O mundo não precisa de heróis.

Precisa de assassinos.

É pra isso que a Irmandade existe: para trazer luz a um mundo mergulhado em trevas.

Apenas três regras devem ser tidas como absolutas:

1- Manter sua lâmina longe de um inocente;

2- Manter-se escondido em meio à multidão; e

3- Nunca comprometer a Irmandade.


Disclaimer:- O jogo Assassin's Creed assim como o RPG Assassin's Blood não me pertencem. Essa história foi criada apenas para livre entretenimento, sem fins lucrativos. Antes de seguir com a leitura verifique a classificação indicativa.


Prólogo – Garotos Perdidos

Sentia o calor das chamas em sua pele, e como a fumaça entrava por suas narinas ferindo sua garganta e fazendo seus olhos arderem e lacrimejarem enquanto entrava na cabana em busca dela. Seus olhos vasculhavam cada canto como se implorassem por um vislumbre que fosse de seu cabelo escuro, ou quem sabe o tecido de seu vestido fosse o que acabaria chamando sua atenção. Não importava. Tudo o que precisava, a prioridade, acima de seu desespero era encontra-la.

– Sila! Sila! – ele a chamava em meio a fumaça que turvava sua visão, parecia que a qualquer momento sua garganta iria se romper com os gritos – Sila!

De um canto um tanto afastado veio a resposta que não era mais do que um tentativa de chamar por ele. Correu até onde estava a mulher a apoiando com cuidado em seus braços esquecendo por poucos segundo das chamas que os cercavam.

–... – ela tentou levar a mão até o rosto do homem, mas o gesto, assim como sua voz, não passava de um fantasma. Uma fraca tentativa.

Com dificuldade conseguiu tirá-la da cabana. Do lado de fora estava seu filho, em choque, sem qualquer reação como se não fosse capaz de acreditar em seus olhos, como se aquilo não fosse real e a qualquer momento alguém lhe diria que sua mãe não estava quase morta nos braços de seu pai.

O fogo ardia a suas costas consumindo o que um dia havia sido o lar deles. A mulher ergueu a mão até seu rosto, o tocando com tanto cuidado que mais parecia que era ele quem estava morrendo e não ela. E sorriu. Ele não sabia como ela podia fazer aquilo: sorrir como se o estivesse consolando em uma situação como aquela.

– Cuide de seu filho... Sei que ele é mal agradecido, porém é educado. É o tipo de praga que pode ser amada... – sorriu – Como um rato... – foram suas palavras antes dos grandes olhos escuros se fecharem para sempre.

As lágrimas do homem que a tinha nos braços caíram sobre o rosto moreno onde um sorriso suave se mantinha, como se ela estivesse apenas dormindo tranquilamente.

O grito que rasgou por sua garganta dilacerava sua alma.


Jack Connor acordou coberto de suor. Não tinha ideia se havia gritado, só sabia que a almofada na qual apoiara a cabeça para dormir estava caída longe o suficiente para acreditar que a havia empurrado sem nem mesmo perceber o ato. Olhou para o quarto, cheio de sombras se insinuando nos móveis e paredes dançando a luz trêmula do que restou da vela que havia deixado ao lado da mesa de cabeceira. Percebia como seus medos espreitavam dessas sombras como demônios rindo de seus pesadelos. De suas lembranças...

Passou a mão trêmula pelo rosto limpando os rastros deixados pelo suor frio em sua testa e prolongou o gesto até o cabelo loiro que no momento estava bagunçado o penteando com os dedos enquanto o jogava para trás. Levantou da cama derrubando o lençol que o cobria no processo e indo até um armário no ponto oposto do quarto. Sabia bem o que buscava. A garrafa de vidro escuro que a essa altura devia estar pela metade.

Deitou em um copo o líquido âmbar e o engoliu de um único trago antes de voltar a encher o copo e guardar a garrafa.

Olhou para a noite através da janela. O céu escuro e a lua brilhante em um tom que era quase escarlate.

Não tinha certeza de que horas eram, já que aquela parte da cidade costuma ser sempre silenciosa. Mas talvez devesse mais uma vez tentar conciliar o sono, afinal pela manhã estaria recebendo os jovens que deveria treinar para a Ordem. Apenas pensar no que estaria por vir o fazia cogitar que talvez mais uma dose da bebida fosse necessária.


