Opostos: Colocado frente a frente.
Contrário.
Colocado de forma a fazer obstáculo.
Antagônico; discordante.
Contraditório.
Coisa diretamente contrária.
Eu não acredito no amor e muito menos no bando de baboseiras que o cercam. Já tive experiências frustrantes demais para saber que não existe nada daquela perfeição idealizada que vemos em filmes, novelas e lemos em livros. Isso não é a vida real. Afinal, porque estou perdendo meu tempo em ler esse livro idiotamente romântico?
Suspiro e me movo desconfortavelmente para virar a capa do livro em meu colo e ver a foto de destaque. Uma mulher pequena, loira, de cabelos perfeitos e magrela sendo abraçada por um cara realmente gato. Ele tem umas mãos... Deus! O jeito como se olham é realmente tocante e me faz hesitar durante um segundo diante da manifestação eminente de sentimentos, mas... Recordo de que é apenas uma foto. Eles não se amam coisa alguma! É tudo uma ridícula encenação para me fazer acredita em cada palavra desse livro. Uma coisa péssima, visando que os meros mortais como eu não são tão lindos como a menina e é praticamente impossível ter um cabelo assim, por favor. Sem falar que o cara também deve ser um idiota.
– Com licença senhorita – olho para cima totalmente transtornada com o livro e removo um fone do ouvido quando me dou conta de que a aeromoça está falando comigo. Pisco para ela compreensivamente apesar de estar com vontade de jogar o livro na cara impecavelmente maquiada que tem – deseja beber alguma coisa? Nós temos um excelente suco de maçã e a máquina de café da segunda classe está em ótimas condições de uso.
Penso seriamente em mandar um não grandioso e voltar a criticar intimamente o livro, porém a palavra café é mencionada. Céus, amo café! Olho em volta para medir o tamanho da repercussão de minha gordice, uma vez que irei tomar sozinha umas cinco xicaras. O voo não está cheio, ao contrário. Vejo umas senhoras fazendo tricô na frente, garotos com cara de surfista do lado esquerdo e umas menininhas aspirantes à atriz pornô olhando em direção a eles na ala direita. É isso. Mais ninguém. Estou isolada no fundo com minha coberta escura e fofinha, meus fones e o bendito livro causador da discórdia.
– Aceito um café – o sorriso perfeito da moça me intimada inicialmente. Deve ter resto de chiclete preso em meu aparelho móvel. Ah! Removo o aparelho e coloco na caixinha e escondo na coberta. Seria horrível conversar com alguém cuspindo na cara do mesmo e ainda ter que explicar que tenho um problema de mordida torta.
Sigo a moça ruiva e com uniforme impecável pelo corredor pequeno e mais longo do que previ. Caramba... Não viajo muito de avião e estou surpresa que a aeronave que está me levando do Texas para Nova Jersey seja tão grande. Aliás, um voo muito demorado. Maior do que previ. Finalmente chegamos a um local pequeno e com uma máquina de café grande. Meus olhos brilham e me agarro mais as bordas de meu casaco escuro... Café! Deslizo os olhos pelas opções que me são oferecidas com água na boca; expresso, comum, descafeinado, achocolatado... E muitos outros! O único problema é a fila que contém três pessoas na minha frente.
– Fique a vontade senhorita – diz quando me posto no final da pequena fila e sorrio para ela.
A máquina é rápida, porém a moça em minha frente incorpora a fila duas crianças fofas e de pele tão negra quanto meu casaco. Os dois são gêmeos e ficam conversando animadamente sobre o voo. São tão alegres que não tenho a coragem de reclamar por terem furado minha fila. Espero impacientemente para ter meu expresso duplo com uma gota de chocolate em mãos. Aproveito o tempo para prender meu cabelo em um coque no alto da cabeça e sinto que está bem mais quente aqui. Nova Jersey... Acho que estou chegando, afinal de contas. Mordo os lábios ao me lembrar da loucura que fora os últimos dias. Tanta tristeza, tanta correria e ao final uma perda lastimável! Minha madrinha se fora. Sempre fomos muito apegadas, sendo ela vizinha de minha família desde a infância, e sua morte representou um baque gigantesco em minha vida. Além de sentir sua falta, vi que a vida naquela pequena cidade do interior não teria nada para me oferecer; não me levaria a lugar algum como aconteceu com minha querida madrinha, que viveu por cinquenta e cinco anos na mesma casa, conheceu as mesmas pessoas e a única coisa que recebera em troca fora dois casamentos frustrados e filhos mal-agradecidos. É claro que tivera heranças... Porém o dinheiro não é tudo.
