Disclaimer: Saint Seiya não me pertence. Pode não parecer, mas é verdade. Nhé.


SIDEWAYS


Sideways serão fics ambientadas no universo de Sui Generis, auto-conclusivas ou não. Mas não se preocupem, eu tentarei deixar claro para vocês quando for cada caso. E nenhum dos meus outros projetos de StS serão afetados, eu prometo.

Assim como Sui Generis, elas não serão fics yaoi. A princípio, quero dizer.

E o título da fic não tem nada ver com o filme homônimo (Sideways - entre umas e outras), que é bem interessante. Quem já viu sabe, quem não viu está convidado a ver!


O primeiro capítulo é um presente para o Milo, de aniversário atrasado. Sorry, Milo, tá atrasado mas é de coração...

Anyway. On with the show.


I


Bette Davis Eyes


Milo ainda não sabia por que diabos tinha aceitado vir para aquela festa organizada pela Fundação Graad.

Estava muito bem em casa, vendo filmes de sessão da tarde e curtindo o tédio, quando um grupo de cavaleiros entrou em sua sala falando algo sobre uma festa de confraternização promovida por Saori Kido no grande salão de um hotel de luxo de Atenas, e que eles estariam convocados a comparecer. Bom, era verdade que ele tinha escutado algo a respeito, e não tinha se animado a ir, já que tinha seu turno de treinos logo de manhã, mas Máscara da Morte de Câncer, Shura de Capricórnio e Aldebaran de Touro não estavam dispostos a prescindir de sua companhia. E enquanto tagarelavam incessantemente sobre festa de arromba, mulheres, comida e bebida de graça e possíveis conquistas amorosas, Milo foi informado de que quase todos os cavaleiros estariam lá, incluindo Camus, Mu e até mesmo Shaka, e que era sua obrigação como cavaleiro comparecer no rega-bofe promovido pela Fundação.

Milo até tentou argumentar, mas realmente tinha escutado algo sobre presença obrigatória. E, sendo o cavaleiro de Escorpião como era, seria altamente improvável ele descumprir uma ordem superior.

E então lá estava ele, com sua melhor roupa (não que tivesse muitas), sentado em uma mesa bar luxuoso montado para a festa, junto com um grupo ruidoso de cavaleiros obviamente ignorantes de regras de etiqueta social e aproveitando ao máximo a festança promovida com dinheiro alheio.

Os seus colegas não mentiam, e isso Milo já intuía: Poucos cavaleiros seriam capazes de recusar uma boca livre, e menos ainda seriam capazes de recusar uma festa 'open bar'. Mas nenhum deles seria capaz de recusar as duas coisas juntas. Então, estavam todos lá. Cavaleiros, amazonas, agregados... Enfim, todo mundo.

Milo estava sentado em uma mesa com outros cavaleiros de seu rango, com um improvável copo de uísque na mão, enquanto Camus entabulava uma conversa com Afrodite a respeito de alguma coisa sobre pintura renascentista, Aiolia se entretinha conversando ao pé do ouvido de Marin, sentada a seu lado enquanto trocavam carinhos, e Shura e Aldebaran discorriam animados sobre algum assunto que parecia ser de suma importância naquele momento, mas que ele não conseguia discernir bem o que era. E ele, junto com os outros, tentava aproveitar ao máximo a premissa de bebidas grátis. Camus, que apesar de sua fleuma era um entusiasta dos bons drinks (mas com muita classe), já tinha se agarrado em uma garrafa de uísque doze anos, e não pretendia largá-la tão cedo. Shura e Aldebaran seguiram o exemplo do aquariano, mas não eram assim tão exigentes com a procedência dos destilados. E Milo tentava acompanhar os amigos, mas não tinha, nem de longe, a mesma tolerância ao álcool do que o grupo, excetuando-se Aiolia, que era tão fraco para bebidas quanto ele, mas que não estava bebendo tanto porque estava com sua namorada.