O soco que o acertou o fez cuspir um pouco de sangue misturado a saliva. Suas mãos estavam aparentemente presas firmemente à cadeira onde estava sentado.

Ignorava a sensação em seu rosto onde foi acertado pelo punho do homem mais velho, só viria a sentir a dor mesmo no dia seguinte quando o hematoma surgisse. O que Aubert se perguntava nesse momento enquanto sua boca estava com o gosto de sangue era: quanto tempo mais ele precisaria agir como se não pudesse revidar? Ou melhor, quanto tempo ele precisaria ganhar para que os outros conseguissem escapar sem chamar atenção?

– Apenas diga quem o mandou e prometo matá-lo de forma rápida. – o agressor deixava um sorriso que era quase sádico estampar seu rosto.

Aubert precisou conter a vontade de rir da petulância daquele homem de realmente acreditar que seria capaz de encostar um dedo nele sequer. Mas tinha que se controlar, não colocaria o sucesso da missão em risco, os outros assassinos precisavam dele ganhando cada minuto que pudesse para conseguirem levar os quadros sem qualquer complicação. E para tanto precisavam de uma isca. Uma boa isca. Do tipo que não faria nada idiota como revidar ou os entregar. Uma isca em quem pudessem confiar que se manteria calada e que seria capaz de escapar por conta própria. E foi assim que Aubert Lefreve acabou amarrado a uma cadeira com um idiota o socando.

– Desculpe, mas a ideia de morrer não me agrada muito. Será que não tem uma oferta melhor? – perguntou com um sorriso levemente cínico enquanto passava a ponta da língua sobre o local onde seu lábio parecia ter sido partido.


Cristal não se sentia exatamente bem em deixar seu lar para trás. Apesar dos desentendimentos, dos segredos, de tudo, ela ainda amava sua mãe, apenas estava fazendo a escolha com a qual poderia conviver pelo resto de sua vida.

A ruiva sempre soube que nasceu para algo mais grandioso do que ser a esposa submissa de algum nobre.

Foi com essa decisão tomada que fez as malas com o que acreditava ser o mínimo necessário para conseguir chegar na casa de Connor. Aguardou o fim da tarde, quando a luz dourada quente atingia os telhados marrons e as paredes de pedra suja nas casas baixas da plebe.

Com cuidado ela conseguiu escapar por uma 'rota de fuga' que vinha estudando há dias, por ela conseguiria evitar todos os criados da Duquesa de La Merce e chegar até a estrebaria sem qualquer complicação. Lá encontrou Perséfone, sua égua branca. Correu para prender a sela e o cabresto, jogou sua parca mala sobre as ancas da água e montou não pensando duas vezes em fazer Perséfone disparar portões a fora como se a perseguição já houvesse começado. A verdade é que ainda levaria um tempo para que os guardas no portão de entrada notassem o que tinha acabado de acontecer.

Cavalgou por horas numa marcha ininterrupta, sabia que em algum momento teria que parar para que o cavalo pudesse descansar, porém também era de seu conhecimento que qualquer segundo que perdesse seria tempo que os servos de sua mãe teriam para encontrá-la.

– Sinto muito, Perséfone. Mas você precisa aguentar por mais um pouco. – ela pedia ao cavalo em um tom de voz quase angustiado e ofegante, como se ela é que estivesse a correr por horas.


A jovem escovava seus cabelos enquanto olhava para o pequeno espelho redondo sobre a penteadeira. Chegara a Florença já há algumas semanas, sem roupas e sem dinheiro, só havia uma forma que ela conhecia de conseguir dinheiro que não fosse roubar, e era fazendo uso da profissão mais antiga do mundo.

As cerdas da escova corriam pelos fios brancos de seu cabelo, sua pele pálida e marmórea seu um pingo de corado a ponto dos olhos violetas se tornarem um tanto assustadores em seu reflexo. Estava absorta na imagem espelhada pelo vidro plano para notar o som da porta sendo aberta.

"Outro cliente. Sorria, Allegra..." – pensava para si mesma enquanto respirava profundamente e deixava a escova de cabelo descansar na penteadeira e voltava os olhos para o homem de pé na porta, por um instante se assustou com as semelhanças físicas entre os dois, contudo acabou apenas dando de ombros para esse dado curioso. Vai ver Mme Jibril o mandou por achar que ela não se importaria de 'servir' a um albino.

