Camila apertava o botão várias vezes seguidas, nenhuma música parecia dramática o suficiente para esse momento de sua vida. Enquanto seus olhos passavam do Ipod para a rua de terra vazia lá fora, ela segurava as lágrimas o máximo que podia. Ela não sabia se queria chorar de raiva, de tristeza, de angustia ou por causa de tudo isso ao mesmo tempo.

Ela tirou um dos fones porque o taxista tentava chamar sua atenção e murmurou um "ok" quando ele disse que em alguns minutos eles estariam chegando no internato. Sim, isso mesmo, um internato. Era o começo do fim da sua vida. E ela não podia fazer nada para impedir isso. Ela pensou em fugir, mas do que ia adiantar? Provavelmente teria que voltar pra casa alguns dias depois de qualquer jeito porque nunca ia conseguir se virar sozinha. Ela tinha apenas 15 anos, o que ela iria fazer em uma cidade como Miami, sozinha?

Aparentemente, além de seus pais mandarem ela pra longe de sua namorada, eles queriam mandar ela pra longe da civilização inteira também. Ela sabia que estava em algum lugar no Texas, mas era tipo o interior do interior do interior de Texas.

Camila nem achava que aquilo ia adiantar. Não era como se ela quisesse ser lésbica ou algo do tipo. Pelo contrário, ela tentou ficar com garotos, mas sempre que chegava na hora do beijo, ela fugia. Algo dentro dela dizia que não era aquilo que ela queria, e ela nunca sentia aquelas tais borboletas no estômago que tanto lhe falavam. Não que ela tivesse muitas amigas também... Mas ela lia muitos romances, e eles sempre comentavam sobre as tais borboletas. Camila nunca acreditou muito, porque todas as poucas vezes que ela deixou um garoto se aproximar, e esperou pela sensação, não era o que acontecia. Ela sentia um nervosismo, que acho que qualquer um sente antes de dar o seu primeiro beijo. Mas não era nada de especial, não era o que ela queria.

E então ela estava lá segurando um copo de refrigerante, sentada no canto da piscina, com os pés na água, em uma festa que ela não queria estar. E essa garota se aproximou e elas passaram o resto da festa conversando e rindo. Camila não entendeu muito bem o porque, ela sempre foi meio invisível na sua escola. Não do tipo que sofria bullying nem nada, mas as pessoas apenas... a ignoravam. Ela não se achava bonita, não gostava do seu corpo, do seu rosto, de nada. Era muito insegura e acho que isso acabava escondendo sua personalidade. Camila não conseguia ser ela mesma com o resto do mundo, e isso era muito frustrante para ela. Mas por algum motivo, assim que essa garota se aproximou e ofereceu um sanduiche pra ela, Camila se sentia livre para poder ser ela mesma, porque aquela garota definitivamente não era da mesma escola que ela. Na verdade ela parecia ser bem mais velha que o resto das pessoas daquela festa. Camila chutou que ela tinha uns 18 anos.

FLASHBACK

Da onde você tirou um sanduíche? – Camila riu, aceitando.

Ah, ninguém fez nada pra comer nessa festa! – A garota sentou ao lado de Camila, colocando os pés na água também. – Eu fui até a cozinha e fiz dois sanduíches. Um pra mim – ela apontou o dedo em sua direção e depois na direção da Camila. – e um pra você.

Mas...Por que? Você nem me conhece e – Camila parecia confusa. – Você simplesmente entrou na cozinha da casa de alguém e fez um sanduíche?

Uhum! – A garota deu uma mordida no próprio sanduiche, enquanto Camila a olhava sem saber se devia comer ou não. – Considerando que a Allie é minha irmã – Camila estremeceu um pouco, engasgando com o sanduíche. Allie era uma das garotas mais populares da escola, e mais bonitas também. Ela era uma das garotas que faziam questão de fingir que Camila era invisível. - E eu sou a responsável pela casa, já que nossos pais estão viajando... Sim, eu fiz um sanduíche.

Hmm – Foi tudo que Camila conseguiu responder para a garota alta de olhos azuis. – E por por que você fez um pra mim? Quer dizer – ela colocou o cabelo atrás da orelha – Como você... eu...você sabia que eu estava aqui?

Ei, relaxa. Eu não sou igual a minha irmã. Eu sei como ela é ok? Eu só achei que você precisava de uma companhia. Ficar aqui sozinha não parece ser umas das coisas mais legais pra se fazer em uma festa. – A garota fez uma pausa e sorriu para Camila – Meu nome é Alice.

