Idiota.

Antigamente ele até fazia café da manhã para mim... Hoje em dia, não me leva mais no colégio... Idiota.

Repeti a palavra varias vezes na minha cabeça enquanto andava aos portões do Empire School, evitando qualquer contato com qualquer pessoa a minha volta. Não vou perder meu tempo tentando ter uma conversa culta com algum desses ignorantes.

Voltei para Londres há alguns anos, 5 se não me engano, e estou no último ano do ensino médio-de novo, já perdi as contas de quantas vezes o fiz-. Agora que sou um demônio, posso mudar minha aparência como quiser, e agora estou com a forma de um rapaz de 17 anos. Não é muito diferente da minha forma humana normal. Sou um pouco mais alto-ainda um tanto mais baixo do que o resto dos meninos da minha "idade"- uns 1,65 ou por aí, meu cabelo é um pouco mais comprido, quase chegando aos meus ombros, meu rosto está um pouco mais fino. Até hoje uso meu tapa olho, claro, uma marca infernal no olho ainda não é muito normal nos dias de hoje.

Passei pelos portões e fui para minha sala o mais rápido possível, faltavam 10 minutos para a aula começar, mas eu gostava de chegar mais cedo para pegar um lugar bom. Entrei na sala e sentei na cadeira ao lado da janela, que tinha uma vista para a rua e o pátio, e a melhor parte, era perto do quadro, mas longe dos imbecis que não mereciam estar nessa escola.

O tempo passou, o resto da turma chegou juntamente com o professor e a aula iria ter inicio.

"Turma," O começou, chamando a atenção de todos. Ele era um homem inteligente, nos seus quarenta e poucos, com algumas poucas rugas ao redor de seus olhos que dão a perceber que ele teve uma vida boa.

"Hoje temos um aluno novo, ele vem da Kaplan International, então o tratem bem."

Quando ele acabou de dar o aviso, ele abriu a porta para um menino loiro entrar. Não dei muita atenção, e mesmo se eu tivesse dado, acho que não teria visto muita coisa, ele estava com a cabeça baixa e de forma quieta se sentou num canto da sala, enquanto alguns outros meninos da sala cochichavam entre si.

O sinal tocou e o nos liberou para o intervalo. Eu levantei e arrumei um pouco as minhas coisas, de costas para o resto da turma. Foi aí que eu ouvi. Alguém caindo, não simplesmente caindo, mas despencando no chão com força, o barulho alto aos meus ouvidos sensíveis. Virei na hora para ver o que estava acontecendo de novo com esses imbe-

"Ah, que dó, a bixinha do Kaplan tropeçou." Um daqueles marginais –Paul alguma coisa era o nome dele- falou alto para a sala toda ouvir depois que o professor deixou a sala e eu só via o novato no chão, obviamente, Paul deve ter colocado o pé no caminho para o pobre coitado cair.

"Então é ele mesmo, não é? Eu sabia!" Um dos amigos de Paul falou, rindo como uma hiena. Nojento.

Enquanto o novato tentava se levantar, outro amigo de Paul -acho que esse é o Scott- o pegou pelo colarinho e o segurou no ar, olhando para ele com uma expressão de sínico que me tirava do sério.

"Você não se machucou? Delicado como uma flor do jeito que é!" O novato balançava as pernas no ar tentando se soltar, parecia sem ar, eu não consegui ver seu rosto direito. Ele estava de costas para mim.

Scott o lançou de volta para o chão e os sons de tosses do novato ecoavam pela sala. Ele começou a chutar a barriga dele uma vez e o som ficava cada vez mais alto. Isso me lembrava quando eu fui...

"Já chega disso, seu animal!" Eu exclamei enquanto corri até o novato, me ajoelhando no chão para ajudá-lo a se levantar.

"Ah, e o que você vai fazer baixinh-" Eu mandei um olhar mortal para eles, e tenho certeza de que por um segundo ou dois meu olho visível brilhou demoniacamente para eles pararem de fazer a algazarra, se afastando de mim.