A pequena garota se levantou e caminhou a curtos passos até a porta onde o rapaz estava, devagar o tomou pela mão e o guiou até a cama em um convite onde palavras não se faziam necessárias.


Não foi complicado usar sua hidden blade para se livrar das amarras.

Tinha certeza que a essa hora os outros estavam do outro lado da cidade com as obras de arte a salvo e bem escondidas, além de que seu 'captor' parecia estar cansado de tentar conseguir qualquer informação vinda de Aubert.


A garota loira prendia o longo cabelo em um coque mantendo o prato onde estivera comendo equilibrado sobre seus joelhos. As chamas da fogueira alta refletiam em seus olhos claros enquanto o ambiente parecia cheio de risos e conversas.

Ela não era capaz de conter o sorriso que surgia ao observar as mulheres dançando animadas quando a música se torna mais rápida. Com cuidado se encosta um pouco mais em suas malas pensando na sorte que teve em encontrar um grupo de ciganos no meio de seu trajeto, e mais sorte ainda de eles permitirem que uma gadjê os acompanhasse. Era mais seguro para ela viajar com essa caravana do que sozinha, sentia um arrepio mais do que somente desconfortável seguir por sua espinha ao simples ato de pensar em ser capturada novamente, em passar por tudo que sua família passou antes de serem salvos por Jack.

Levantou para ir até onde Coronel, seu cavalo, estava. Levava uma maçã para presenteá-lo, pois pela manhã a caravana estaria passando por Florença onde essa viagem teria fim e sua vida como assassina começaria. Pensar nesse tipo de coisa a fazia sentir um estranho frio na barriga. Lara seria a primeira assassina na história de sua família, uma decisão que tomou ao decidir que seguiria o homem que a salvou da vida de escravidão que levava, diferente dos outros que já tinham um história na Ordem ela teria que aprender do zero, e isso não a assustava. Bem pelo contrário, a motivava. A fazia acreditar que será capaz de se tornar a melhor.

A loira divagava sobre esses assuntos quando uma pequena mão toma a sua a fazendo olhar para baixo onde uma menininha de cabelos escuros e grandes olhos castanhos a puxa em direção à fogueira, convidando-a a dançar com as outras. O sorriso de Lara se amplia ao se sentir tão aceita por aquelas pessoas e percebe que vai sentir falta deles quando se separar da caravana em Florença. Mesmo assim ela não vai dançar, ao invés disso volta para o lugar onde estava sentada e fica assistindo ao 'espetáculo'.

– Diga, filha: por que tão triste? Achei que ficaria feliz estando tão próxima de seu destino... – a voz veio de sua direita.

A garota ergueu os olhos azuis para a pessoa que falou com ela. Petrus era o líder da caravana, já era muito velho, mais de oitenta anos com certeza, e era assustador que alguém tivesse vivido por tanto tempo. Ele conhecia as estradas como as linhas de sua mão, era quem sabia quando as tempestades se aproximavam, era quem ensinava a história de seu povo aos mais jovens, era aquele que lia o que estava escrito no livro do destino pelas cartas. E mesmo sendo assim tão sábio, ele não era como os mestres das grandes escolas, que achavam que tanto conhecimento os faziam tão grandes quanto os deuses. Não... Petrus não era assim. Ele era mais como um avô que sempre sorri e bagunça o cabelo dos netos em um afago gentil, que sempre tem um conselho para dar, que nunca revela o que está pra acontecer, mas ensina como lidar. Foi ele quem permitiu que Lara viajasse com eles até chegar onde queria.

– Não estou triste. – ela respondia com um sorriso.

– Está sim. – a olhava compreensivo – Tem medo e incerteza aqui. – apontou para o coração da jovem – E todos sabem que medo e incerteza alimentam a tristeza.

O sorriso dela vacilou e aos poucos se desfez.

–... – não sabia bem o que responder, respirou fundo, mas não lhe vinha à cabeça como explicar porque daquela repentina tristeza – Acho que estou assim porque sentirei falta de vocês.

