Os ladrões

_ Quatro carros reais. 10 cavalos de puro sangue, apenas para sua majestade. 2 mil homens em armas, para defendê-lo. Prataria o suficiente para 10 recepções consecutivas. Ainda tecidos finos trazidos da longínqua região a oeste. Peles de animais selvagens, em quantidade suficiente para forrar todo um castelo. Agora a melhor parte: colares, anéis, gargantilhas, pulseiras, braçadeiras, testeiras, tornozeleiras, cintos, faixas, cetro, sinete, e é claro a coroa. O rei de Shimarak tem muitas posses. Afora o que ele cobra ou extorque em impostos. Esqueci alguma coisa? Obviamente que não falarei nos espólios de guerras. _ Falou Mirom.

_ Por que não? _ Arguiu Kabul.

_ Você acha que o rei separa seus bens em "o que eu já tinha" de "o que eu tirei dos derrotados"? É claro que ele mistura tudo. Deve ter tanto que nem sabe mais o que possui. _ Mirom falou irritado, cofiando a barbicha rala.

_ Você acha que ele não vai saber exatamente o que nós roubamos? _ Kabul perguntou com um olhar confuso.

_ Sem dúvida nenhuma. _ Mirom procurou ficar mais confortável na cadeira de madeira leve da taverna.

_ Está bem, mas mesmo assim, ainda acho que precisamos contratar mais ladrões. _ Kabul pensava que era mais precavido que seu companheiro, metido a gênio.

_ Tudo bem. Pegue uns otários na taverna. Depois os liquidamos e ficamos com a parte deles. _ Mirom falou sarcasticamente, mas sabia que seu companheiro tapado ficaria assustado.

_ Poxa cara, ainda bem que você é meu amigo. Eu teria medo de fazer negócios com você, se não te conhecesse. _ Kabul ficou com a pulga atrás da orelha.

_ Na verdade é exatamente o contrário.

_ O que quer dizer?

_ Esqueça! Vá procurar os otários. _ Mirom considerava Kabul muito previsível e sem imaginação.

Mirom e Kabul eram dois ladrões audaciosos, que ganhavam a vida tirando os bens dos outros, para proveito próprio. Mirom era o chefe e quem urdia as tramas para os roubos e assaltos. Kabul era o seu fiel companheiro. O que ele tinha de companheirismo, lhe faltava em pensamento prático. Eles estavam naquele reino há um mês, estudando o palácio do rei, para o que chamavam de "chuva no deserto", codinome para o assalto aos tesouros do rei.

Kabul afastou-se e passou a vagar na taverna, observando os fregueses. Havia uns 4 otários. Ele acercou-se de um deles, e já ia puxar conversa, quando dois forasteiros entraram naquele lugar, chamando a atenção de todos, pelo estado de suas roupas, e o maltrato e descuido para consigo próprios. "Que dupla de otários" Kabul pensou.

Então decidiu abordar os estrangeiros. Um deles era tão alto e largo quanto um portão de paliçada. Ele chamava a atenção pelos cabelos negros, a pele bronzeada, e os olhos azuis elétricos. "Esse cara deve ser muito bom em uma briga" Kabul pensou. O segundo estrangeiro era um pouco mais baixo, mas também era musculoso, barbado e tinha olhos cinzentos como um lobo. "Esse deve ser o mais esperto dos dois" Pensou Kabul.

_ Ei amigos, procuram um lugar para ficar? _ Kabul inquiriu com um sorriso.

_ Sim. Você é o dono daqui? _ Inquiriu o gigante bronzeado.

_ Não mas, posso lhes informar que os quartos aqui são muito bons. Vocês são de onde? _ Kabul ainda mantinha o sorriso meloso no rosto.

_ Somos do Norte. Uma região montanhosa e gelada, chamada Ciméria. _ Conan falou enquanto tentava desviar o olhar daquele homem de sorriso falso.

_ O que quer de nós, camarada? _ Declan achou melhor cortar aquele diálogo melífluo.

_ Estive pensando se não querem um trabalho. Isto é, se já não possuem um trabalho. _ Kabul se assustou com a cortada que recebeu. Achou melhor ir direto ao ponto.

_ Que tipo de trabalho? _ Declan adiantou-se.

_ Bem, eu não posso falar sobre isso... _ Kabul não conseguiu terminar seu discurso.

Declan o agarrou pelo pescoço e o ergueu do solo. Kabul ficou mexendo os pés como uma marionete.

_ Escuta aqui, senhor fala doce. Você vai falar aqui e agora. Senão minha mão vai amassar esse pescoço de galinha. Entendeu? _ Após alguns segundos que pareceram séculos, Declan soltou o pescoço de Kabul, fazendo o ladrãozinho cair desajeitadamente, com ambas as mãos no pescoço.

