ficar te enchendo para ... – Disse ele sem paciência.

- Nós conversamos. – Interrompi. – Eu e o resto da banda...

- Vocês? Quando? – O clima do ambiente era totalmente profissional, isso me incomodava.

- Ontem. À tarde. – Respondi.

- E por que eu não fiquei sabendo dessa reunião? - Sabia como ele se sentia. Traído.

- Porquê... – Respirei profundamente, olhei para a janela, tentando ser o Mana profissional que a ocasião exigia. - Porque a conversa era sobre você.

- Que novidade, e o que foi dessa vez Mana? – Disse ele com os olhos fixos em mim.

- Nós decidimos, Gackt, que... - Eu não podia dizer isso, não ia conseguir.

Ele levantou-se e me segurou pelos braços forçando-me a olhar para ele.

- Decidiram o quê? – Perguntou-me sério.

Aquilo fez com que eu me desse conta que não mais estava lidando com o Gackt meu amante, mas com o cantor preocupado com a sua carreira. Isso fez com que eu também colocasse todos os meus sentimentos de lado e o encara-se, como o líder da banda.

- ...que você não mais corresponde as expectativas do Malice Mizer, nós queremos entrar numa outra fase na qual você não se encaixa. Sinto muito, como o líder da banda, eu tenho o dever de te informar que você não faz mais parte do Malice Mizer. – Viu? Foi fácil. Totalmente profissional. Engraçado são essas lágrimas que começavam se formar em meus olhos enquanto eu lhe falava.

Ele me soltou e recuou um pouco, totalmente chocado. Minha pergunta era se ele iria começar a rir da minha cara e perguntar se aquilo era outra piada sem graça. Então eu não iria saber como reagir, devo assumir. Mas para meu desespero e surpresa, ele deu as costas e saiu caminhando rápido na direção da porta, corri e alcancei-o antes que chegasse à entrada. Ele virou-se para mim com um olhar de puro ódio, logo para mim! Se acaso ele soubesse o quanto isso me incomodava, o quanto eu não queria! Ficamos ali parados, nos encarando, eu podia perceber que a cada segundo ele se controlava para não despejar um mar de coisas em cima de mim.

- Gackt... eu... não veja dessa forma. – Tentei ao menos amenizar a situação. - Pense que... que agora podemos ficar juntos sem ter que nos preocupar com os outros!

Essa frase pareceu não surtir efeito algum sobre ele, a não ser ao fato que ele puxou o braço do meu contato e saiu do apartamento sem sequer olhar para trás. Essa foi a última cena que eu gravei dele dos dias que éramos amantes: dele indo embora, como se o tempo que tivéssemos passado juntos não tivesse significado algum, e mais uma vez me deixando para trás, sozinho. Mas dessa vez eu tinha a nítida sensação de que não era só até eu cruzar a porta do quarto, dessa vez, era mesmo para sempre.