O dia estava nublado e frio, com nuvens cinzentas no céu indicando mais uma chuva naquela semana tão... estranha. O clima dos últimos dias expressava bem o que se passava na mente e coração de Rey, desde o resgate dos últimos sobreviventes da Resistência e posteriormente a última vez que viu ele. Toda vez que sua mente vagava para àquele dia, ela simplesmente não conseguia conter os flashbacks do dia em que esteve perto, tão perto dele e certa de que ele voltaria com ela, certa de que ainda existia luz em Kylo Ren. A simples lembrança do toque que compartilharam antes de Luke interrompê-los mandava arrepios pela sua espinha e um calafrio no ventre que ela não entendia.

Era o mesmo calafrio que sentia quando estava ansiosa. Talvez um pouco diferente... mais necessitado. Uma ansiedade e um magnetismo que não faziam sentido nenhum, ainda mais depois daquele último encontro. Tão cheio de... promessas. Ela ainda não conseguia entender os próprios sentimentos e muitos menos a Força, mas aquele último olhar... Era carregado de promessas veladas, misturados entre angústia, solidão, dor, raiva e impotência. Meses haviam se passado e Rey ainda sentia-se marcada por todo aquele misto de emoções, marcada por aquele olhar silencioso enquanto sentia-se desprotegida e intimidada.

Vulnerável.

Sentia-se diferente olhando para o céu agora completamente coberto de nuvens cinzas, absorvendo a sensação que aquele clima denotava. A primeira gota de chuva caiu na ponta de seu nariz, depois em seus lábios, deixando-a tonta...

A chuva começou a engrossar e conforme as gotas caíam, sentia uma espiral que a deixava entorpecida. Fechou os olhos abraçando a sensação, deixando o frio das gotas penetrar no corpo, agora molhado. Instintivamente soltou os cabelos, passando os dedos pelos fios molhados, tornando-se cada vez mais ciente das gotas descendo pelo corpo...

Sentiu o familiar calafrio no ventre, ansiando...

E mesmo com a chuva molhando seus lábios, sentiu a boca seca, suspirando pesadamente e lambendo os lábios molhados para aplacar aquela ânsia. Virou a cabeça para cima, sentindo a chuva lavar seu rosto e desejando entender aquele misto de emoções que vinha tirando-lhe o sono e fazendo-a agir de forma estranha. Sentiu o torpor nublar sua mente e as mãos formigarem, o corpo tremendo de frio, mas tudo que ela conseguia sentir era o torpor aumentando e o calafrio no ventre crescendo, tomando conta de seu corpo. A mente viajava pelas lembranças dos últimos acontecimentos e ela sentiu o coração apertar ao parar na lembrança do toque que compartilharam.

Era como se pudesse reviver e sentir novamente aquela memória...

A ansiedade, o calor que subia do ventre até o tronco e o estranho magnetismo que vinha daquele homem...

Sozinha na paisagem deserta daquele planeta, ela imitava os movimentos daquela memória, de olhos fechados, lábios entreabertos e mãos estendidas para o nada, querendo tocar...

Precisando tocar... Sentir...

Quando tocou novamente os dedos dele na lembrança, foi como se uma corrente elétrica atravessasse o corpo, instintivamente sacudindo levemente o tronco, dessa vez mais quente do que lembrava.

"Ben..." suspirou quase inaudível.

Parte da mente dela gritava, alertando-a sobre o perigo de estar revivendo um momento com ele, sabendo que ainda compartilhavam aquela conexão através da Força. Depois de tanto tempo, tantos meses sendo cuidadosa, ela não poderia deixá-lo saber seu esconderijo. Entretanto, os meses sozinha naquele planeta trouxeram novamente a tão temida solidão que sentia em Jakku. Estava sozinha, exceto pelos porgs e aquelas criaturas estranhas que não conhecia a linguagem. Meses treinando isolada para tornar-se mais forte, ajudar a Resistência e agora lá estava ela novamente, assombrada por ele.

"Rey..."

Sentiu o hálito quente através de sua orelha direita, real demais para a imaginação dela e gritou assustada, levantando-se subitamente com os olhos arregalados, procurando por algum sinal dele no meio da paisagem chuvosa.

Nada.

- Ben? - murmurou.

Nada.

Frustrada, colocou as mãos no pescoço para regularizar a respiração descompassada. Ela estava sendo irracional e imatura, dando brechas...

Não podia.

Tinha que ser cuidadosa e estar forte, não era só o futuro dela que estava em jogo, sabia que toda Resistência contava com ela. Olhou para as roupas encharcadas recriminando-se mentalmente, agora ciente do frio e das gotas geladas. Torceu o cabelo e pegou seu bastão, indo em direção à cabana para vestir roupas quentes e quem sabe, esquecer Rylo Ren.

"Eu vou destruí-la!"

As palavras ainda ecoavam pela mente do cavalheiro.

Uma promessa.

Recheada de ódio e ressentimento.

Catadora de lixo maldita!

Bateu com o punho na parede em um acesso de raiva.

Porra! Ela era nada!

Escória!

Traição!

Outro soco.

Ele era a porra do Líder Supremo! Quem ela achava que era para recusar aquela oferta?

Socou a parede diversas vezes. Não usava a luva, só parando ao sentir o sangue grosso e quente escorrer entre os dedos e sujar o chão. Ignorou a dor. Era algo que tinha aprendido durante todos esses anos treinando com Snoke. Não só com Snoke, mas até mesmo quando era um Jedi. Sentia essa doença dentro de si, essa dor inexplicável, que nem Luke e muito menos Snoke de fato conseguiram explicar. Snoke tentou, mas ele sabia, ele sentia que era muito mais do que apenas poder. Porém, a dor no punho não era nada comparado à impotência que sentia no momento.

Ela havia chamado ele.

Inconscientemente, mas ainda assim...

A voz tão suave que se não fosse pela Forca e a proximidade, ele com certeza não teria ouvido.

Ele conseguia sentir as gotas no rosto, nos lábios, o torpor e magnetismo...

Conseguia sentir o cheiro dela, a dualidade entre as gotas geladas e o corpo irradiando calor.

Quando deu por si, estava com ela, agora sentindo as gotas no próprio corpo, desmanchando os cachos enquanto fechava os olhos, deleitando-se com a sensação tão acolhedora, tão... convidativa.

Era perigoso, ele sabia. Estava deixando-se levar pelas emoções pífias que tanto repulsava. Não podia deixá-la subjugar seus pensamentos...

Mas era tão quente...

Conseguia ser mais intoxicante do que a sensação de poder prometida por Snoke durante os anos.

Pela primeira vez em meses afastados, ele voltou a sentir aquela faísca, algo despertando dentro de sua alma quebrada que ele vinha sufocando desde a última vez que a vira fisicamente. E aquilo também clamava por ela, ele podia sentir...

Assim com clamava por ele.

Quando a garota suspirou seu nome, ele não aguentou e respondeu, mesmo sabendo que não deveria fortalecer aquele vínculo. Não daquela maneira, vulnerável à uma simples garota. Deixando-a nublar sua mente como uma feiticeira.

Idéias de felicidade e liberdade...

Tolice.

Foi embora antes que ela sequer pudesse de fato notar sua presença, deixando-a confusa entre imaginação e realidade.

Abriu os olhos e estava novamente em seus aposentos, com os cabelos e roupas molhadas, a mão machucada e com pequenos filetes de sangue no punho fechado, mas, acima de tudo, sozinho.