De uma hora para outra decidi viver. Decidi arriscar. Após a leitura do testamento de minha madrinha descobri que a mesma deixara para mim e para seu outro afilhado como herança um apartamento que adquirira recentemente na cidade de Nova Jersey, próximo a uma faculdade de Engenharia muito renomada. Pela carta que deixou pretendia nos dar esse presente há muito tempo e não havia decidido se para mim ou para ele; ficou para os dois. Engenharia... Sempre fui boa em matemática. Sempre tirei notas acima da média... Porque não? Mesmo contra a vontade de minha família fui atrás e consegui uma bolsa pelo meu desempenho além da conta no ensino médio. Consegui ingressar na faculdade e agora estou cortando o país para ir atrás de um sonho... Ser mais do que uma simples garota do interior frustrada. A única coisa que me atrapalha nisso tudo não é a opinião negativa de meus provincianos familiares, mas sim o afilhado dela. O outro herdeiro do apartamento. Sei quem ele é porque o vi no aniversário de nossa madrinha quando criança, porém não passa de uma lembrança vaga e distorcida. Vaga porque éramos crianças. Distorcida pelo que aconteceu entre nós naquela casinha de bonecas... O maldito roubou meu primeiro beijo sem meu consentimento. Até hoje lembro a sensação e me sinto ridícula perante os fatos; foi à coisa mais romântica de minha vida, portanto, a que mais quero esquecer.
Não sei dele. Não sei se mora lá hoje em dia ou que faz, porém me lembro perfeitamente que seus pais eram um casal rico e não existe motivo para que aquele garoto perturbado venha me encher o saco em Nova Jersey... Ou tem?
Minha vez chegou. A moça está saindo com as crianças e me dirijo à frente da máquina com entusiasmo. Minha vez. Minha vez! Porém, assim que dou um passo à frente um cara alto cruza meu caminho e se coloca em frente à máquina pegando meu lugar! Boquiaberta, o observo com ironia... Que cara de pau! Está de costas, por isso cutuco seu ombro por cima de sua jaqueta de couro na cor caramelo umas três vezes. Tem um cheiro muito bom de perfume caro que me retira da órbita. Demora alguns segundos para se virar em minha direção depois de pedir o café expresso duplo e com chocolate. Aquele café deveria ser meu! Vejo um par de olhos azuis em uma altura mais elevada que a minha; tem cabelos loiros e ajeitados para o lado com gel, usa calça jeans e a bendita jaqueta de couro... Tem cara de príncipe. Exatamente o tipo romântico que odeio. Está escrito "Foda–se" em sua camisa branca por baixo... Que decente!
– Com licença? Será que não percebeu que era minha vez? – não economizo na raiva nem na ironia. Avalia-me com os olhos apertados e uma expressão conhecida no rosto. Eu o conheço? Tento identificar aqueles olhos, aquele sorriso... Nada.
– Com licença você. Eu estava aqui o tempo todo, apenas fui ao banheiro e deixei aquela senhora com as crianças cuidando do meu lugar – voltou–se para a máquina de café, mas coloquei a mão em sua frente, impedindo–o de pegar o copo fumegante.
– Já ouviu o ditado "foi namorar, perdeu o lugar"? – o olhar irônico e nervoso dele para cima de mim é pateticamente lindo. Tento não me deixar levar por seu rosto atraente nem pelo tom de voz aveludado e gostoso... Esse cara é um mal-educado de mão cheia!
