A primeira coisa que ouço quando acordo é o barulho do liquidificador. Mamãe que adora um café da manha completo, deve estar preparando algum suco. Olho no relógio, são 7:13, e preciso estar pronta para trabalhar às 8:30.

Desde que tenho 13 anos eu trabalho durante os verões. Em casa as regras são claras: nada de verões deitada ao sol e dias inteiros na piscina. Na família Evans, ou você trabalha, ou você estuda.

Eu e minha única irmã, petúnia, trabalhamos. Ela conseguiu o cargo de recepcionista num salão de beleza no centro da cidade, o que segundo ela não poderia ser melhor pois "onde mais você poderia fazer suas unhas durante o trabalho e ainda receber por isso?". Já eu consegui um trabalho de meio período numa loja digital no shopping. Das 8:30 até as 14:00h eu revelo fotos. E então tenho o resto do dia para fazer absolutamente nada.

O trabalho é simples, consiste em ficar trancada numa sala escura, exceto pelas lâmpadas vermelhas e mergulhar papel fotográfico em bacias com soluções reveladoras e fixadoras. E então pendurar as fotos durante alguns minutos e pronto. Nada difícil demais. E ainda há o fato de que com tantas tecnologias, maquinas digitais e celulares com câmeras, não é como se as pessoas revelassem fotos com muita frequência, então eu sempre acabo matando tempo na parte da frente da loja, conversando com o outro funcionário, Rick.

Rick, assim como eu, tem 17 anos. Finalizamos o ensino médio na mesma escola, mas enquanto eu vou para Hogwarts estudar psicologia, ele vai simplesmente viajar pelo mundo, então é mais ou menos sobre isso que conversamos. Cidades, pontos turísticos, paraísos escondidos sob pedras.

- Lilian? O café está na mesa! – ouvi mamãe chamando da cozinha. Com os cabelos molhados do banho e vestida com jeans escuros e uma camiseta amarela, segui para lá.

- Fiz suco de morango pra você, e coma um pouco de torrada, elas estão quentinhas. Acabei de tirar do forno.

- Eu não estou realmente com fome mãe – falei.

- Tome pelo menos o suco então. Vou terminar de me arrumar e então te levo para a Digipix.

- Ok.


A manhã já estava quente, o sol brilhava acima de nos enquanto minha mãe dirigia em direção ao shopping onde a Digipix ficava. As janelas estavam abertas e no rádio uma musica do The Kooks começou a tocar...

- Do you want to go to the seaside? – minha mãe cantou.

- I'm not trying to say that everybody wants to go… - continuei, e então, infelizmente, antes mesmo da música chegar ao refrão o carro parou.

- Sinto muito mocinha, hora de trabalhar! – Falou ela – Você quer que eu passe pra te pegar essa tarde? Vou estar aqui por perto.

- Não mãe, acho que vou até o parque um pouco...

- Tudo bem querida, te vejo a noite então

Quando cheguei na loja, cumprimentei Rick e fui direto para os fundos. Normalmente os clientes vinham ao shopping à noite, e então o trabalho de revelar as fotos ficava todo para a parte da manhã.

Comecei revelando as fotos do Sr. Smith, um velhinho que vinha toda semana, às segundas feiras, para revelar as poucas fotos que tirava dos netos. Muitas delas eram lindas, mas ainda havia aquelas onde ele acabava fotografando o próprio dedo por esquecer de tira-lo da lente.

O melhor de trabalhar revelando estas fotos era que eu podia analisar cada uma das fotos enquanto elas iam tomando forma nas soluções em que eu as passava. Era um sorriso inocente de uma criança, um abraço entre amigas, um pôr do sol no campo, e claro, as fotos que eu mesma tirava.

O fato de que eu sempre gostei de fotografar teve um peso enorme na escolha do lugar em que eu iria trabalhar. Eu costumava fazer as fotos para o jornal da escola onde estudava, mas como as edições eram mensais, não é como se eu fotografasse muito, mas era uma coisa muito prazerosa de se fazer. E agora, com algumas economias, eu finalmente consegui comprar uma boa máquina fotográfica e em dias ensolarados, como hoje, costumo caminhar até o parque St. James fotografar.

Por volta das 11 horas eu estava revelando as ultimas fotos encomendadas no dia anterior, e ouvi uma batida na porta.

- Lily? – era Rick – estou colocando mais um filme pra revelar aqui.

O negócio da revelação de fotos consiste principalmente em não deixar que nenhuma luz externa entre na sala de revelação, já que um único fio de luz poderia arruinar todo o trabalho. Então, para evitar o contato com a luz, tínhamos uma abertura, parecida com uma caixinha de correio, mas aberta dos dois lados, assim, Rick colocava os filmes de um lado e fechava a abertura, e eu os pegava do outro, sem que nenhuma luz entrasse no ambiente, exceto, é claro, a luz vermelha, que não afeta a revelação.