– Filha. – começou – A vida é cheia de encontro e despedidas. Uns serão mais felizes que outros, e ás vezes você talvez não consiga diferenciá-los. Mas olhe para eles. – indicou sua família – Vivemos um ciclo continuo de chegadas e partidas, com todo um caminho percorrido e ainda mais estrada por percorrer. Isso porque a vida é efêmera. Nada jamais será para sempre. Então sinta nossa falta, mas não fique triste por isso. Já faz parte dessa família, menina Rousseau, não é mais um dos gadjos. – riu – E agora me conte dessa sua incerteza. – pediu.

Desviou o olhar do rosto enrugado e bronzeado do homem para as chamas avermelhadas. O que a assustava? Falhar? Esse era seu medo?

Não tinha certeza se conseguia responder aquilo. No entanto tentaria.

– Eu disse que seguiria o homem que me salvou... Mas e se eu não for capaz? E se eu falhar? Se eu não for tão boa? – as perguntas começavam a escapar antes que ela pudesse conter e acabou decidindo se calar para que Petrus tivesse ao menos chance de tentar responder.

– E mesmo com tudo isso está disposta a tentar? – foi a única coisa que ele lhe perguntou depois dela descarregar tudo.

Mas é claro que ela estaria disposta a tentar! Não tinha para onde ir, e mais do que isso: tinha uma dívida de gratidão a saldar.

– Estou. – foi sua resposta direta e cheia de uma certeza que ela mesma desconhecia que tinha em sua decisão.

– Então não devia estar se preocupando com isso. – disse com um sorriso antes de levar sua mão até o topo da cabeça loira e afagar os fios claros em um gesto calmo, a fazendo sentir como se fosse um de seus netos – Agora vá brincar com os outros na fogueira, vai querer ter boas lembranças pelos dias que virão... – falou com um sorriso que não era realmente feliz, mas sim um sorriso de quem sabe que dias difíceis estarão por vir.

Fez como ele lhe disse e foi até onde a menininha de antes estava ainda a dançar se unindo as outras moças.

Amanhã tudo seria diferente, mas por enquanto, por aquela noite, ela seria apenas mais um Romá se divertindo na estrada.


Um de seus captores já estava caído com a garganta aberta sangrando sobre o piso de madeira castanha polida.

Olhou com um pouco de desgosto para a mancha vermelha que aos poucos se tornaria ocre em sua camisa branca.

– Eu gostava dessa camisa. – falou para o homem que restou ali, era o que o havia socado mais cedo.

O homem estava um tanto quanto apavorado sem saber que ação tomar vendo seu companheiro sangrar até a morte e o garoto que até então estava amarrado, agora de pé diante dele.

– Pra ser bem sincero eu não ia te matar. Você é até engraçado, dizendo coisas como: "prometo mata-lo de forma rápida". – riu e então voltou a olhar sua camisa e fez um som de 'tsc' com a língua contra os dentes sorrindo educadamente e sem qualquer humor – Mas agora meu bom humor foi arruinado.


Seu corpo se movia sobre o dela onde gotículas de suor marcavam a estranha e similar palidez de ambos, a perna dela o enlaçando pela cintura facilitando as investidas. Levava a mão até a garganta dela marcando um caminho pela pele suave até seus dedos tocarem os lábios macios e agora um tanto inchados depois de beijos intensos.

Alexander não conseguia tirar os olhos do rosto inexpressivo dela, a forma como a boca da garota ficava entreaberta deixando que a respiração quente e irregular escapasse e se mesclasse a dele acompanhada de gemidos tão baixos que mal eram perceptíveis, como os olhos dela se tornavam lacrimejantes e não paravam de fita-lo mesmo estando semicerrados. Voltava a baixar a boca de encontro à dela enquanto suas mãos seguravam firmemente o corpo da pequena albina, sua cintura, suas coxas, seus seios, de uma forma quase possessiva. Sentia ela se arquear contra ele.


Seu quarto era de uma arrumação simples, quase pragmática. Não era o tipo de coisa que Bianca normalmente notava, mas foi no que reparou enquanto fazia as malas, era como se seu quarto refletisse sem qualquer alteração sua forma de pensar sempre prática e direta. Certamente era o que fazia dela uma estrategista tão boa.

Suas malas já estavam prontas quando escutou a porta ser aberta, não precisou virar a cabeça para saber que era seu pai. Certo... Ele não era realmente seu pai, e sim o homem que a acolheu quando estava nas ruas, que lhe deu um lar e de comer, que a vestiu e educou, e até onde ela sabia isso fazia dele alguém bem melhor que seu pai verdadeiro.

