Ele abria os olhos lentamente, preguiçoso. Antes de qualquer pensamento se passar por sua mente, suas orbes prateadas foram de encontro do pequeno anjo que dormia em seu abraço. Seus suspiros leves, recheados de inocência, eram capazes de manter em paz o coração de um ser que já matou tantas vezes sem dó.

Tão pequena e tão frágil, parecia que se quebraria ao menor toque das mãos tão rígidas pelo manejo de espadas. O tempo todo ele acreditava que a pequena criatura tratava-se realmente de um anjo em toda sua pureza cujas asas quebradas a fizeram cair em seu encontro; se não houvesse comprovado com o próprio corpo, poderia pensar que ela de fato não possuía um gênero. Mas o fez.

Sorrindo sereno, ele levou uma das mãos ao rosto da pequena arroxeada adormecida, acariciando a face infantil com as costas da mão. Lembrava-se dos feitos da noite anterior, de tomar parte da pureza daquele anjo; sentia-se quase como um demônio.

"Como pude fazer algo tão vil à você, pequena?"

Apesar de tudo, não estava arrependido, só pensativo. Ela era como uma joia preciosa lapidada na mais pura inocência e ele a corrompeu. Talvez não totalmente, talvez ela fosse capaz de se manter límpida mesmo com o corpo violado. Poderia continuar brilhando, mas não apagaria a marca que ele a fez.

Tratava-a com tanto carinho, um carinho que não sabia se já havia sentido por alguém antes em seus séculos de vida. O mais correto, em sua posição, seria ser como um pai para ela, mas a jovem nunca teve tal presença. Mesmo que ele agisse como tal, ela não saberia reconhecê-lo daquela forma.

"O que farei se acabar me apaixonando por ti?"

Pausou a carícia com as juntas do indicador e médio na parte mais fofa da bochecha dela, desejando tomar seus lábios abertos somente para dar passagem aos suspiros mais uma vez. E em todos seus anos, parecia finalmente ter descoberto um medo; temia aprofundar seus laços com aquela que certamente partiria antes dele. Não suportaria tudo aquilo de novo, já havia se ferido o bastante e achara ter aprendido a lição. Muito ingênuo de sua parte.

"Se ao menos eu pudesse te manter assim para sempre... Manter você com esse jeitinho bobo de menina, sem deixá-la amadurecer e perder sua essência..."

Por um segundo apenas, pensou em buscar conceder a vida eterna àquela pequena criatura que mal havia vivido. Não se demorou a descartar a ideia, sabia muito bem que ela não suportaria a pressão que vinha com a imortalidade. Isso a faria se tornar uma existência triste, fria, de longe o que queria preservar com seu "para sempre".

Ele teria, de um jeito ou de outro, se acomodar à efemeridade que seguia com a vida dela. Era o único jeito. Aprenderia mais uma vez que era impossível para ele ter esse tipo de laço. Um sorriso triste se moldou em seus lábios, qual só deixou nascer sem se importar porque não era assistido por ninguém.

"Agora sou eu que lhe pergunto: o que eu faço?"

Ela gemeu, como se pudesse compreende-lo, e se moveu para frente, escondendo o rosto corado em seu peito denudo. Ele só pode rir e abraçar as costas da cabeça lilás, afundando parte de seu rosto no nos cabelos bagunçados dela.

"Sim, eu entendo."

Respondeu, apenas. Aproveitaria enquanto pudesse, afinal, havia vindo feito isso durante todos esses séculos. Apenas temia que este final fosse diferente dos habituais. Temia sentir aquilo que abdicara em troco da eternidade e já nem se lembrava como era o sentir.

Temia que finalmente voltasse a experimentar a saudade, sentimento que corrói os seres humanos quase na mesma intensidade de uma fúria que não pode ser esvaecida.

Não queria mais pensar nisso, voltou a deixar a preguiça o consumir e ficar com a pequena, talvez amada, enquanto a efemeridade dela o permitisse.