O meu é Camila – Ela ainda encarava Alice de uma forma meio desconfiada, mas sorriu de volta. Camila mexeu um pouco os pés na água, mordendo seu sanduíche e olhando para todos os lados, sem saber o que falar. Graças a deus Alice parecia saber o que falar o tempo todo porque se dependesse dela o assunto teria acabado.

Eu queria te perguntar uma coisa, na verdade... – Alice olhou na direção de um garoto que estava em pé com alguns amigos. – Você ta vendo aquele garoto ali? - Ela apontou para o garoto que estava segurando um copo e sem camisa. Ele tinha cabelo castanho e olhos verdes. Camila olhou na direção que Alice apontava e acenou afirmativamente com a cabeça. – Ele é meu amigo e pediu para eu vir falar com você...

Por que? – Camila fez uma careta, sem entender direito.

Porque...Ele gostou bastante de você e... – Alice ergueu uma sobrancelha. Camila franziu a testa, achando que era algum tipo de brincadeira de mal gosto. – Mas eu to aqui sentindo meu estômago se revirar só de pensar nisso.

O que? Co-Como assim? – Camila ficou mais confusa ainda.

Eu acho que, como eu que te vi primeiro... Você pudesse falar que não, você não esta interessada nele, e pudesse passar o resto da noite aqui, conversando comigo... O que você acha?

Ãhh ... eu...hm... sim? – Camila não sabia o que responder. Primeiro porque ela não tinha entendido o que Alice quis dizer com aquilo, segundo porque ela estava sentindo alguma coisa dentro do estômago dela se remexer. Ela finalmente chegou a pensar que eram as malditas borboletas... Mas... Por causa de uma garota?

E foi isso, as duas passaram o resto da noite conversando, depois dias seguidos juntas e quando Camila percebeu, ela tinha perdido seu bv, com uma garota, e estava em um relacionamento, com uma garota, de 18 anos.

FIM FLASHBACK

Malditas borboletas. – Camila sussurrou para si mesma, colocando a mão na barriga. Enquanto a diretora daquele lugar falava com ela, a única imagem que vinha em sua cabeça era o rosto de Alice. Ela já estava com saudade e nem pode se despedir direito da " namorada" . Ela nem sabia mais o que as duas eram! Só de pensar nisso as borboletas pareciam dar socos em seu estômago. Camila era insegura demais. E Alice, bonita demais. Ela ainda não entendia o que Alice tinha visto nela, e sabia que os pais dela terem a obrigado a ir para o internato só iria piorar as coisas. Sua namorada não era do tipo que ficava solteira muito tempo, ela era...bonita demais. Simpática demais. Engraçada demais.

E o pior de tudo, a última conversa entre as duas foi basicamente Alice implorando para Camila não ir, desobedecer os pais, e sua última frase para a namorada foi: " Eu vou fazer o que meus pais querem, eu acho que é o melhor pra todo mundo. " Por que ela tinha falado aquilo? O melhor pra todo mundo quem? Como que ela podia ter deixado Alice, em Miami, sozinha? Camila grunhiu alto. Ela estava tendo um surto psicótico imaginando sua namorada sozinha naquela cidade, com aqueles amigos, com aquelas garotas lindas, bronzeadas, de biquíni... É como quando alguma coisa acontece mas você não consegue ter uma reação porque aquilo não parece real. Mas de repente cai a ficha, e sim, aquilo aconteceu, esta acontecendo, e parece que você não consegue respirar. Ela se levantou abruptamente da cadeira. A diretora parou de falar, a encarando.

Está tudo bem com você minha jovem? – A diretora falou num tom severo.

Si-Sim, me desculpe. Eu só... hm. – Ela ficou quieta, encarando a diretora sem saber o que falar. Camila não tinha ouvido uma palavra do que a mulher estava falando.

A diretora bufou e entregou um pacote bem estufado para Camila. – Ai dentro está seu uniforme, vá vestir e uma das minhas assistentes vai te mostrar onde é o seu quarto.

Camila olhou do pacote para a diretora algumas vezes, até que falou:

Eu tenho que usar isso... o dia inteiro?

Sim. Você tem aula em período integral aqui. Sendo que o período da tarde é opcional. Como eu já havia explicado... – Ela ergueu uma sobrancelha.

