N/A: Sei que pode parecer estranho para quem está acostumada a ler minhas fics sobre Harry Potter. Mas ainda há outras coisas no mundo das quais eu gosto, e a série LOST é uma delas. Portanto, espero que gostem dessa fic também.
Resolvi começar a escrever algo sobre LOST com um ship que eu amo com todas as minhas forças. E, só para avisar, a fic contém spoilers da terceira temporada. Enjoy it! E não me contem nas reviews como o Charlie morreu, porque ainda não terminei de assistir! rsrsrsrsrs
Por você
Quando eu era menino, ouvi dizer certa vez que aqueles que morrem devem caminhar para a luz. De certa forma, era uma luz que eu estava vendo ao acordar naquela manhã. Ainda sem abrir os olhos, mexi-me desconfortavelmente, tentando sentir meu próprio corpo. Podia perceber a presença da luminosidade intensa a me ferir as pupilas. Talvez Desmond estivesse certo. Talvez eu já tivesse até morrido.
Vagarosamente, abro os olhos, piscando-os para me acostumar ao raio de sol que entra por uma fresta da barraca e me atinge diretamente o rosto. Tudo o que vejo é o telhado rústico de lona azul e folhas de paineiras que construí para a tenda de Claire. O que é que você esperava, afinal, Charlie? Sinos, música celestial e pequenos e rechonchudos querubins tocando harpas? Definitivamente, eu não sou o tipo de pessoa que merece o céu.
Impulsiono meu corpo de forma a levantar e sinto uma dor lancinante nas costas, ao mesmo tempo em que uma tontura horrível e um gosto amargo na boca me invadem. Efeito do uísque roubado dos tesouros de Sawyer, como se ele estivesse me castigando de onde quer que esteja. Mas nem a tontura, nem o amargo, nem a dor se comparam às palavras que passeiam pela minha mente. Repetidas a todo momento, decoradas, indo e vindo em todas as direções, martelando quase como se fossem um mantra:
- Você não pode mudar isso! Não importa o que faça, você não pode mudar!
- Ele está bêbado, Hurley. Me ajude a levá-lo de volta para a tenda dele.
- Você é um bom homem, Charlie. Desculpe por ter tentando estrangular você hoje.
- E me desculpe porque eu te chamei de covarde...
- Você está certo, então.
- Desmond, você vai me contar o que aconteceu?
- Quando eu girei aquela chave, minha vida passou diante dos meus olhos. E então eu estava de volta a essa floresta, ainda nessa droga de ilha. Mas os flashes que eu vi, Charlie, esses flashes não pararam.
- Então você está me dizendo que salvou a Claire hoje de manhã por causa de um desses flashes?
- Eu não salvei a Claire, Charlie. Eu salvei você. Essa manhã você ia mergulhar atrás da Claire. Você ia tentar salvá-la, mas ia se afogar.
- Do que você está falando? Eu não me afoguei e...
- Quando vi o raio atingindo o telhado da tenda, você era o eletrocutado. E quando você ouvia que a Claire estava na água hoje de manhã, você mergulhava tentando salvá-la. Eu mergulhei na água para você não ter que fazer isso. Eu tentei, brother! Eu tentei salvar você duas vezes, mas o universo vai dar um jeito de prosseguir com a maldição e eu não posso interromper isso para sempre. Eu sinto muito, mas não importa o que eu faça, você vai morrer, Charlie.
Ok, Desmond, agora é hora de parar de bancar o vidente. O meu grande problema é que sempre fui um cara supersticioso. E, convenhamos, por mais bêbado que Desmond estivesse, eu não achei nada interessante o fato de ele dizer que vou morrer. Afinal, ele estava salvando a Claire, não é mesmo? Eu estava na tenda dela quando o raio caiu, embora eu deva confessar que há muito não vejo a minha própria. E era ela quem estava se afogando quando Desmond foi salvá-la no mar. Mas ele disse que eu teria ido atrás dela. E eu sei que teria.