O pensamento deixou um leve amargor na sua boca. Já estava ficando irritante a troca de carinhos entre Aiolia e Marin, que arrulhavam um para o outro como pombinhos apaixonados. Olhou para o próprio copo de uísque, frustrado, mais ainda por não saber bem o porquê daquilo o irritar tanto. Virou o copo de uísque e forçou o restinho do líquido amargo e ardido por sua garganta. Bufou discretamente, impaciente com alguma coisa que não sabia o que era e incomodado por algo que não conseguia discernir em absoluto. Pegou o resto do que tinha na garrafa em cima da mesa para encher o copo de novo, o que sabia não ser muito prudente, mas fez mesmo assim. Tomou mais um gole, sentindo seu corpo amolecido e os olhos pesados, tudo isso sintoma do álcool que circulava em seu organismo em quantidade considerável, mas nem isso acalmava sua irritação.

Resolveu levantar para dar uma volta no salão, pedindo licença a Camus com uma palmadinha no ombro, no que o colega prontamente lhe cedeu passagem sem interromper sua conversa com o sueco.

Milo andou pelo salão, meio embotado, olhando ao redor para ver aquele mundaréu de gente espremida na pista. Tomou mais um gole do uísque que trouxera consigo, enquanto seus olhos passeavam entre as pessoas reconhecendo os rostos conhecidos. Seiya e Minu, dançando abraçados enquanto conversavam, Saga sorrindo enquanto se abaixava discretamente para que uma moça lhe falasse algo no ouvido, June e Misty dançando numa roda de alguns outros cavaleiros de prata e pessoas desconhecidas, Aiolos cochichando algo no ouvido de uma garota que ria e ria do que quer que fosse que ele falava. Soltou mais um suspiro de irritação, e tomou mais um gole de uísque. Mas por que diabos ele tinha mesmo vindo pra essa festa, ele pensava contrariadíssimo enquanto considerava a hipótese de se mandar daquele lugar e ir passar o resto da noite no conforto de sua casa. Se virou para sair dali e tentar contornar a pista, mas logo seus olhos se fixaram numa silhueta no salão.

Her hair is Harlowe gold,

Her lips sweet surprise

Her hands are never cold,

She's got Bette Davis eyes

She'll turn her music on you,

You won't have to think twice

She's pure as New York snow,

She's got Bette Davis eyes

Seu cabelo é dourado como Harlow,

Seus lábios uma doce surpresa

Suas mãos nunca estão frias,

Ela tem os olhos de Bette Davis.

Ela vai ligar sua música em você,

Você não terá que pensar duas vezes

Ela é pura como a neve de Nova York,

Ela tem os olhos de Bette Davis.

Grande porcaria, pensava Milo enquanto os acordes da música invadiam seus ouvidos e ele a via na pista, lembrando pouco a amazona aguerrida e orgulhosa que era no Santuário e se parecendo agora uma moça comum, embora não se lembrasse de nenhuma moça 'comum' com aqueles olhos verdes intensos e aquele rosto delicado. Soltou mais um suspiro irritado, não sabia por que diabos ele sempre, sempre se lembrava dela quando escutava essa música em particular. Ela não era uma bombshell loura e sedutora como a retratada na letra da canção, mas era simplesmente inevitável... E parecia uma verdadeira brincadeira de mau gosto do destino dar de cara com Shina exatamente na hora que estava tocando essa música no salão.

And she'll tease you,

She'll unease you

All the better just to please you

She's precocious and she knows just

What it takes to make a crow blush

She got Greta Garbo stand up sighs,

She's got Bette Davis eyes

E ela vai provocar você,

Ela vai te inquietar,

Tudo de melhor, apenas para agradá-lo

Ela é precoce, e sabe exatamente

O que é preciso para fazer corar um profissional

Ela tem os suspiros indiferentes de Greta Garbo,

Ela tem os olhos de Bette Davis.