Conan observava as ações de seu companheiro, e por um minuto, achou que ele fosse realmente matar aquele homenzinho. Quando Declan soltou o indivíduo, Conan observou que todos os olhares da taverna estavam voltados para eles. Ele temeu um embate contra aqueles homens, mas rapidamente todos voltaram as cabeças para dedicarem-se a seus próprios assuntos. Somente um deles levantou-se e saiu por uma porta lateral. Conan segurou o braço de Declan até que seu amigo lhe desse atenção.

_ Declan, largue esse sujeito. Estamos aqui para beber, comer e dormir, e não para brigar. _ Conan falava com o outro, enquanto seus olhos averiguavam o ambiente, tentando prever um ataque dos outros habitantes. Ninguém dava a mínima importância ao que acontecia.

_ Tudo bem Conan, mas eu ainda quero saber o que esse verme tem para falar. _ Declan levantou Kabul e o arrastou para fora da taverna.

_ Então homenzinho, qual é o trabalho que você tem para nós?

_ É um trabalho de... cortador de lenha... _ Kabul foi agarrado pela nuca e sacudido por Declan. _ Tá bom, tá bom, eu falo. Eu sou um ladrão. E queria chama-los para um roubo, mas já me arrependi. Tá bem?

_ Ah, ah, ah, ah, ah! _ Declan soltou Kabul e se acabou de rir, chegando a colocar as mãos na barriga para rir melhor.

Até Conan riu um pouco. A seguir ele tocou o ombro de Declan e acenou com a cabeça para a taverna. Ambos entraram e pediram bebidas e comidas. A seguir ficaram em quartos alugados, e aproveitaram para ficar com algumas prostitutas também. No dia seguinte, Conan e Declan compareceram ao palácio do rei Dipanaris. Foram oferecer seus serviços.

Após esperarem por um dia inteiro, um dos chefes da guarda sugeriu que eles se banhassem e arranjassem roupas novas, pois pareciam mendigos, e o rei não atendia mendigos, a não ser em audiências para execuções. Conan e Declan se viram compelidos a embelezarem-se para serem atendidos pelo alto mandatário. Quando voltaram a se apresentar ao chefe da guarda, foram conduzidos a uma sala ampla, ricamente decorada com pratarias, esculturas e afrescos.

Um ancião veio recepcioná-los. Ele vestia uma túnica prateada, de tecido felpudo, semelhando pele de coelho. Suas barbas e cabelos estavam caprichosamente penteados, em forma de caracóis e cachos grisalhos. Conan poderia jurar que até suas sobrancelhas faziam cachos. O idoso identificou-se como Conselheiro do rei, com poder para contratar ou despedir.

_ Viemos oferecer nossos serviços ao seu rei. Somos ex-combatentes de exércitos. Temos conhecimento técnico de guerra, lutas, estratégias, armas, além de formas de sobrevivência e exploração de áreas hostis. Também somos caçadores de recompensas e batedores. Tudo o que exigir sangue-frio, força e inteligência, nós o fazemos. _ Conan explanou sobre sua competência.

_ Bem vejo que são bem treinados e eficientes, mas no momento, nosso exército regular nos é suficiente para todos os nossos problemas. Não precisamos em absoluto de seus serviços. Podem se retirar. _ O velho conselheiro despachou-os friamente, e tocou uma sineta com sua mão enrugada cheia de anéis de ouro. _ Acompanhem estes homens até a saída.

_ Ora seu... _ Declan foi contido por Conan que olhou para ele e balançou a cabeça.

Declan calou-se e limitou-se a acompanhar os guardas. Ao chegarem do lado de fora, ficaram andando a esmo.

_ Conan, nossas reservas acabaram. Precisamos de trabalho. Se esse rei unha-de-fome não quer nosso trabalho, devemos ir embora. _ Declan falou resignado.

_ Talvez não. _ Conan olhou para Declan significativamente. _ Acho que podemos falar com seu amiguinho da outra noite.

_ O que? O ladrãozinho? Você perdeu a cabeça? Aquele bunda-mole não sabe nem a diferença entre rúpia e dracma. Ele é um idiota. Seríamos pegos no primeiro roubo. _ Declan falava e aos poucos ia mudando de idéia. _ Agora, se fosse eu a liderar o assalto, aí a coisa mudaria de figura. Isso Conan, bem pensado. Finalmente você usou a cabeça para algo mais do que separar as orelhas.

Conan olhou-o seriamente, então começou a rir. Declan era tão audacioso que não temia a fúria de Conan, e este achava esse comportamento muito hilário.

Mirom e Kabul estavam sentados em uma mesa escondida na penumbra. Faziam desenhos em um pergaminho, e amarravam fiapos de lã em seus dedos e pulsos. Estavam tão concentrados, que não perceberam duas figuras enormes se aproximando. Mirom foi o primeiro a perceber a companhia. Ele ergueu os olhos e ficou encarando de olhos arregalados, Conan e Declan. Quando Kabul finalmente se deu conta de que não estavam mais sozinhos, quase caiu da cadeira de pavor de Declan.

_ Olá rapazes, não digam que começaram o jogo sem a gente? _ Declan inquiriu com um sorriso.

Fim do Capítulo