Feuer
Aquela tarde estava insuportavelmente quente. Marguerite estava irritada com tudo e com todos. Após o almoço e uma calorosa discussão com Roxton (com quem ela estava casada há alguns anos), a jovem pegou suas duas filhas e saiu para que pudessem dar uma volta e talvez nadar.
A filha mais velha de Marguerite, era Sara, uma linda menina, de quatro anos, com longos cabelos negros e encaracolados, tinha olhos claros e pele rosada. A filha mais nova, Lavínia, era um bebê de alguns meses, tinha cabelos castanho escuro e lindos olhos verdes. Apesar de muito pequena, ela já era uma menina muito esperta e sorridente. Quando Marguerite estava irritada somente as duas meninas conseguiam acalmá-la.
Ela havia mudado muito nos últimos anos, claro que, continuava adorando jóias e seu humor permanecia sarcástico, mas ela estava mais calma e muito carinhosa, pelo menos com as meninas e com Roxton.
Elas caminharam até o lago e, antes mesmo que Marguerite o atingisse, a pequena Sara já estava na água.
Marguerite estava prestes a entrar na água quando ouviu um estranho um choro, não era de nenhuma de suas filhas, parecia vir de longe. Ela, com a filha mais nova nos braços, começou a procurar. Procurou por todos os lados, mas sempre atenta a Sara, que brincava na água. Foi então que viu, ao longe, uma menina, seus cabelos eram ruivos, tão vermelhos que, visto de longe, pareciam fogo.
A menina estava sentada no chão, o rosto estava encoberto por suas pequeninas mãos e ela chorava desesperadamente. Ela não percebeu a chegada de Marguerite e levou um grande susto quando esta perguntou-lhe se estava tudo bem. Ela olhou bem fundo nos olhos de Marguerite e balançou negativamente a cabeça. Os olhos da menina eram de uma cor que Marguerite simplesmente não saberia descrever, pareciam verdes, mas se olha-se bem, veria que eles eram castanhos, mas ao olhar de novo para eles veria aquele verde profundo mais uma vez.
- O que aconteceu com você?
- Vá embora.
- Por que você está chorando? – a menina não respondeu, estava apenas olhando para frente, com lagrimas rolando pelo seu rosto.- Onde está sua mãe?
- Eu não tenho mãe.
- E seu pai?
- Também não tenho.
- Então quem cuida de você?
- Ninguém. Eu sei me cuidar sozinha.
- Pois me parece que você não esta fazendo um bom trabalho. Onde você mora?
- Aqui.
- Aqui?
- Sim, bem aqui, embaixo dessa árvore.
- E desde quando?
- Desde agora.
- Olha garotinha eu só estou querendo ajudar, eu conheço um lugar onde você pode tomar um banho, comer alguma coisa e poderei ajudar encontrar o lugar onde você morava de verdade. Mas eu só poderei ajudar se você começar a falar a verdade.
Ela não respondeu, Marguerite, que estava abaixada para ficar na mesma altura da menina, se levantou, virou as costas e saiu andando. Mentalmente, contou: Um, dois, três. E então ouviu:
- Espere.
Ela voltou para aonde a menina estava e, desta vez, sentou-se ao lado dela.
- A minha aldeia pegou fogo, todo mundo morreu, meu pai, minha mãe, todo mundo, mas eu consegui fugir, quando o fogo apagou, eu voltei pra lá, e não havia mais nada.
- Tem certeza que não sobrou nada nem ninguém?
- Sim.
- Há quando tempo isso aconteceu?
- Foi ontem de manhã.
Naquele momento, inesperadamente, Marguerite lembrou-se de sua infância. Quantas vezes sentava-se no banco em frente aquele velho orfanato em uma fria rua no interior da Inglaterra, imaginando uma jovem dama sentando-se ao seu lado. Ela conversaria carinhosamente com Marguerite e depois lhe perguntaria se gostaria de ser sua filha. Ela riu ao lembrar-se disso. Era um sonho infantil, que jamais ocorreu. Até que em uma tarde, ainda sentada naquele local, ela cansou de esperar e também de sonhar. Naquele dia, decidiu que nunca dependeria de ninguém para ser feliz. Jamais sentou-se naquele banco outra vez. Pegou as poucos coisas que possuía, um chapéu, uma boneca de pano toda esfarrapada e o pingente, a única coisa que tinha de seus pais. Foi a primeira decisão importante de sua vida Saiu de cabeça erguida pela porta da frente, ninguém a viu sair. E ela jamais voltou.
"Eu tinha apenas seis anos", pensou e lutou para não chorar.
Olhou para a menina a sua frente.
- Quantos anos você tem?
- Seis.
- Você quer vir comigo?
- Sim.
- Então vamos. Meu nome é Marguerite e você, como se chama?
- Feuer.
Elas voltaram até o lago, que não estava muito longe. Marguerite colocou Lavínia, que dormia tranquilamente, dentro de seu cesto. Apresentou Feuer a Sara, que logo ficaram amigas e, em poucos minutos, já estavam brincando e rindo dentro da água. Assim elas passaram o dia e, antes que anoitecesse, voltaram à casa da árvore.
Continua...