E ela estava ali, linda como nunca em um vestido preto despretensioso, os cabelos castanho escuros soltos nos ombros, olhando para a pista com um quê de estranheza e certo desconforto. Ele intuiu que ela estaria ali, naquela festa, tão fora de seu habitat natural quanto ele mesmo estava; mas a sensação de inadequação que ela passava apenas a deixava mais adorável.

Milo afastou o pensamento com outro gole de uísque. Não entendia porque estava pensando isso tudo, ou achando Shina de Cobra, dentre todas as mulheres, bonita e adorável. Devia ser o álcool pensando em seu lugar, só podia.

Mas uma pontada atravessou seu peito e a sensação de incômodo que originalmente o fez se levantar de sua mesa decuplicou quando viu os olhos verdes dela brilharem com algo de decepção e tristeza, quando ela viu o cavaleiro de Pégaso e sua namorada se abraçando na pista. E por mais incomodado que isso o tivesse deixado, ele não conseguia tirar os olhos dela. E ela não tirava os olhos do outro casal.

Dessa vez, virou o copo inteiro de uma vez só.

She'll let you take her home,

It whets her appetite

She'll lay you on her throne,

She's got Bette Davis eyes

She'll take a tumble on you,

Roll you like you were dice

Until you come at blue,

She's got Bette Davis eyes

Ela vai deixar você levá-la para casa,

Ele aguça o apetite

Ela vai colocar você em seu trono,

Ela tem os olhos de Bette Davis.

Ela vai te dar um tombo,

Te rolar como se você fosse dados

Até chegar no azul,

Ela tem os olhos de Bette Davis.

Milo pensou que não podia ser só o álcool embotando seu raciocínio lógico, ele também tinha que estar ficando doido. Talvez fossem mesmo pancadas demais na cabeça para passar incólumes, e agora elas estavam cobrando seu preço. Porque essa era a única explicação lógica e racional para o fato dele estar se incomodando com o fato de que Shina de Cobra estivesse ali, diante dele, em plena crise de dor de cotovelo por um franguinho de bronze e sua namoradinha sem sal e nem açúcar.

Ele bufou, olhando de novo para o copo e imediatamente subindo o olhar para o bar.

Foi até lá, se escorando no balcão lotado para pedir outra dose de uísque, embora soubesse que aquilo estava longe de ser prudente. Pegou outra dose, virando um bom gole de uma vez só, e mesmo sem querer seus olhos buscaram a amazona na pista, vendo que ela estava ainda no mesmo lugar, mas agora sem olhar tanto para o outro casal devido a aproximação da antiga amazona fantasma de vampiro, uma de suas grandes amigas.

'Mas é uma idiota mesmo', pensou Milo, balançando levemente a cabeça em negativa enquanto tomava mais um copo de uísque em um gole só, ainda apoiado no balcão do bar. Não entendia porque ela ainda se importava tanto com o molequinho de bronze, e menos ainda suas tentativas de negar o óbvio e ululante fato de que era apaixonada pelo cara. Se bem que era bem ridículo ser apaixonada por um frangote que não está nem aí para você, completou em pensamento.

Nesse ponto, sentiu a proximidade de uma garota até ajeitadinha, bem sorridente, tentando começar uma conversa consigo. Sorriu de volta sem nenhuma vontade, embora soubesse que aquela poderia muito bem ser sua chance de sair daquela festa acompanhado. Começou com a moça uma conversa casual, apesar da música alta, tirando do pé uma empolgação que não tinha. E enquanto a mocinha lhe sorria e demonstrava inegável interesse, ele se pegou olhando de canto de olho para a amazona de Cobra.

De novo.

She'll expose you, when she snows you

Off your feet with the crumbs she throws you

She's ferocious and she knows just

What it takes to make a pro blush

All the boys think she's a spy,

She's got Bette Davis eyes

Ela vai expô-lo, quando você se jogar

Aos seus pés com as migalhas que ela te joga.

Ela é feroz e sabe exatamente

O que é preciso para fazer corar um profissional

Todos os rapazes acham que ela é um espião,

Ela tem os olhos de Bette Davis.

