Capítulo I - Limpeza de Primavera

O aroma adocicado das Sakuras desabrochando espalhava-se pelos corredores do sexto esquadrão e seus arredores, a primavera havia chegado, e para muitos isso significava paz. Paz, era tudo que Abarai Renji queria, mas estava trancafiado em seu escritório com centenas de relatórios, que já deveria ter acabado de preencher na semana passada, se ao menos conseguisse dizer não... Sempre que Kuchiki taichou saia, aparecia Matsumoto ou Ikaku, senão os dois, com argumentos muito convincentes para ele beber sakê em plena segunda feira, ou terça, ou quarta. Fato é, agora estava lá ele, com os dedos doendo e manchados de tinta, com rugas na testa de tanto esforço para caprichar em seus kanjis, e extremamente nervoso pois não conseguia encontrar o seu símbolo de fukutaichou. Como raios pudera ter perdido Aquilo? Não poderia entregar os relatórios ao comandante sem estar usando aquilo. Olhou por entre as três enormes pilhas de papeis, levantou a do meio cuidadosamente e não encontrou nada. Procurou embaixo da mesa, atrás dela, olhou para o teto com um ponto de interrogação surgindo em sua cabeça. Do canto do olho vislumbrou a arrumada mesa do taichou. Na ponta dos pés espreitou até lá, observando os dois lados nervosamente e olhando por cima do ombro, na direção da porta. Vasculhou todas as gavetas, não encontrando nada além de folhas em branco e pincéis. Voltou para sua mesa e jogou-se na cadeira, suspirando. Olhou para o relógio na parede, estava quase acabando a hora do almoço, logo o taichou voltaria e não queria nem imaginar o que faria com ele se ainda não tivesse entregado os relatórios. Espreguiçou-se, emburrou a cara, resolveu olhar embaixo da mesa novamente. Pow!

- Ai! - bateu com a cabeça na gaveta ao tentar se levantar. Sentado no chão com a mão em seu galo, olhou para o objeto de seu machucado e desembainhou Zabimaru. - Tsk. - deixou a zampakoutou ao lado da mesa e foi vasculhar a gaveta, que ele nem lembrava que existia. Estava emperrada. Apoiou o pé e puxou com todas suas forças, quase caindo para trás, ao menos havia aberto a gaveta. Pisou em três aranhas e uma lagartixa que se rebelaram contra o invasor de seu lar. Encontrou entre os paranhos de aranha algumas folhas rabiscadas, várias canetas sem tinta, o desenho de um chappy com cabeça de abacaxi (?), uma borracha em forma de patinho, dois óculos de sol super fashions (um em forma de estrela e outro de coração), elásticos, um estilingue, e ah! Finalmente lá estava seu símbolo de fukutaichou. Colocou-o rapidamente em seu braço, bem amarrado, e guardou algumas coisas em sua veste, já iria fechar a gaveta quando viu no fundo um calendário antigo. Tirou-o de lá, fechou a gaveta e procurou o mês em que estavam. Arregalou os olhos ao perceber o Enorme lembrete escrito e circulado em vermelho vivo com letras amigáveis e garrafais. LIMPEZA DE PRIMAVERA

- Então era por isso que o taichou me deu um espanador ontem! - exclamou Renji batendo na mesa. Era uma brilhante conclusão em que seu cérebro havia chegado. Começou a tremer como uma gelatina ao ouvir passos aproximando-se da porta. Respirou fundo e fechou os olhos, rezando para Kami-sama. A pessoa tentou abrir a porta e não conseguiu. Resolveu bater.

Toc Toc Toc

- Renji? - chamou uma voz delicada na porta, era Rukia, para felicidade dele. - Nii-sama esqueceu a chave.

- To indo taichouuu - afobou-se o Renji, abrindo a porta rapidamente, revelando apenas uma Rukia com um sorriso travesso.

- Baka! - disse a Kuchiki dando um cascudo na cabeça dele.

- Temeee! - ameaçou Renji com uma aura maligna o envolvendo.

- Vim te ajudar com os relatórios.

- Por isso eu digo que você é a minha melhor amiga! - Rukia jurou ter visto uma aureola sobre a cabeça de Renji enquanto ele estava com os olhos brilhando. - Vamos logo que eu ainda tenho que almoçar. - disse ele entregando uma das pilhas de papeis para Rukia e pegando as outras duas.

Caminharam rapidamente pelos telhados, usando shumpo algumas vezes, Renji quase tropeçou em Kyouraku-taichou que dormia no telhado de seu esquadrão, mas ele dormia como uma pedra e, como todas as pedras, não reclamou ao ser pisado.

Shunsui acordou uma hora depois com uma carinhosa livrada de Nanao-chan. Como ele adorava a primavera!

Na mansão Kuchiki, devorando impiedosamente os onigiris em forma de chappy que Rukia havia feito, Abarai ignorava as súplicas de sua amiga para ser piedosa com os chappys.

- Renji seu baka! - reclamava com lagrimas nos olhos - Não precisa estripar eles!

- ... se não quisesse que eu comesse, então você devia ter escondido! - reclamou ele, engolindo mais três junto de um gole de sakê. - Desde quando você sabe cozinhar bem?

- Oh, eu aprendi em uma revista que a irmã do Ichigo me deu. - exclamou Rukia tentando esconder a sacola de um restaurante em seus bolsos, e disfarçando um sorriso sincero. - Vou levar alguns para o Nii-sama, antes que acabe. - saiu saltitando alegremente da cozinha com um prato de chappy-onigiris. Abarai deu de ombros e continuou a comer, ele precisava acumular energias para a triste sina à que estava fadado.

