O OVO VERDE
Na época que Farinelli era vivo, por volta do século XVII, um jovem compositor chamado Adan Axley, promissor inglês de gostos estrangeiros, apaixonou-se pelas óperas do belo cantor lírico. Tal foi sua admiração que Farinelli, com sua voz de exótica ave do paraíso, tornou-se sua obsessão... Dia e noite ele compunha para ele, sem o conhecimento do mesmo, sem nunca se aproximar. Levado pela ilusão de que um laço invisível unia seus destinos irrevogavelmente, ele só precisava de tempo para provar isso à sua bela ave...
Quanto mais Axley se embrenhava em seus estudos e composições, mais arriscado se tornava. Ele estava envolvido agora com magia negra, os quartos de sua casa atulhavam-se com objetos com as mais detestáveis formas, de funções misteriosas. Também livros, de todas procedências e línguas, narrando velhos contos sobre deuses alienígenas, raças extintas, fatos duvidáveis e macabros.
Um dia ele compôs a musica perfeita, a obra prima da insanidade...e a todo custo tentava alcançar Farinelli que lhe corria de Genova para Paris, e de lá pela Europa toda, atormentado por não poder dar a sua amante o prazer que ela merecia em seu estado de eunuco.Tal era sua insatisfação que começava a enlouquecer...
Certa tarde, Farinelle estava a descansar em seu chatto de Meson, Uma partitura lhe chegou as mãos. Mas a essa altura nada mais o interessava, ele bebia e cantava freneticamente as composições que seu irmão lhe criava. Nada o acalmava, andando, de um lado a outro ele mesmo sentou-se no belo piano de cauda, pondo-se a dedilhar a partitura suja que tanto teimava em lhe chamar a atenção abandonada entre seus papéis. Tamanho foi seu desespero e paixão ao incitar os acordes monstruosos que os empregados, apavorados, correram a acudi-lo, pois seu canto não mais era canto, havia se transformado em gritos horrendos...
Farinelli enlouqueceu e desapareceu na floresta levado pela loucura. Era o que todos diziam, pois na verdade ele sumiu sem explicações. Apenas a partitura restou. e foi devolvida a quem a mandou com desculpas formais, pois o cantor não mais se encontrava em parte alguma para ouvi-la...
Axley, num ataque de frenesi, a rasgou, chorou e bebeu, e nos seus sonhos sonhou com Farinelli...
Neles, em meio a um vasto campo de vasta e densa névoa, a figura congelada, bela e irreal de seu belo cantor, estava presa numa maldição eterna. Ele lá, o olhava e gritava sem vós juras de maldição e ódio, o culpando por sua desgraça. Para sempre, naquela posição, de bailarino. O que era antes uma visão de seus palcos dourados, agora era seu pesadelo eterno, pois a macabra canção do compositor havia invocado Hypnos, o guardião do reino dos sonhos.
"Jovem como a vida, além de todo tempo. Bela, beata face, lábios recurvados que sorriam eternamente, o venerável Deus do Olimpio, com densos cabelos presos numa coroa de louros, esse era Hypnos"
Então o compositor acordou.
Ele desesperado tentou resgatar seu cantor, mas ele estava perdido para sempre. Como narrado nos velhos livros, o Deus louco vez por outra raptava incautos viajantes dos reinos dos sonhos para sua macabra coleção.
Para tê-lo sempre junto a si o compositor esculpiu uma delicada estátua, e construiu para guarda-la numa caixa de música perfeitamente ovalada decorada com belos desenhos de ninfas e seres mistérios que cobriam os céus. Poderiam ser anjos, demônios ou as formas misteriosas dos livros de Abdul. Como numa curiosa pintura que misturava a Grécia a tempos remotos de gigantes extintos. Tais pinturas, eram um alerta aos mais letrados nas velhas escrituras.
Mas, ao abrir pela primeira vez seu pequeno mimo, onde sua estranha música se dá num repetir vezes e vezes sem parar, Axley foi atraído irremediavelmente pela bela voz do cantor enraivecido que também vinha junto á música como um maldição. Assim ele impunha sua vingança ao compositor, o atraindo para seus braços, para sua própria armadilha, o aprisionando em seu reino de sonhos.
O compositor e o belo cantor jamais foram vistos novamente, mas a lenda que roda o pequeno ovo de pinturas verdes e roxas, está registrada no velho diário do compositor louco, que se encontra no museu da Universidade de Miskatonic, New England, Massachusets...