'Mas que droga!', pensou consigo mesmo, mas a garota sorridente tocou seu braço e lhe chamou para dançar. Acabou se deixando ser puxado dali, enquanto a menina o levava pelo braço até a pista, e bem diante das vistas das duas amazonas. Não sabia porquê, mas se sentiu ansioso de saber que Shina poderia vê-lo com a moça.

E realmente, ela o viu. Talvez porque Gisty tenha visto primeiro, porque claramente percebeu que a ex-líder dos cavaleiros fantasmas o estava mostrando para a amiga, ainda que discretamente.

Sentiu uma ponta de prazer amargo de saber que Shina estava ali, vendo ele com outra garota, talvez para que ela visse que ele não era tão tonto quanto ela. Ele jamais perderia seu tempo com alguém que não lhe desse a mínima, essa era uma das diferenças entre eles.

Tocou a cintura da garota enquanto sentia ela pousar as mãos em seus ombros ao ritmo da música e tocar de leve seu pescoço com os lábios.

Mas em pouco tempo seus olhos foram de novo para a outra, e pegou a amazona de Cobra olhando para o outro casal.

De novo.

And she'll tease you,

She'll unease you

All the better just to please you

She's precocious, and she knows just

What it takes to make a pro blush

All the boys think she's a spy,

She's got Bette Davis eyes...

E ela vai provocar você,

Ela vai te inquietar

Tudo de melhor, apenas para agradá-lo

Ela é precoce, e sabe exatamente

O que é preciso para fazer corar um profissional

Todos os rapazes acham que ela é um espião,

Ela tem os olhos de Bette Davis...

Disse uma desculpa qualquer no ouvido da garota, e se desvencilhou dela enquanto a música acabava.

Saiu quase correndo dali, na maior velocidade que suas pernas permitiam sem se trançar uma à outra, se sentindo ridículo.

And she'll tease you

She'll unease you

Just to please you

She's got Bette Davis eyes

She'll expose you

When she snows you

She knows you

She's got Bette Davis eyes...

E ela vai provocar você

Ela vai te inquietar

Apenas para te agradar

Ela tem os olhos de Bette Davis

Ela vai te expôr

Quando você se jogar

Ela te conhece

Ela tem os olhos de Bette Davis...

Tinha já um tempo que uma ideia louca se formava em sua cabeça, mas era uma tão louca que ele nunca tinha tido sequer coragem de dar voz à ela; embora todos os seus colegas já tivessem feito alguma brincadeira ou insinuação a respeito, Camus incluído. Mas ele mesmo achava tão ridícula a insinuação de que ele, Milo, pudesse sentir alguma coisa por Shina que jamais deixou que nenhum deles seguissem falando esse tipo de coisa.

Deu um sorriso amargo ao perceber, bêbado e sozinho depois de literalmente dispensar uma companhia certeira de fim de noite, que foi preciso beber quase um litro de uísque e fazer o papelão que fizera para perceber que a maldita ideia insistente não era uma loucura sem pé nem cabeça...

Era a mais pura verdade.

Ele estava apaixonado pela Shina.

Ele estava quase ficando com outra garota na frente dela, literalmente para chamar sua atenção.

E ele sabia perfeitamente que ela gostava de outro cara.

E todo mundo já tinha percebido antes, menos ele. Era bem capaz até dela mesma já ter percebido...

Agora, sentia todo o uísque que tomou cobrar seu preço em forma de uma tontura forte e um estômago absolutamente embrulhado. Saiu da festa, quase tropeçando nas próprias pernas, e decidiu que tinha que voltar para casa; de preferência antes que o conteúdo de seu estômago fizesse contato com o mundo dos vivos.

Maldita hora que tinha decidido vir para essa maldita festa, e mais maldita ainda a hora em que decidira beber tudo o que tinha bebido.