Enquanto revelava esse ultimo rolo de filme, fui ficando cada vez mais alucinada com a qualidade das fotos, a riqueza de detalhes em paisagens simples, risos espontâneos de alguns garotos, a foto de uma mãe abraçada a uma tigela, batendo o que provavelmente seria um bolo de chocolate, com um sorriso genuíno nos lábios e grandes olhos verdes.

A cada foto revelada me apaixonava ainda mais pelas imagens ingênuas, e me perguntava quem estaria por trás daquela lente. Uma menina talvez? Fotografando o irmão abraçado à mãe? Acho que sim. Aquelas fotos tinham um traço de inocência que me fisgou completamente.

Quando terminei todo o trabalho, fui para a parte da frente da loja com todas as revelações, esperando que talvez eu pudesse encontrar a fotografa das fotos que eu tinha me apaixonado, e então conversar um pouco, tentar captar um pouco da essência de suas fotos. Quando dei por mim, já eram 13:55, faltavam 5 minutos para que meu horário acabasse. Resignada, e com a esperança de que essa menina viesse buscar as fotos no outro dia, reuni as minhas coisas e caminhei em direção a saída do shopping, aproveitando para comprar um lanche no meio do caminho, já que ainda não tinha almoçado, e enquanto comia, caminhei em direção ao parque.

O dia quente da manha havia recebido a visita de grandes nuvens brancas, parecidas com algodão doce, e ainda uma brisa suave que insistia em bagunçar meu cabelo. Abri minha bolsa e estendi uma pequena toalha que havia trazido, peguei um livro e me recostei num grande salgueiro do parque, com fones de ouvido explodindo um bom rock nos meus ouvidos.

Me concentrei na leitura, mas ocasionalmente desviava meu olhar para os visitantes do parque. Haviam mães e babás cuidando das suas crianças, que se divertiam enquanto corriam atrás de uma bola, ou faziam seus carrinhos de controle remoto voar por cima das folhas caídas ao chão; havia o grupo de garotos se divertindo, contando piadas talvez, já que o riso deles me alcançava do outro lado do parque, e é claro, havia os casais de namorados, dividindo cestas de piqueniques e com sorrisos bobos nos lábios.

Um raio de sol atravessou a copa da arvore na qual estava sentada e banhou meu rosto. Fechei os olhos, absorvendo todo aquele calor enquanto uma brisa soprava meus cabelos para longe do rosto. Mantive meus olhos fechados por bons minutos, quando uma bola de futebol bateu na minha perna, forte o suficiente para me assustar, mas leve ao ponto de não me machucar.

- Ei moça, desculpa! – falou um dos meninos do grupo que tinha visto mais cedo rindo de sabe-se lá o que.

- Tudo bem – respondi – sem problemas.

- Te machuquei? – perguntou ele com grandes olhos castanhos.

- Não, mesmo. – respondi mais uma vez – seus amigos estão te esperando – falei enquanto olhava os outros três, que nos olhavam impacientes.

- Vem logo James! – gritou um deles

- Estou indo – gritou James de volta, e então, olhando pra mim disse – desculpe-me mais uma vez. Tchau. – e sorriu, um sorriso maravilhoso, vagamente familiar.

- Tchau – respondi de volta, e mais uma vez me concentrei na leitura.

O sol estava começando a baixar quando resolvi reunir todas as minhas coisas e ir para casa.


Meus dias seguiram assim por mais uma semana e meia. Acordar cedo, trabalhar e matar a tarde fazendo alguma coisa na cidade. Normalmente eu me sentava no parque para ler, outras vezes levava minha câmera fotográfica e tirava algumas fotos. Eu também gostava de frequentar uma loja de música no mesmo shopping em que eu trabalho. Na realidade a loja era uma mistura de música e livraria, onde você podia se sentar numa poltrona muito confortável, ao lado de CD players com qualquer livro em mãos curtir a boa musica e a boa leitura pelo tempo que você quisesse, o que era perfeito pra mim.

Foi num dia desses, em que eu visitava a livraria, que me encontrei mais uma vez com o cara do parque, James.

- Hey – disse ele – você é a garota do parque não é? Aquela que eu acertei com a bola.

- Sim, sou eu – falei..

- Você mora aqui por perto? – ele perguntou – tenho te visto de relance pela redondeza.

- Na realidade não – falei de volta – eu trabalho numa das lojas do shopping, e aproveito o parque aqui perto ou então fico vagando pelas lojas ou livrarias. Nada como um bom livro e acima de tudo não ter que comprar para lê-lo. – ri – na realidade moro um pouco longe daqui, em Nothing Hill.

- É, não é tão perto – falou enquanto puxava um livro da prateleira mais próxima.

- Cara, é sério... sua mãe vai ficar uma fera se nos atrasarmos mais uma vez – disse uma voz atrás de mim. Me virei para ver quem era, e me deparei com um dos outros meninos do parque. – Ah, encontrou o que você estava procurando? – perguntou ele enquanto olhava para mim.

- Claro – respondeu James mostrando o livro que tinha pego - tchau hmm.. qual o seu nome mesmo?

- Lily

- Tchau Lily.

E se foram.