– Já está tudo pronto. – lhe informou antes que o homem tivesse chance de falar.

– Isso é ótimo. – respondeu em seu tom de voz austero – Agora me acompanhe em uma caminhada. A noite está agradável. – sorriu.

A loira apenas assentiu com a cabeça o seguindo para fora do quarto e indo até a porta que dava para a rua. O homem abriu a porta e esperou que ela passasse antes de sair e fechá-la a suas costas. Caminharam por cerca de quinze minutos em um silencio que era confortável e comum para ambos. Acima de suas cabeças a lua brilhava avermelhada como se alguém a tivesse sujado com sangue. Se aquilo era um bom ou mau presságio só o tempo poderia dizer. A brisa fria carregava o cheiro doce das flores da estação misturado ao cheiro de lixo e excremento de cavalo.

– Como se sente a respeito de amanhã? – foi a pergunta dirigida a ela.

– Como assim? – não sabia como responder aquilo.

Não que ela tivesse qualquer dúvida sobre ir ou não ao Instituto de Connor. Se seu mentor havia pensado que era a melhor ação a tomar ela não questionaria, faria as malas e partiria o quanto antes, esse é o tipo de pessoa que ela é.

– Sei que disse para ir ao Instituto de Jack. Mas se não é o que quer...

– Você confia nele e eu confio em seu julgamento, para mim isso é o bastante. – seria muito esperar que Bianca confie em mais alguém além de seu pai, mas se ele confiava em Jack Connor ela aceitaria sem fazer perguntas – Não precisa se preocupar, vou tratar tudo como uma de minhas missões: com objetividade.

– Sei que o fará.

E mais uma vez ficavam em silêncio enquanto faziam o caminho de volta para a casa.


A noite já ia alta quando Cristal reduziu a marcha de sua fuga, havia conseguido despistar os servos de sua mãe com sucesso. Não precisaria se preocupar com eles por um bom tempo, além de que poderia dizer adeus a ideia ridícula da duquesa de casá-la. Pela primeira vez em anos ela sentia que era livre.

Não levaria muito tempo para alcançar Florença. Chegaria lá ainda ao amanhecer.


Sentia seu corpo pesado, seus pensamentos eram letárgicos e praticamente anestesiados pelo ópio. Tanto que mal conseguia falar, pelo menos nesse estado ela não tinha que dar atenção às malditas vozes em sua cabeça que a estavam enlouquecendo. Ou talvez ela estivesse louca e por isso escutasse aquelas vozes... Não importava. Nada disso importava. Só precisava manter as vozes mais entorpecidas do que ela própria e com o resto acreditava que podia lidar. Era uma sensação boa a que o ópio lhe proporcionava, permitindo que esquecesse quem era, que esquecesse seu passado... Seu nome era mesmo Halodia? Ou isso era outra coisa que não tinha importância nesse momento?

"Vai estar sóbria para chegar à casa de Connor, aberração?" – a voz na mente dela indagava e logo gargalhava da garota de olhos vermelhos.

– Cala a boca. – Halodia respondia em tom alto, a voz estranhamente embargada, as palavras emboladas mal eram entendíveis – Cala a maldita boca.

"Sua anormal, com quem acha que está falando?"

– Por que você não me deixa em paz?! – gritava enquanto gesticulava torpemente com os braços moles por conta do ópio, mal podia ficar em pé.

"Porque estou na sua cabeça." – a voz ria – "E não é esse pouquinho de ópio que vai me colocar pra dormir. Se quer mesmo se livrar de mim devia experimentar enfiar uma bala em seu crânio. Aposto que seria divertido."


Alexander terminava de se vestir.

Antes de sair olhou uma última vez para a garota nua sobre a cama, coberta com um lençol e quase adormecida. Deixou o pagamento sobre a penteadeira ao lado da escova que ela havia usado para pentear o cabelo antes de ele chegar.

Não conseguia deixar de pensar que era uma pena que a partir de amanhã estaria tão ocupado com o treinamento no Instituto que não teria mais tempo para 'visitá-la'. Mas o que podia fazer? Era a vida de um assassino. E agora não se tratavam apenas de missões para cumprir, e sim serem treinados e avaliados constantemente para provarem serem dignos de integrarem a Ordem. Saiu fechando a porta atrás de si enquanto cogitava em qual estalagem deveria ir passar a noite.