Saiu na calçada, tonto e fulo da vida, esperando que passasse por ali um táxi salvador que o levasse para o Santuário, muito apesar da bela distância que se tinha daquele hotel até sua casa. Provavelmente esvaziaria a carteira ao pagar o táxi sozinho, mas não estava sequer considerando a hipótese de voltar para dentro do salão e esperar que algum de seus outros companheiros se dignasse a voltar para casa.

Estendeu a mão, esperando que algum deles parasse; o que demorou um certo tempo. A tontura continuava irritante, e o raciocínio bem mais lento do que o habitual. Era má ideia voltar sozinho, mas estava se sentindo tão miseravelmente chateado consigo mesmo que não estava se importando muito.

Enfim um táxi resolveu parar, enquanto ele pensava que se ele fosse uma moça não teria esperado tanto. Azar dos outros, de qualquer forma, porque ele certamente pagaria uma corrida muito cara até o Santuário.

E quando entrava no carro ouviu uma voz feminina atrás de si, pedindo para o táxi esperar. Se virou para ver quem era, e teve a surpresa de ver que era a amazona de Cobra.

Mas era só o que faltava. Mesmo.

Olhou para ela com certa estranheza, mas sem ânimo para fazer algum comentário jocoso, e ouviu ela se justificar dizendo que queria voltar para o Santuário também, e queria rachar o táxi. O motorista não objetou, e em pouco tempo Shina já tinha pulado para dentro do carro, enquanto ele entrava não sem certa dificuldade.

A tontura, agora que ele estava sentado, beirava o insuportável. E o estômago embrulhado não queria colaborar de jeito nenhum. E ela estava ali, do seu lado, sentada no banco de trás do mesmo táxi.

Tão perto, tão longe.

Era uma situação surreal, mas ele estava realmente ocupado tentando não vomitar dentro do carro. Porque, isso sim, seria a cereja do bolo daquela noite.

- Milo? - Ouviu a voz dela tentando lhe chamar.

- Hm?

- Tá tudo bem?

Ele fez um sinal de positivo com o polegar, já que balançar a cabeça em concordância estava fora de questão. Recostou então a cabeça no vidro do carro, olhando as estrelas do céu meio nublado enquanto se concentrava em parecer menos bêbado do que estava.

Bom, não é que ele gostasse de reclamar nem nada, mas esse tipo de coisa só podia acontecer com ele mesmo. Se perceber apaixonado por uma garota que está na de outro cara depois de praticamente todos os seus amigos e colegas de trabalho, precisamente no meio de um porre; e por causa dele estar quase passando mal dentro de um táxi e, cúmulo dos cúmulos, a garota por quem ele está afim está dentro do mesmo carro, enquanto ele lutava para não ser motivo de vergonha para ele mesmo.

' Digno de um cavaleiro de ouro. Realmente, Milo, meus parabéns...' Pensou exasperado.

- Milo?

- Hm.

- Tá tudo bem mesmo?

- Tá.

- É aqui? - Perguntou o motorista, e Milo viu que tinham chegado, com a graça dos Deuses, e ele tinha conseguido chegar razoavelmente incólume até aqui.

- É. - Shina já alcançava a carteira dentro da bolsinha preta, mas Milo colocou a mão na bolsa, esbarrando na coxa da garota sem querer.

- Deixa que eu pago. - Ele disse, pegando a carteira no bolso.

- Não, a gente vai dividir!

- De jeito nenhum.

- Não precisa pagar o táxi por mim não, eu tenho dinheiro também.

- Faço questão. - Milo entregou uma nota graúda para o taxista, esperando então pelo troco. Conferiu o montante com certa dificuldade, e abriu a porta para sair do carro. Mas ao levantar respirou fundo e quase teve que sentar no banco do carro de novo, porque o mundo girou e o chão sumiu embaixo dos seus pés.

Na verdade, só não sentou porque Shina tinha saído do carro e estava segurando em seu braço, do contrário ele teria se estatelado no chão.

Que beleza...

- Pode me soltar, Shina. Eu tô legal.