Eu ajudei o novato a se levantar segurando pelo seu cotovelo, e ele olhou para mim e sorriu timidamente.

"Ahn, obrigada."

...

Esse... Esse menino... Ele parece com o...

"Qual o seu nome?" Eu perguntei para ele, tentando manter uma expressão de indiferença.

"Ah, meu nome é Alois!"

Parece que Deus realmente me odeia.

"E você?" Mas como assim? Isso é possível? Mas ele... Droga eu nem lembro mais do que foi feito com a alma dele.

"Ei." Ele chamou com a voz baixa, me tirando do meu transe momentâneo. Eu olhei para ele de novo, e realmente, ele é a mesma coisa que o Trancy. Isso é inacreditável.

"Que foi?" Respondi um tanto seco, força do habito e também porque não gosto de ser interrompido da minha linha de pensamento.

"Qual o seu nome?"

"Ciel." Também retomei meu antigo nome. Fui num cartório e disse que sou um herdeiro, e o nome é em homenagem ao meu antepassado. Foi bem simples, tudo que tive que fazer foi um teste de DNA e mostrar alguns documentos bobos. Nada de mais.

"Ah, é francês não é? Mas você tem um sotaque bem daqui mesmo." Bom, de fato ele não é aquele Alois. Esse pelo menos pensa.

"Só o meu nome é francês... Então, por que aqueles animais estavam pegando no seu pé?" Sempre fui assim, ir direto ao ponto é um dos meus traços. Não gosto de enrolar ou de perder tempo.

"Ah, é porque eu sou... Sabe..."

"Não eu não sei. Fala logo."

"Minhas... Erm.. Preferências.."

"Olha, se você não quer falar, diz logo para eu não perder mais tempo tá?"

"Eu sou gay."

"Só por isso? De verdade, pensei que esses imbecis não podiam ficar piores. Agora me vem com essa de encher a paciência porque você é gay."

Alois abriu um grande sorriso, que me deu ate um pouco de medo para falar a verdade, e passou a mão pelos cabelos loiros.

"Há.. Pois é.. Então você não se incomoda?"

"Tsc, claro que não. Não é isso que define o que uma pessoa é. Se alguém tem algum problema com isso, mantenha para si mesmo. Você não tem porque passar por isso."

Seus olhos azuis brilharam e sua cara de felicidade me incomodava um pouco. Lembrava-me mais ainda o Trancy.

"Você não vai comer nada? O intervalo ta quase acabando." Ele mudou de assunto não muito discretamente, arrastando seu pé no chão de forma infantil.

"Não estou com fome."

"Ah... Então... Eu vou pra cafeteria... Tchau e obrigada de novo." Ele disse um pouco... Desapontado? E começou a fazer seu caminho para sair da sala.

E porque eu me sinto mal por ele? Eu sou um demônio! Achei que depois de tanto tempo... Ah, pelo amor de...

Eu suspirei.

"Ei, Alois, espera. Eu não vou comer, mas eu te acompanho." Ciel, o demônio que tem pena do novato.

E ele sorriu de novo.

Após um dia de aula, com o Alois do meu lado conversando sempre que podia-parece que ele se abre com qualquer um que o trate bem, o que eu acho que não é muita gente-, eu podia dizer que eu estava quase achando que eu estava começando a ficar cansado. Entrei em casa e suspirei pela milésima vez nesse dia.

"Cheguei." Falei alto para aquele ser idiota me ouvisse, mesmo sabendo que ele teria ouvido se eu tivesse sussurrado ou sem falar qualquer coisa.

"Jovem Mestre, que bom que voltou. Estava sentindo sua falta" Ele apareceu da porta da cozinha encostado-se à porta, sorrindo sinceramente para mim, e esse sorriso ainda me deixa um pouco avermelhado depois de tanto tempo.

"Cale a boca, Sebastian." Falei olhando para o chão, escondendo meu rosto completamente vermelho.

Ele apenas riu baixo e me deu um rápido beijo em meus lábios antes de voltar para cozinha, me deixando ainda mais constrangido.

Idiota.