– A senhorita já ouviu falar de controle? Pelo amor de Deus, é um café! – com delicadeza fecha a mão ao redor de meu pulso e retira minha mão da frente da máquina, de modo a apanhar o café. O impeço antes que faça, atirando-me em sua frente. Ele para e me encara com os olhos azuis impassíveis de nervosismo e inquietação.
– Apenas um café para o senhor. Para mim é meu café! – cuspo as palavras fervendo por dentro. Onde está a bendita aeromoça quando se precisa dela? Oh droga... Todos os passageiros próximos a nós estão encarando nossa briguinha idiota. O homem dos olhos azuis me encara com solenidade disfarçada e abaixa o tom de voz para seguir a conversa.
– Senhorita... Tem mais café na máquina. Você pode pegar um na sua vez, eu já coloquei a moeda ai dentro – fala tranquilamente com os olhos focados em meu rosto. Ele está mesmo tentando me seduzir? Aperto os punhos ao lado do corpo e comprimo um sorriso irônico. Afasto o cabelo do rosto e o empurro novamente, de modo a tentar pegar o café.
– É tudo pela moeda? Eu te dou outra... Agora me dê o meu café que foi apanhado em minha vez! – eu falo alto; eu chamo a atenção mesmo. Não tenho medo dos holofotes ou simplesmente não tenho os mesmos pudores que as pessoas de cidade grande por ter sido criada no interior. Esse homem logicamente é de um nível maior do que o meu.
– Sinto muito. Esse café é meu! – estou pronta para voar na cara dele e pegar o café quando a aeromoça se aproxima da bagunça que assiste nós dois. Todos se afastam e ela para ao nosso lado com aquela cara de boazinha e compreensiva que não me desce.
– Graças a Deus você chegou senhorita... Esse cidadão furou minha fila e furtou meu café! – acuso em alto e bom som. As pessoas se curvam para olhar melhor nós dois. O cara engole em seco e mexe no cabelo com o rosto corando. Isso é bonito de se ver.
– Essa senhorita não entende que pedi para guardarem meu lugar e me ausentei uns minutos. É apenas uma máquina de café, afinal! – dá de ombros em sinal de desdém. Afasto a moça que se colocou entre nós dois com um empurrão brusco e escuto–a gemer quando aponto o dedo na cara do babaca.
– Não subestime o café! – silabo as palavras e ele me olha como se eu fosse a coisa mais idiota do planeta. Ergue a mão e abaixa meu dedo que apontava para sua cara. Endureço o pulso e travo uma luta indireta com ele, que é bem mais forte. Nossos corpos se aproximam demais pelo atrito que fazemos com as mãos; meu dedo indicador preso na mão dele fechada. A pele dele é quente... Os olhos encaram os meus sem baixar, como se desejasse virar meu traseiro para cima e espancar-me como se faz com uma criança travessa. Mordo os lábios.
– Parece que temos um caso de abstinência de cafeína aqui – diz e afrouxa o toque, libertando meu dedo quando a proximidade entre nós se torna além do aceitável para dois estranhos. Estou em chamas de raiva. Em chamas por ter que lidar com um homem tão grosso, algo que desconheço. De onde venho todos são respeitadores. Pelo menos a maioria não falaria assim com uma dama nem bateria de frente com ela.
– Por favor, me dê o café! – silabo entredentes e ele parece se dar por vencido. É ai que me dou conta que joguei a aeromoça que estava entre nós longe! A menina está ajeitando o cabelo revirado. O babaca suspira antes de se aproximar da máquina e pegar o café com cuidado. Apenas aguardo de braços cruzados, peito arfante e olhos raivosos. Eu quero a cabeça desse homem em uma bandeja de prata!
Com o café em mãos, vira-se para mim e me estende o mesmo.
– Apenas porque você disse por favor – justifica o ato enquanto estico a mão para reivindicar o que é meu por direito. Nossas mãos se encontram novamente. Nós nos perfuramos com o olhar nocivo um no outro.