– Vai ficar roxo amanhã.

– Não tem problema. – Aubert respondia enquanto pressionava um pano umedecido com água fria sobre o ponto dolorido em seu rosto, amanhã a dor ali com certeza seria um pouco pior, e o aspecto também não seria dos melhores – Conseguiriam?

– Mas é claro. – foi a resposta de Stevan.

– Isso é tudo que importa. – foi a resposta inflexível do moreno.

E para ele aquilo era tudo o que importava mesmo. Alguns hematomas e um pouco de sangue em suas roupas não significava absolutamente nada desde que a missão fosse completada.

Recostava-se em um sofá deixando o pano úmido de lado. Não estava servindo de muita coisa mesmo.

Os outros assassinos estavam dormindo, apenas ele e Stevan permaneciam acordados pela madrugada repassando os pormenores da missão executada, pois Aubert queria ter certeza de que eles poderiam lidar com as próximas missões que recebessem agora que ele não estaria mais lá para lhes dar cobertura.

– Quando você vai? – Stevan indagou enquanto se jogava despreocupadamente em outro sofá colocando os pés pra cima e cruzando as mãos atrás da cabeça.

– Vou amanhã pela manhã, ou seja: daqui a algumas horas.

– Mas você não disse que era só na próxima semana?! – o loiro perguntava em choque.

– Eu disse isso há uma semana. – o moreno falava devagar como se tivesse que explicar para uma criança que não se deve correr com objetos afiados na mão.

Aubert se perguntava como foi capaz de se tornar amigo de alguém tão relaxado. Deveria ter algo de errado com o universo... Talvez o mundo estivesse girando ao contrário, ou quem sabe esse era um presságio do fim apocalíptico para o qual tudo se direcionava.


Allegra estava quase se rendendo ao sono e exaustão, puxava o lençol sobre seu corpo ocultando de seus próprios olhos as marcas em sua pele. Tentando não sentir nojo das cicatrizas pálidas e brilhantes. Ao menos esse rapaz não a marcava dessa forma.

Contava os segundos para que a manhã chegasse, para deixar esse lugar e ir para o Instituto.

Aos poucos se permitia cair aos braços de Morfeu, implorando aos deuses por um sono sem sonhos. Sem pesadelos.


Se perguntava que horas seriam...

Não conseguiria dormir. Não podia deixar de pensar que logo a casa de seu pai, a sua casa, estaria cheia de estranhos que supostamente serão bons assassinos. Como se ele se importasse com isso. Porém de nada adiantaria reclamar, ele era um contra a escolha de cem.

Saiu da cama derrubando os lençóis no chão e indo até a janela. Olhava para o céu, não demoraria a amanhecer e andar pela cidade lhe parecia uma boa ideia nesse momento. Melhor do que descontar sua raiva disso tudo nas paredes ou precisaria colocar a casa a baixo para aplacar seu descontentamento. Passou a mão pelo cabelo jogando a franja para trás num gesto que era quase idêntico ao que seu pai costuma fazer. Um hábito em comum talvez, de qualquer jeito Robert nunca havia dado atenção a isso antes e meio que era algo irrelevante.

Decisão tomada chegou à porta de entrada sem fazer qualquer barulho e logo chegou as ruas ainda escuras agora que as nuvens cobriam a lua avermelhada.


Depois de um pouco mais do que as duas doses que achou que fosse bastar, Jack voltou para a cama tendo em mente que teria um trabalho difícil pela frente.


A noite seguia ali, como um manto escuro que não permite que vejam os demônios até que eles venham chamando por seu nome. Nenhum deles irá escutar até que estejam parados a suas costas, garras e dentes a mostra, prontos para o bote quando menos esperarem.

Cada um com seus medos, com suas marcas. Cicatrizes na pele ou na alma. E isso importa? Existe realmente alguma diferença? Porque se existir então a linha que as separa é fina demais para ser levada em consideração.

Todos eles, sem exceção, sob a mesma lua escarlate: garotos perdidos na noite que parece não ter fim.


Qualquer dúvida, reclamação, sugestões e afins que quiserem deixar é só comentar XD

Obrigado por lerem u.u