Para o I Challenge Desafio das Caixas - FFHP
1 – Casal Inesperado (interpretações livres)
E que o telhado que paira sobre sua cabeça
Seja seu abrigo na tempestade
Antes que o diabo saiba que você está morto
(Devil Knows You're Dead - Delta Spirit)
Lágrimas & Insensibilidade
PRÓLOGO
"Mas sei por que você não pôde me matar. Foi porque minha mãe morreu para me salvar. Minha mãe trouxa e comum." Câmara Secreta, p. 267
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"Eu não acredito" disse James com um brilho insano nos olhos. O sorriso que ele deu parecia o mais genuíno de todos os que já dera. "Então... vamos... ser pais?"
Lily lhe sorriu de volta e, embora soubesse que o marido estava muito feliz, também sabia que o que ele sentia não se comparava ao que ela experimentava.
Com o tempo, acostumando-se a sentir que um serzinho minúsculo fazia abrigo dentro de si, sentiu ainda mais coisas inéditas. Ser mãe te torna um pouco obsessiva, concedeu, pensando. Bastava olhar para Petunia com seu bebê enorme e chorão. Lily não a culpava mais. O embrião agora mergulhado em seu ventre era como seu próprio Jesus.
Ela se sentia tão plena quanto vulnerável, mas o corpo dela não havia sido feito para a vulnerabilidade.
Ela se sentia mais corajosa também. E sabia que era tudo uma reação hormonal completamente normal, mas nem por isso menos importante. Não era só um momento crucial só na vida dela, mas na vida de todos os que ela conhecia e amava. Havia gerado um bebê que nasceria no ápice de uma guerra que eles estavam perdendo.
Então, menos de uma semana depois da descoberta da gravidez, Lily fez a primeira loucura a que a maternidade lhe incitara.
-x-
O rosto dela estava quase tão vermelho quanto seus cabelos, que balançavam de forma agourenta atrás de si a cada novo movimento de varinha da outra.
"A vadiazinha de sangue-ruim está sentindo dor, é?" perguntou a que estava de pé, os próprios cabelos e as roupas esvoaçando num borrão negro de loucura.
Lily permaneceu calada, arfando um pouco, da cadeira onde estava acorrentada. Aquilo não ia acabar tão cedo, mas ela era forte.
"Crucio!" voltou a gritar Bellatrix, com os olhos brilhando de prazer.
Lily agarrou a madeira, fechando os olhos, e ouviu o crack do móvel tremendo assim como ela, mas dessa vez cessou mais rápido, com um comando suave de outra voz. E ela sabia a quem ela pertencia.
"É o bastante, Bella."
"Como quiser, milorde."
A mulher que, segundos atrás, erguia-se sobre ela, agora curvava-se docilmente à nova presença. Lily manteve os olhos baixos, mas não era por medo.
"Evans..." murmurou novamente a voz, com afetada dúvida. "Lily Evans, não é isso?"
Ela levantou a cabeça em resposta. É claro que ele sabia quem ela era. Já havia encarado aquele rosto estranhamente ofídico antes. Já havia lançado um feitiço na direção dele numa batalha, e escapado por pura sorte.
"Lily Evans Potter" acabou por responder.
"Ah, claro" ele respondeu em tom de quem retoma uma ideia anteriormente esquecida. "Todos nós precisamos de um nome..."
Lily engoliu em seco. Ouvir esse tipo de ofensa calada era quase pior que uma Maldição Imperdoável.
Ele sorriu, percebendo. Ela estava cansada demais para fechar a mente.
"Perdoe a Bellatrix, ela se anima quando há convidados" prosseguiu, e com um movimento dos olhos dele, as correntes em seus pulsos e tornozelos se afrouxaram um pouco. "Agora diga-me o que a traz aqui, minha cara Lily Evans Potter."
"Acho que já sabe a resposta, Voldemort."
Ele a encarou com os olhos avermelhados por um instante.
"É claro. Negociar... Corrijo-me: pergunto por que mandaram você aqui?"
Sua insinuação era cheia de desprezo.
"Também é bem presumível..." prosseguiu. "Havia o jovem Black, uma isca perfeita, mas ele não tem o sangue-frio necessário... Você, entretanto."
Pousou os olhos nos dela novamente, e em seguida riu, mostrando dentes que pareciam amarelados em relação à sua pele demasiadamente pálida.
"Vejam" disse, parecendo degustar a conclusão, "o melhor que Dumbledore tem é uma sangue-ruim presunçosa."
Lily sentiu as veias em fogo.
"Você entende disso, não é, Tom? Sobre sangue-ruim e presunção."
Ele ficou lívido com a insolência. Provavelmente fazia tempo desde que alguém ousara usar esse tom ao falar com ele.
"Entendo, sim" respondeu brandamente, enquanto os olhos pareciam queimar.
E ela soube que qualquer plano que tivesse tido até ali estava perdido.
Ele aproximou-se a ponto de ela poder ver os poros em seu rosto sinistro. Se olhasse de perto era possível perceber que ainda havia um homem ali. Meia-idade, duro. Bonito, até, em traços mesclados à máscara de cobra fundida em seu crânio.
Ele deslizou as mãos de dedos longos e frios pelos antebraços de Lily, e as correntes se soltaram.
O toque era suave, mas não enganava.
