Só o plot me pertence


Todo dia, quando o sol se punha, ela vinha falar-lhe. A letra era redonda, caprichada, infantil. Ela despejava o coração naquelas páginas amareladas, suspirava (não que ele a ouvisse) e aguardava uma resposta.

Todo dia, quando o sol se punha, ele se preparava para dar respostas, para fazer perguntas tolas e vazias. Era isso o que ela era: tola e vazia.

Era um arregaçar de mangas, um pegar na pena e um arranhar de pergaminho que se repetia todos os dias, um padrão quase ridículo de tão irônico. Algo que parecia inocente; uma menininha contando segredos ao seu amigo invisível; algo que era tudo menos inocente; um garoto inteligente manipulando uma menininha boba como se ela fosse massa de modelar.

Todo o dia, depois que o sol se punha, Ginevra deitava e dormia, sonhando com sua realidade distorcida e seus sonhos impossíveis.

Impossíveis porque ela era feita de vidro e Tom enxergava toda e qualquer coisa que se passava dentro dela, através dela, e ele era feito de chumbo e nada se enxergava dentro dele, nada se via através dele.

E se ele a abraçasse, a quebraria em mil pedaços, retalhos pontiagudos que um dia foram uma frágil garota. Frágil, tola e vazia.

Tom escrevia a ela tão cuidadosamente que era um tipo especial de arte. Ele escolhia a dedo as palavras, formulava as frases com tanta maestria que a ludibriavam facilmente, como água escorrendo pelos dedos: natural e confortável.

Chegava a ser bom escrever a Ginevra, imaginar como ela seria, onde estaria na hora em que corria a pena pelas páginas do diário, o que estaria vestindo...

Como ficaria morta; inerte e gélida no chão da Câmara de Salazar.

Era uma obra-de-arte, o que acontecia entre eles. Era como a Mona Lisa.

Era como passar tanto tempo escondendo mistérios e guardando segredos que, por mais que tentassem e tentassem, nunca ninguém descobriria tudo o que se passou. Tudo o que se passou entre Tom e Ginevra.

Tudo o que se passa no sorriso da Mona Lisa.