Claire. Olho para o lado, onde ela está ressonando. Mais adiante, ao lado dela, o Cabeça-de-nabo também dorme, dando a impressão de ser um bebê calminho e que não dá trabalho. Levanto-me devagar da cama improvisada, como se sentisse que preciso de uma caminhada para esquecer esses pensamentos. Sou incapaz de evitar e olho mais uma vez para os cabelos loiros de Claire, espalhados displicentemente sobre o colchão precário que usamos para dormir. Eu gosto dela, ah meu Deus, como gosto! Preocupo-me com ela mais do que comigo mesmo nessa ilha desde o primeiro dia. Desde quando a vi, grávida e parecendo tão desprotegida, desejosa apenas de um pote de manteiga de amendoim.
Claire. Fecho os olhos e me lembro de seu sorriso, da maneira como duas pequenas covinhas aparecem em suas bochechas quando ela sorri para mim. Lembro das íris azuladas e do rosto encantado quando levei o pote de manteiga de amendoim imaginária. Lembro do rosto feroz e assustado quando ela voltou para o acampamento sem se lembrar de nada do seqüestro e nem de quem eu era. Lembro das brigas, das drogas jogadas ao mar por ela. Das vezes que implorei para que ela me perdoasse e confiasse de novo em mim. Lembro dos carinhos trocados, das mãos enlaçadas e do nosso único beijo. Abro os olhos novamente e penso no quanto seria um desperdício se eu simplesmente morresse agora.
Ela não percebeu minha movimentação. Não sabe o que Desmond disse, e dorme tranqüila enquanto meus pensamentos trabalham num turbilhão. Eu acho que não quero que ela saiba, ao mesmo tempo em que me pergunto se ela realmente se importaria. Muitas vezes me sinto um completo babaca diante dela, sempre tentando protegê-la e ajudá-la, algo que eu chamaria de uma companhia muito conveniente. Mas será que sou algo mais que isso para Claire?
A necessidade de movimento me afasta da tenda com o coração pesado. Começo a caminhar sozinho até alcançar a orla do mar, uma imensidão que não tem fim. Encaro o horizonte misterioso desse lugar nenhum. Estou perdido no meio de uma ilha que não está no mapa. Mas é nesse momento, depois de meses aqui, que sinto meu coração mais perdido do que nunca, mais perdido até do que quando constatei que era um viciado. É a perspectiva de não saber como, onde ou quando vai acontecer que vai me matar aos poucos.
"Não importa o que eu faça, você vai morrer, Charlie."
- Charlie! Charlie!
Olho para trás e vejo Claire correndo, os cabelos soltos esvoaçando, o corpo inteiro iluminado pelo sol que desponta no horizonte.
Claire. Como ela é bonita. Como eu quero protegê-la, cuidar dela para sempre. Eu sou um homem muito mais forte se a tiver ao meu lado.
- Caiu da cama hoje? – ela pergunta, e um sorriso divertido brinca em seus lábios. Eu sorrio de volta quando digo:
- Pensei em pegar alguns peixes para você. E quem sabe algumas frutas molinhas para o desdentado do Cabeça-de-nabo.
Ela sorri novamente, e vejo as covinhas se formando ao mesmo tempo em que observo sua mão se levantar para bater de leve em meu ombro, como se me censurasse. O mantra volta a ecoar cada vez mais ameaçador em minha mente:
"Não importa o que eu faça, você vai morrer, Charlie."
Mas, ao olhar nos olhos azuis de Claire, ver seu sorriso e caminhar ao lado dela, eu sei que há certas coisas na vida pelas quais vale a pena morrer. E eu estou pronto para a grande aventura seguinte.
- Mas só se for por você...
- O quê, Charlie?
- Nada, Claire... olhe! Há algumas frutas ali, venha!
E eu não disse.
"What hurts the most
Was being so close
And having so much to say
And watching you walk away
And never knowing
What could have been
And not seeing that loving you
Is what I was tryin' to do"
What Hurts The Most, Rascal Flatts