- Tá sim, simplesmente ótimo. Agora vem que eu vou te ajudar a chegar em casa.

- De jeito nenhum.

- Não discute, Milo, que você não está em condições. Francamente, precisava beber desse jeito?

- Melhor do que ficar o tempo todo na festa olhando pro Seiya com cara de bunda, não? - Milo se deu conta do que tinha dito ao ver a expressão sombria no rosto da amazona.

'Perfeito, ótimo comentário, sua besta...' Se deu um tapa mental, e tentou remediar a situação.

- Foi mal, Cobra.

- Você não disse nada que tenha me atingido, Escorpião. - Devolveu a outra, num tom seco, enquanto passava o braço dele pelos seus ombros. - Agora vamos.

- Não precisa me levar, é sério. - Milo sentia a tontura piorar muito, e por mais que lhe doesse admitir (e doía muito, podem acreditar), ele sabia que precisaria de ajuda para voltar para casa.

Mas preferia mil vezes ser carregado até sua casa por qualquer soldado raso de guarda que o encontrasse caído por ali do que por Shina de Cobra, precisamente.

- Pare de graça e vamos, Escorpião. - A amazona segurou firme em seu braço e o levou escadarias acima.

Milo bem que tentou se manter firme, mas o máximo que conseguiu foi caminhar de forma trôpega apoiado pela amazona, que o ajudava estoicamente escadarias acima.

Quando deu por si, estava nos aposentos privados de seu templo, e Shina seguia guiando-o pelos ombros. Se desvencilhou e praticamente enxotou dali a amazona, porque dessa vez não conseguiria mais segurar seu enjoo. Ela saiu, sob protestos veementes, dizendo que ele não poderia ficar ali sozinho no estado em que estava, e provavelmente estava certa. Mas era melhor isso do que ela ver Milo de Escorpião de joelhos no banheiro, colocando os bofes para fora.

Tentou ir rápido para o banheiro, tropeçando pelo caminho até cair de joelhos e rastejar até o sanitário. Vomitou tudo que podia e o que não podia também, enquanto se apoiava na borda do vaso. Tremia além do seu controle, seguramente vivendo o pior porre de toda sua vida. Não que fossem muitos, aliás; mas aquele com certeza seria memorável. Tentou se levantar e falhou miseravelmente, conseguindo no máximo se sentar no chão com o corpo encostado na parede, sentindo sua consciência se esvair devagar enquanto suava frio.

Sentia vagamente que alguém tentava tirar sua camisa, limpando o suor de seu rosto com ela para depois levantá-lo para colocá-lo embaixo de uma ducha fria. Por mais que tentasse, porém, não conseguiria discernir mais nada de nada.

Achava que via diante de si o rosto de Shina, mas ele podia muito bem estar alucinando. Tudo isso, aliás, podia ser uma alucinação. Certeza que bebera o suficiente para isso. Via o rosto delicado e os grandes olhos verdes, olhos de gata triste, que diziam muito mais do que mil palavras...

Como ele era idiota.

No meio daquele torpor, despido de sua habitual arrogância, entendia finalmente o porquê de ter sempre implicado tanto com a amazona. Era porque ela o atraía. E aqueles olhos o atraíam, mesmo antes que ele os pudesse ver sem a máscara que representava a ameaça ancestral das amazonas.

Matar ou amar.

Mas ela amava outro. Outro que viu seu rosto antes dele, e mais do que isso; capturou seu coração para si antes dele.

E ele, idiota que era, não entendera na época em que soubera disso o porquê daquilo tê-lo tirado tanto do sério.

Agora que estava ali, bêbado, sozinho e miserável, ele entendia.

Até a música, é, agora ele entendia. Lembrou daquela música quando viu pela primeira vez os olhos da garota.

Eram os olhos. Sempre foram os olhos.

E foi pensando mesmo sem querer naqueles olhos verdes que ele apagou de vez.

OOO

- Owww...

