ADÃO E EVA
Respirei fundo pela quarta vez naquela noite, e nem isso foi suficiente para trazer minha dignidade de volta, pois ela pairava tristemente pelo ar desde que soltara um último suspiro. Seus lábios quentes tiraram-me do esforço inútil, permitindo que eu ao menos sugasse um pouco da dignidade dele para dentro de um coração tão gelado quando aquele que batia contra meu corpo. Porque, acredite, eu não tento me enganar pensando que ele me ama, ou que o pulso acelerado é fruto de algo mais senão excitação.
Sua boca lisa é a porta para todos os meus pecados, e a língua áspera é a absolvição, já que vem sempre enrolada em um "Deus", murmurado tão baixinho e arranhado. Deus. Santos. Anjos. Não importa quem invoque, nunca deixarei de ser terrivelmente mortal em seus braços. No entanto minha mortalidade o encantou, não é mesmo? Depois que ele descobriu a pele atrás da roupa nunca mais se importou em brincar de deus, e seus olhos não olham para o céu senão quando grita. Quem é Deus perto do pecado, afinal?
Sinto suas mãos me comendo, ferventes, enquanto nada diz com a boca, mas conta-me lindas histórias com o corpo inteiro, e minha lisa derme arrepia-se com os monólogos que ele faz com o silêncio. Milhares de vezes tentei escrever, explicar, ao menos analisar as causas loucas que me faziam estar ali, violentamente comprimida contra um corpo que mal conhecia e tanto adorava; tentei dizer todas as razões que me faziam voltar, me faziam pedir, implorar por ele, e nunca consegui. Eu simplesmente pareço fraca demais perto de seus olhos cinzentos, e muito tola entre suas mãos brancas. Sinto que elas me devoram até quando estão longe, retirando os fios de prata da testa abarrotada de suor divinamente mortal.
Entreabri os lábios assim que os soltou, não me importei minimamente com a dor latejante em minha face, onde sua boca antes estava. Não me importei porque a dor significava, ao menos, que não estava sonhando ou delirando, por mais que desejasse. E se sentia dor, é porque estava acabando, o triste fim que me trazia lágrimas aos olhos porque ele era forte, e o coração que tentava quebrar minhas costelas também, tal qual a coluna arqueada para recebê-lo melhor. Tudo nele era tão forte e tão arrebatador que eu nunca consegui explicar nada, só dizia sim.
"Deus". Que deus viria me ajudar naquele momento? Nenhum, mas mesmo assim ele gritou alto para aquele deus no qual sequer acreditava, e talvez pediu remissão por tudo o que fazia. Deus não via seu pescoço suado, reluzente contra a luz da lua. Deus não via seus cílios leves acariciando bochechas duras e cheias de ângulos. Deus não via suas mãos e braços tremendo ao meu lado, segurando aquele corpo para que não caísse inutilmente sobre o meu, como ás vezes fazia. Deus não via seu quadril aos poucos se afastando do meu, deixando marcas doloridas de onde me encontraram, sem o menor encaixe ou ternura. Deus não via que não éramos nascidos um para o outro, e não ligava minimamente para isso, assim como eu não ligava para quando ele se punha de joelhos entre minhas pernas, os olhos fixos nos meus seios descobertos, e se arrastava para longe.
As roupas estavam onde sempre as colocava, dobradas meticulosamente. Eu lhe punha a gravata verde e prata sem lhe olhar na face, sentindo a seda entre meus dedos e me lembrando que só idiotas pensariam que aquilo era a maciez dos anjos, pois idiotas nunca haviam tocado os fios daquele homem. Nua, eu o observava atravessar o pequeno quarto, tomando ciência de todas as marcas, de todos os tons de roxo, cinza e rubro que cobriam meu corpo, desembaraçando os fios castanhos com as mãos enquanto meus olhos se perdiam entre os lençóis. Nua, eu não esperava mais nada dele, porque ele nunca me fez esperar nada, e nunca cobrei.
Naquele dia, porém, ele parou entre o mecânico gesto de abrir a porta e sair para a noite fria. Imediatamente ergui os olhos e notei sua mão parada sobre o portal, segurando-se à madeira com tamanha força que seus nódulos escureciam lentamente, enquanto o resto dos dedos tomava forma gutural ao perder o sangue. A marca negra em seu braço parecia um monstro prestes a me atacar. – Hermione. – ele chamou, o que me fez encolher na cama como um bicho assustado, puxando os cobertores molhados para cima do corpo desnudo. Antes que pudesse responder, ou que ele pudesse completar fosse lá o que tivesse a dizer, ele foi-se e a porta fechou-se com um estrondo pelo lado de fora, e eu fiquei de dentro, com o coração soando como um sino dentro de mim, o rosto pálido como a lua lá fora, porque eu nunca o havia escutado pronunciar meu nome.
N/A: Maria, essa é para você, que merece todos os parabéns do mundo por suas conquistas. Te amo imensamente, irmã 3