Então...Se eu não fizer as aulas opcionais... Eu não preciso usar esse uniforme o dia inteiro?

Não senhorita Cabello.

Hm... Ok – Camila virou de costas e saiu em direção ao banheiro para se trocar.

A diretora ficou encarando a garota, confusa. Ela estava cansada daquelas adolescentes rebeldes em seu internato.

-x-

Camila se olhou no espelho com aquele uniforme. Ela parecia ter uns 12 anos com essa roupa. Era ridículo ela ser obrigada a usar algo assim. Uma saia até o joelho, uma camisa branca muito grande para ela. Meias até o meio da canela e um sapato que parecia masculino. Pelo menos a sua tiara ela ainda podia usar. Ela achava que podia pelo menos. Ela enfiou suas roupas em uma das malas e saiu do banheiro. Lá fora, uma das assistentes a esperava.

Elas seguiram andando pelos corredores. Era tudo tão...antigo. Não que Camila achasse feio, na verdade era muito bonito. Quase igual aquelas casas que apareciam em filmes antigos. Mas o problema era que aquilo não era um filme de época. Era um internato. E ela tinha que usar saias até o joelho e camisas de manga comprida.

Elas viraram em um corredor que ia em direção ao refeitório. Ali ficavam vários bancos, quase como se fosse um corredor recreativo, porque muitas meninas estavam sentadas nos sofás, conversando e rindo. A assistente seguiu reto, mas parou de frente para um dos sofás. O que fez Camila trombar com ela, porque ela estava muito ocupada tentando abrir um dos botões de sua camisa para não morrer sufocada. A assistente a olhou sem expressão e depois se virou para o sofá.

Camila olhou na mesma direção e ficou intimidada. Tinha uma garota deitada no sofá, mascando chiclete, de cabelos longos e escuros iguais os seus, mas os dela eram ondulados. Ela tinha um olho tão verde que quase cegou Camila. Ela tinha um olhar entediado e estava com uma jaqueta de couro por cima do uniforme.

Lauren. – A assistente falou e não obteve resposta, a garota continuava fazendo bolas de chiclete e encarando o nada. – LAUREN. – Ela falou mais alto.

Que foi? – A garota respondeu, grossa. Ela se ajeitou no sofá, sentando de frente para a assistente e Camila. Assim que Lauren percebeu a presença de Camila ela ficou a encarando diretamente nos olhos.

Camila olhava Lauren de cima a baixo. O jeito que ela se sentava era ... era...aquela garota parecia uma modelo. Era injusto alguém ser tão bonita assim, Camila pensou. Os olhos de Camila se encontraram com os de Lauren rapidamente, antes dela desviar, com vergonha. Lauren notou isso e sorriu de lado para a garota.

Lauren, você pode prestar atenção durante um minuto, por favor? – A assistente cruzou os braços, irritada. – E tire essa jaqueta, você sabe que não as meninas do internato não podem tirar o uniforme durante o período de aulas.

Ta ta ta... O que você quer Michelle?

É senhora Michelle pra você Lauren. E eu preciso de sua ajuda. Essa garota chegou hoje aqui e eu preciso mostrar onde fica o quarto dela. Considerando que é do lado do seu, eu achei que você poderia ter um pouco de boa vontade pelo menos hoje e mostrar o caminho para ela.

Camila apenas encarava a assistente, com medo de olhar para Lauren. Ela odiava aquilo. Preferia achar o quarto sozinha. Lauren era exatamente o tipo de garota que ela evitava. E exatamente o tipo de garota que fingiria que ela era invisível, se isso fosse uma escola. Mas acho que meio que era... uma escola, quer dizer. Então...

Para sua surpresa, Lauren levantou do sofá e arrumou sua jaqueta. – Claro Michelle, com muito prazer. – E saiu andando.

Camila teve certeza que Lauren havia piscado para ela antes de virar de costas. Mas talvez ela só estivesse ficando louca por causa daquele lugar. Ela estava em um internato no fim do mundo. Sua namorada saindo com modelos de biquíni em Miami. Seus pais a odiavam porque ela tinha uma namorada. Usando um uniforme ridículo que a deixava horrível. E ainda teria que aguentar aquele tipo de garota que lhe fazia lembrar de todas as outras garotas da sua escola. E o pior de tudo, lhe fazia lembrar da pessoa que ela mais sentia falta, sua namorada.