Então o avião balança fortemente e sou lançada para frente! Sinto apenas uma coisa quente e molhada sendo derramada em mim quando a luz se apaga e grito alto pela dor que me pega, além do susto. Braços fortes me envolvem pela cintura e me sinto escorada em algo. Em alguém. Conto até cinco e a luz retorna... Cada um que estava em pé foi para um lado e eu... Olho para cima e dou de cara com olhos azuis e curiosos. Casaco caramelo. Camisa branca escrito palavrão no meio. Um cheiro delicioso de homem. Oh porcaria! Ficamos uns segundos nos olhando escorados quando a parede. Esqueço que estou molhada por café. Esqueço que há trinta segundos estávamos quebrando o pau. O medo que senti nessa queda brusca fora demasiado para me importar com coisas pequenas.
Então algo me puxa. Percebo que é a aeromoça me levando para um lado e ele para o outro. Ficamos nos olhando através do espaço enquanto somos puxados para nossas cadeiras. Que diabos houve ali? Que explosão de sentimentos foi a que tive enquanto estive nos braços dele? Grande porcaria! Fecho os olhos ao ser jogada em minha cadeira nos fundos e agarro a toalha que me esticam para que seque os braços molhados de café. Droga.
– Fique calma senhorita. Em cinco minutos você poderá voltar a ficar de pé. Foi apenas uma turbulência – somente rolo os olhos para outra garota que me atende. É uma loira e menos bonita que a ruiva. Falando na ruiva, a mesma me olha do outro lado com cara de assustada, como se eu fosse maluca.
Droga! Meu café!
Suspiro contra a poltrona e minha água na boca ainda não passou. Oh. E ele? Agarro-me a borda do assento e me estico para dar uma espiadinha. Não. O babaca de braços fortes não está aqui na minha humilde classe popular. Encosto-me ao banco novamente e reviro os olhos. Realmente preciso de um café! Isso de homem bonito e turbulência não me faz bem! Coloco os fones. Está tocando uma música conhecida da Britney e isso me tira da depressão um pouco. Até a moça me cutucar e dizer que andar está liberado. Não me desfaço dos fones. Fico de pé com os mesmos enfiados na orelha e caminho até a máquina de café, ali, inerte e sozinha. Aproximo-me. Coloco a moeda e a mesma começa a trabalhar no meu expresso duplo com chocolate.
Mordo os lábios e fecho os olhos para aproveitar a melodia da canção romântica de Taylor Swift que começou. Odeio romance. Odeio amor. Tento me convencer, mas a musica me leva. Abro os olhos não sei quanto tempo depois com um pequeno cutucão em meu ombro. Tem um homem parado a minha frente segurando meu café novamente... Pisco algumas vezes. Parece nostalgia. Casaco de couro caramelo. Olhos azuis. Cara de modelo. Cabelo foda. Perfume gostoso. Torço os lábios para ele e seu tipinho de galã. Ele estende o café para mim e pisca amigavelmente. Tiro um dos fones.
– Duplo com chocolate? – sussurra tentando ser legal.
– Pena que educação não se possa tirar dessa máquina... – falo ao pegar o café e dar as costas para ele. Ouço seu suspiro e um breve lamento enquanto volto para minha cadeira com o expresso e totalmente satisfeita pelo fora.
Agradeço silenciosamente por não ter que dividir minha vida com pessoas como esse cara, tão opostas. Todos estão errados... Nada funciona do lado errado, nada. Sento-me na cadeira com o café na mão e estico os pés na poltrona vazia do lado. Coloco o fone. Suspiro com a sensação da cafeína me preenchendo novamente e cantarolo uma melodia doce... Abro os olhos e vejo o rosto dele na entrada da minha classe popular me olhando. Olho-o com desprezo, principalmente seu sorrisinho bobo. Não me controlo... Ergo a mão e mostro o dedo do meio para ele bem categoricamente. Vejo-o sorrir de maneira divertida e sumir de onde está.
Realmente... Os opostos não se atraem!
