Thinking of you


Era uma noite nublada, como muitas outras que vieram antes. O vento era frio, e a praça, barulhenta. Em toda cidade que chegavam era a mesma coisa: a esperança renovada de encontrar um leitor e depois a frustração. Não é como se as pessoas colocassem anúncios nos jornais 'sou um língua encantada'. Ele adoraria que fosse simples assim. Mas parece que as aqueles que tiram as coisas dos livros tinham medo desse dom.

Deu uma volta pela praça, sentou-se no muro branco que cercava a fonte de sereia e observou alguém brincando com fogo mais adiante. O garoto tinha talento, precisava admitir, e era esforçado. Um sorriso de surpresa e orgulho brotou no canto dos seus lábios de repente: Farid finalmente aprendera o truque de engolir fogo.

As pessoas aplaudiam o espetáculo enquanto uma esperta marta de chifres andava no meio deles arrecadando todo o dinheiro que os espectadores estavam dispostos a dar pelo talento do menino de pés descalços.

Dustfinger não aplaudiu, mas manteve a sobrancelha arqueada enquanto o garoto encerrava o espetáculo e voltava até ele com a marta em seus calcanhares.

- Você viu aquilo? O fogo não me odeia mais.

- Foi uma sorte muito grande o seu rosto não ter incendiado. – Dustfinger respondeu seco estendendo a mochila para que o garoto guardasse as tochas e o restante do material usado no show. – Já te disse que o fogo é ardiloso.

Farid sorriu. Nunca se acostumaria com alguém se preocupando com ele. Achava que Dustfinger, apesar de tentar parecer frio, gostava dele.

- Vou comprar alguma comida. – O garoto falou e logo desapareceu de vista. Claro que Gwin, a marta, foi junto.

Dustfinger bufou impaciente. Precisava encontrar um leitor, e demorariam séculos para encontrar um se continuassem viajando nesse ritmo tão lento.

Comparações são facilmente feitas,

Uma vez que você prova a perfeição

Como uma maçã pendurada em uma árvore

Eu peguei a mais suculenta

E eu ainda tenho a sede

Seu olhar vagou pela praça, pelas pessoas apressadas que passavam por ali, indiferentes a tudo o que as cercava. No seu mundo a vida não corria com tanta pressa assim, lá as pessoas usavam roupas coloridas e aproveitavam mais os passeios, os espetáculos, as feiras...

E o ar, o ar não tinha esse cheiro carregado de fumaça de automóvel, era sempre uma brisa fresca, com um cheiro de fruta madura, doce, suave. A luz da noite não vinha desses vidros que aqui eles chamam de lâmpadas, a noite nunca era nublada e era banhada por um misto de luzes quentes. A luz prateada, da lua, a azulada, das estrelas, a vermelha, dos archotes de fogo, e a dourada, das fadas...

Como podia não sentir saudade de viver no paraíso?

Você disse 'siga em frente'

Para onde vou?

Eu acho que o segundo melhor

É tudo que eu vou conhecer

Como podia 'seguir em frente' aqui onde tudo é tão nebuloso? Quem podia culpá-lo de tentar voltar? Esse não era o seu mundo, aqui ele nunca seria feliz. Aqui até mesmo o fogo, seu melhor amigo, era traiçoeiro, imprevisível.

Fechou os olhos e lembrou... Lembrou de sua casa, lembrou dos campos cobertos de flores, dos riachos, das sereias, dela...

Você é como um verão indiano

No meio do inverno

Como um doce

Com um centro de surpresa

Como eu fico melhor?

Uma vez que eu provei do melhor?

Você disse que há

Toneladas de peixes na água

Então eu vou provar das águas

Será que ela já o esquecera? Será que pensava que ele morrera pelas mãos do impiedoso Capricórnio? Ou pensava que ele a tinha simplesmente abandonado? Deixou que uma lágrima lhe escapasse pelo canto dos olhos, tentando, com todas as suas forças, acreditar que ela o esperaria.

E sim eu realmente me arrependo

Como eu pude me deixar

Deixar você ir

Agora a lição está aprendida

Eu toquei isso e eu fui queimada

Ah eu achava que você devia saber...

Ele iria voltar. Não importava o que tivesse que fazer pra conseguir isso, nem como voltaria – talvez manco como o Cockrell, mudo como Resa, ou quem sabe coisa pior... Só queria que ela o tivesse esperando.

- Está pensando em casa de novo, não está? – A voz do garoto o fez abrir os olhos e passar a manga das vestes no rosto bruscamente.

Não respondeu. Estendeu a mão para pegar o sanduíche que Farid lhe trouxera sem levantar os olhos para o garoto. Sabia que eles estariam vermelhos e não gostava que ninguém lhe visse desse jeito.

Farid o observou em silêncio durante um tempo, depois se sentou ao seu lado no muro de mármore.

- Não entendo porque você fica pensando no seu mundo, se isso sempre te deixa assim, ruim.

Dustfinger abocanhou três pedaços do sanduíche antes de responder. A voz rouca era talvez porque o lanche estava seco, ou porque ainda sentia o gosto de casa na garganta.

Eu estou pensando em você

Pensando em você

O que eu faria se

Você fosse o tal

Que estava gastando a noite

Ah, eu queria que eu

Estivesse olhando nos...

Seus olhos,

Olhando nos seus olhos

Olhando nos seus olhos

- Penso pra não esquecer, Farid. – Ele encarou os olhos negros do garoto. – Tenho medo de já ter passado tanto tempo aqui e já ter esquecido quem eu sou de verdade, ou como tudo é agradável e melhor no meu mundo.

Farid balançou a cabeça, consentindo, e voltou a comer.

Mas Dustfinger sabia que o garoto não podia entender, afinal, ele não sentia nenhuma falta de sua própria história.

Na história de Farid não haviam duendes, homens de vidro, ninfas... As sereias não cantavam ao amanhecer, as fadas não brincavam ao redor das pessoas... E Farid não tinha um par de olhos verdes e sorriso quente que lhe chamava nos sonhos...

É... Ele ainda se lembrava de cada minúsculo detalhe... Mas não sabia se isso lhe trazia alívio ou sofrimento...

Ah você não vai andar?

Esbarrar a porta e...

Me levar para longe?

Ah, sem mais erros

Porque nos seus olhos eu gostaria de ficar.


N/a:

Bem... Eu queria escrever alguma coisa sobre Inkheart desde que li o primeiro volume da série e descobri que não havia nem previsão de lançamento no Brasil dos outros dois livros...

Até tentei alguma coisa com a Meggie, ou com a Elinor, mas o Dust não saía da minha cabeça. Claro que não saía. De longe, ele é o melhor personagem do livro e eu sou totalmente apaixonada por ele. XD

Ainda vou conseguir ler o Dust de volta para Inkheart só pra ele parar de sofrer... Corta meu coração vê-lo chorando...

Agora eu já vou... Um beijo enorme para a 'nanetys' que, mesmo sem saber, foi o incentivo para que eu tivesse coragem de postar a minha fic sobre o Dust (é, eu achei que era a única maluca apaixonada por ele). Leiam a fic dela, 'Deixe as Chamas Começarem', está nos meus favoritos e é perfeita!

A música do capítulo é 'Thinking Of You' da Katy Perry.

Beijinhos, Luci E. Potter.