Milo sentiu sua cabeça doer como se tivesse sendo espremida por uma maldita bigorna. Isso sem contar o gosto horrível na boca.

Não teve coragem de sequer abrir os olhos, mas sentia o sol bater em seu rosto, fazendo sua cabeça estalar de dor e sentindo seu mundo rodar ao tentar cobrir os olhos fechados com o braço.

É, ele estava vivo, e com a mãe de todas as ressacas.

- Ma Athenée merci, você acordou. - Ouviu a voz de Camus, e também ouviu as cortinas se fechando. - Vamos fechar essas cortinas, sim? No momento, você não precisa de claridade.

Agradeceu o amigo com um grunhido.

- Gente, ele tá vivo! - Ouviu a voz irônica de Aiolia, e instintivamente levantou o dedo médio da mão direita, cujo antebraço usava para tentar cobrir o rosto. - Ahhh, bicho idiota! Eu lá ajudando a cuidarem de você e é assim que você me agradece?

Se remexendo onde estava deitado, percebeu que estava em sua cama, em roupas íntimas e razoavelmente limpo. Certamente, alguém o ajudara. Mas se lembrava de muito pouco do que aconteceu, desde a hora que enxotara Shina de seu quarto. Sabia que ele tinha ido para o banheiro, mas como de lá ele veio parar em sua cama, limpo e de cuecas novas, isso ele não tinha a menor ideia.

- Aliás, você devia agradecer muito tua musa, viu? Ela cuidou direitinho de você enquanto eu não cheguei.

Milo afundou a cara no travesseiro, tentando puxar pela memória alguma lembrança do que tinha acontecido, mas não tinha nenhuma. Intuiu, porém, que Aiolia e Marin deviam estar voltando também, e que Shina deve tê-lo encontrado para pedir ajuda para ele.

Mas que ótimo. Ter sido banhado e posto na cama de cuequinha por Aiolia de Leão.

Ma-ra-vi-lha.

- Milo, tome, eu te trouxe um pouco de água com açúcar. Isso ajuda. - Camus tentava colocá-lo mais sentado na cama.

- Então foi... - Milo lavou a boca com a água que Camus lhe dera. - ...Foi você que me colocou aqui na cama, Xaninho? Não abusou de mim não, né?

- Bom... - Aiolia engoliu um risinho, recebendo um olhar duro de Camus. - Na verdade, quem te limpou e te deu banho foi tua musa. Eu só ajudei ela a te colocar uma cueca limpa e te pôr na cama.

Nesse momento, Milo descobriu que a ressaca moral podia ser muito, muito pior do que a ressaca física que ele estava sentindo.

- Aiolia, isso foi desnecessário. - Camus olhou para o amigo, já preocupado de antemão com os efeitos de tal revelação no já combalido ego do escorpiano.

- E você queria o quê? Eu não vou mentir que é pecado! Vou falar que fui bem eu que quase me molhei inteiro pra segurar o bicho em pé embaixo do chuveiro da banheira?

Milo afundou ainda mais a cabeça no travesseiro. Não podia acreditar que, de todas as pessoas nesse mundo, fosse justamente ela a tomar conta de seu porre.

E porque, pelos deuses, ela tinha que ter chamado o Aiolia para ajudar? Se bem que com o cavaleiro de Leão não haveria maiores problemas. Era só mandá-lo para aquele lugar e pronto, problema resolvido. E ele também se lembrava de ocasiões bem semelhantes envolvendo o protetor da quinta casa. Isso sem falar em algumas outras situações envolvendo o leonino que ele seguramente preferiria que ficassem em segredo...

Mas ele achava extremamente improvável que ele fosse ter coragem de olhar na cara da amazona de cobra alguma vez mais na sua vida. Não depois que ela o viu vomitando com a cara afundada na privada, ou mesmo despido e semiconsciente embaixo de um chuveiro. Quaisquer chances que ele viesse a ter com a moça, elas tinham simplesmente ido por água abaixo.