Perfeição. Uma qualidade que o líder Kuchiki prezava, e muito. Todo ano era o mesmo sofrimento para o sexto esquadrão, pelo menos para a maioria dos shinigamis que não gostavam de limparem todos os mínimos cantinhos com escovas de dentes e cotonetes. Abarai era um destes shinigamis, além de ter que ajudar na limpeza do esquadrão, consequentemente tinha que limpar a sua sala, ás vezes sem a ajuda do taichou, que estava muito ocupado na limpeza da mansão. Era um trabalho árduo, cansativo, que requeria muita força de vontade. E tempo. Tempo era o que mais Renji precisava. Passara a manhã toda enfornado com seus relatórios e esquecera (ou ignorara) completamente as atividades pouco comuns que o sexto esquadrão estava exercendo naquele primeiro dia de primavera. Como um furacão, verificou rapidamente como andava a limpeza, felizmente no esquadrão haviam membros muito mais preocupados e avoados do que ele, portanto só faltava a sua sala. Furtou algumas vassouras, panos e espanadores, e trancou-se na sala. Era Madrugada. Barulhos sinistros de serras e aspiradores de pó eram ouvidos do lado de fora. O rumor de que havia um fantasma (ou seria hollow?) no sexto esquadrão começou a se espalhar rapidamente. Não demorou muito para chegar aos ouvidos da mansão Kuchiki.

- Espero que ele não destrua as paredes. - murmurou Byakuya olhando para a foto de Hisana, enquanto escrevia o relatório para seu clã.

Paredes cintilando sem poeira alguma, chão e móveis lustrados, materiais de escritório organizados, seu armário já não parecia um buraco negro mutante. Sorrindo de satisfação Abarai recolheu seu equipamento para ir devolvê-lo no quarto esquadrão. Havia emprestado um aspirador de pó de Hanatarou. Caiu de cara no chão ao tropeçar no fio que ainda estava ligado na tomada.

- Hoje não é meu dia... - resmungou ele se arrastando pelo chão até a tomada. Seria mais fácil se levantar, não acham? Mas se ele tivesse se levantado, não teria levado um enorme susto ao se deparar com uma cara sorridente e adornada com cabelos róseos saída de um alçapão do chão.

- Ohayo, Abacaxi-kun, por que está se arrastando como uma lesma? - perguntou Yachiru, colocando um pirulito na boca.

- Sai daqui sua pestinha! - gritou Renji fechando o alçapão e sentando em cima. Péssima hora para a fukutaichou do 11º esquadrão aparecer.

- Hihihi, vamos brincar? - perguntou a rosada, agora aparecendo de uma portinha misteriosa na mesa de Byakuya. Renji resolveu ignorá-la e pegou novamente o aspirador de pó. - Cenoura-kun, esse bichinho é seu?

- Ahn? - perguntou desinteressado Abarai, olhando para a menina. Arregalou os olhos ao ver uma pelúcia do mascote preferido do taichou. - É sim, pode devolver? - pediu educadamente, tentando não despertar o monstro Yachiru.

- Ah, claro, se você conseguir me pegar! - mostrando a língua, a menina começou a correr loucamente pelo local, segurando a pobre pelúcia pelas pernas. Sem outros meios, Renji correu atrás dela, menos pelo teto, é claro, ele não sabia como andar pelo teto. Arfando atrás da menina, impossibilitado de utilizar Zabimaru, tentava cercá-la, segurá-la pelos pés, fazer ela perder o equilíbrio jogando vassouras e espanadores, simplesmente correr loucamente na direção contrária, distraí-la com doces ou sentar no chão com uma cara brava esperando ela desistir. Todas suas tentativas falharam.

Olhando para o caos em que estava a sala, Renji teve vontade de chorar, mas então uma idéia aflorou em sua mente, talvez matasse dois coelhos com uma cajadada só, - impressão sua ou ouviu Rukia gritando com ele por maltratar os chappys? - deu de ombros e reconectou o aspirador na tomada, mudou a chave para a velocidade máxima - Buraco Negro. Firmou seus pés e ligou.

- Hihihi! Estou voaaando! - exclamou a menina, que antes andava pelo teto, e agora estava pairando um metro acima do chão e "voando" em nado cachorrinho contra a corrente, que puxava-a para dentro do cabo do aspirador. Este estava triplicando de forma ao sugar todas as coisas que haviam no escritório, menos Yachiru e o 'raptado'.

- MUahahahahaha! - ria maleficamente Renji possuído pelo desejo de vingança, empunhando o aspirador de pó. Ele só se deu conta da idiotice que estava fazendo quando percebeu, em câmera lenta, que a pelúcia vinha em sua direção, ou melhor, era sugada pelo aspirador. - Nãaaaaao! - gritou ele com lágrimas nos olhos, esquecendo do botão desligar.

O último suspiro do aspirador de pó foi dado, logo após engolir a pelúcia Wakame, havia chegado à sua capacidade máxima e dava seu adeus ao mundo da limpeza. O céu dos aspiradores de pó o aguardava. Como ultimo desejo naquele mundo, acionou automaticamente o botão de reversão, devolvendo enigmaticamente todos os objetos de volta à seus lugares. Embasbacado com o milagre ocorrido, Renji ajoelhou-se no chão abraçando o aspirador e procurando com os olhos a localização da pelúcia. Não estava lá. Olhou as gavetas e os armários. Nada. Engoliu em seco e começou a sentir seu rosto se derreter. Sentindo um formigamento no pescoço, apanhou todas as coisas que não pertenciam àquele local, trancou o escritório e correu desenfreadamente para sua casa, olhando psicoticamente para todos os cantos e desconfiando de sua própria sombra.

Um destino desafortunado lhe aguardava.