Milo quase riu de si mesmo. Que chances? Elas não existiam desde o começo, mesmo.

- Aiolia, tenta não piorar as coisas, sim? Tudo bem que você já falou mesmo, mas também não precisa ficar achando engraçado. - Camus, apesar de toda sua decantada indiferença, estava genuinamente preocupado com o amigo. Sentia-se levemente culpado, até: Percebera, enquanto estava na festa, que Milo bebera bem mais do que o habitual; conhecia o amigo e sabia que sua tolerância ao álcool não era das melhores, mas como ele imaginaria que Milo fosse sair de perto deles para continuar bebendo?

- Ah... - Aiolia suspirou. - Tá certo, vai. Mas ele ia ter que saber mesmo, né... Bom, então eu vou indo. Eu passo aqui depois pra ver se o bichinho tá melhor. Nem se preocupe que eu já avisei o Shion que você não ia descer pra treinar hoje.

Milo soltou um grunhido enquanto Aiolia deixava sua casa. Camus continuou sentado no pé da cama.

- Pode ir também, Camus. Eu já posso me cuidar sozinho. - Milo disse num tom baixo.

- Tem certeza?

- Tenho.

Camus se levantou, olhando hesitante para o amigo.

- Camus? - Milo o interrompeu no momento que este se preparava para cruzar a porta.

- Diga.

- Eu... - Milo se encolheu na cama. - Eu fiz m****.

- Calma, Milo. Não é para tanto...

- Eu fiz m****. A Shina, de todas as pessoas, me viu daquele jeito. Eu quero sumir...

- Ça va, ça va. Não seja duro consigo mesmo, todo mundo passa por isso um dia. Eu já passei, você sabe... Você não é o primeiro, nem vai ser o último cavaleiro de ouro a passar por um porre desses. - Camus se sentou na borda da cama de novo. - Confie em mim, em pouco tempo ninguém vai estar ligando pra isso, até mesmo a Shina.

- Eu gosto dela... - Murmurou o outro, quase que de si para si. Camus ouviu, mas ficou em silêncio. A quietude do quarto durou um tempo, até que o próprio Milo a quebrou. - Você já sabia, não?

- Desconfiava... - Camus arqueou os lábios num sorrisinho. - Mas bem, ninguém pode te acusar de ter mau gosto.

- Ela gosta de outro cara... - Milo encolheu-se mais. - Do Seiya. Pode isso?

- É duro mesmo de acreditar, amigo...

Outro momento de silêncio.

- Camus?

- Hm?

- E o que eu faço?

- Heh... - Camus deu outro risinho. - Beba. Nesse ponto você fez certo.

- Não tem graça.

- Eu estou brincando, por acaso?

- Está...

- Heh.

Mais um momento de silêncio.

- Milo?

- Hum?

- Eu vou em casa buscar umas coisas e já volto.

- Eu não preciso de babá, Camus.

- Bom para você, porque eu não sou uma. Mas eu não posso mais mais nem passar o dia na casa do meu melhor amigo, por acaso?

- Camus...

- Teu videocassete está funcionando?

- Tá... - Milo suspirou, sabia que Camus em pouco tempo se instalaria em sua casa com algumas fitas de cinema clássico, alguns petiscos e muito provavelmente um bom vinho. Se bem que a ideia do vinho lhe causava arrepios.

- Eu volto jájá.

Milo deu outro grunhido enquanto o amigo deixava seu quarto.

Pelo menos Camus o manteria distraído, e ele poderia passar o dia menos miserável do que imaginava. Não era de todo uma má ideia.


Bom, essa é uma tentativa de um começo de Milo e Shina. Eu tenho uma quedinha por esse casal, mesmo. Espero que gostem, e deixem reviews!

Leitores de Sui Generis, acompanhem isso aqui também! E não fiquem tristes, em pouco tempo o novo capítulo vai chegar!

O mesmo aviso vale para Skandalón! Aguardem e confiem!

E, como de hábito: Stay tuned!