Título: Sobre Pintura e Cisnes
Autora: Nah
Gênero: Romance/Yaoi/U.A.
Sinopse: Era impossível não sentir nada enquanto olhava ele dançar. Era como um quadro vivo, transbordando em emoção e detalhes.
Disclaimer: Saint Seiya e seus personagens não me pertencem, e sim a Masami Kurumada, Bandai e Toei. Mas a fic sim, então nada de plágio ou publicar em outro lugar sem a minha devida autorização.
Parte I
Boa parte das minhas decisões costumam ser tomadas depois de um bom tempo refletindo. Mas foi sem pensar muito que decidi largar a faculdade de enfermagem após o primeiro mês de curso.
Meu irmão Ikki não gostou nem um pouco, alegando que eu estava sendo precipitado e passou umas boas semanas emburrado para o meu lado. Sei bem que aquilo era preocupação típica dele e talvez um pouco de culpa, por achar que de algum modo tinha me influenciado em não querer continuar o curso na faculdade.
Quando terminou o colegial, Ikki decidiu que não faria faculdade e tratou de arranjar um emprego. Ele não queria mais que dependêssemos de um tio, irmão da nossa mãe, que nos ajudava desde a morte dos nossos pais. Então provavelmente ele achava, naquele jeito protetor dele, que talvez não tivesse cuidado de mim e me orientado do jeito certo. O que claro, não era verdade.
Depois de largar a recém começada faculdade decidi seguir para algo completamente diferente, mais uma decisão tomada sem pensar muito; e apesar de não estar nem um pouco acostumado com toda essa precipitação eu gostava da sensação que era.
Sempre gostei de pintar e era a única coisa que eu conseguia me imaginar fazendo naquele momento. Agora restava saber se eu realmente levava jeito pra coisa. Antes de tudo me preparei psicologicamente para comunicar a Ikki que eu iria me inscrever no curso de pintura e desenho do Centro Cultural de Tóquio.
Ele foi categórico em dizer que não iria bancar um curso de pintura e já foi logo ordenando que eu desistisse dessa idéia. Quase desisti mesmo, mas engoli o choro e me tranquei no quarto sem dizer mais nada. Eu queria mesmo fazer aquilo. E não seria Ikki com seu jeito de pensar limitado que iria me impedir.
Eu sempre escutava o meu irmão e dava razão a ele em tudo que decidia para mim. Mas às vezes eu sentia necessidade de pensar por mim mesmo, de fazer minhas próprias escolhas, e acho que já estava mais do que na hora de ser um pouco mais independente.
No dia seguinte fui atrás de um emprego de meio período, que desse para pagar o curso e quem sabe até ajudar Ikki com as despesas da casa. Nem precisei ir muito longe: em uma padaria a três quadras de casa estavam precisando de um atendente em meio período. Daria pra pagar o curso, mas as despesas da casa teriam que continuar por conta do meu irmão.
Mais uma vez Ikki se mostrou surpreso com essa minha atitude, mas não disse nada. Acho que ele gostou de saber que eu estava andando com minhas próprias pernas, mesmo que não admitisse em voz alta.
Me inscrevi no Centro Cultural assim que recebi meu primeiro salário, ignorando completamente as reclamações dele. Eu estava mesmo decidido a dar aquele passo e seguir unicamente a minha vontade pela primeira vez.
Mas a primeira aula não saiu exatamente como eu imaginava. Meu professor, apesar do jeito descontraído, era extremamente exigente, coisa que eu notei assim que ele fez questão de dizer que meu desenho não expressava nada e que os traços ainda eram muito apáticos.
- Não dá pra sentir o seu desenho – foi o que ele concluiu com descaso, partindo logo em seguida para comentar sobre o desenho do garoto ao meu lado.
Fiquei decepcionado e frustrado por não passar uma boa impressão logo de cara. Tudo bem que eu não esperava que ele dissesse que meu desenho era uma verdadeira obra de arte, mas achei que pelo menos ouviria algo encorajador.
Bom, mas não seria apenas um comentário que iria me fazer desistir, certo?
A aula terminou, e depois de guardar meu material, ao sair da sala esbarrei em uma garota loira parada perto da porta.
Ela virou o rosto para me olhar e na mesma hora murmurei um pedido de desculpas, abaixando um pouco a cabeça.
- Desculpe... eu...
- Hm, tudo bem – respondeu, dando um mínimo sorriso. – A culpa foi minha em estar parada quase barrando a saída da sala – ela disse em um tom mais baixo e tímido do que o meu.
Neguei com um aceno, me desculpando mais uma vez antes de sair da sala, mas ela voltou a falar me fazendo parar e virar para trás.
- Você é novo aqui, não? - olhei para ela e balancei a cabeça afirmando, enquanto ela chegava perto ainda meio tímida. – Não liga pro Milo, ele critica o desenho de todo mundo pelo menos uma vez – disse fazendo uma careta, mas corando logo em seguida como se estivesse se condenando pelo ato.
Sorri e não demorou muito para que eu descobrisse em meio as aulas de pintura que ela se chamava June e que além de pintura fazia música, porque essa era sua verdadeira paixão, e teatro para tentar ser menos tímida.
June já não era tão tímida comigo depois de algumas semanas e sempre opinava nos meus desenhos ou pinturas, me incentivando mesmo que eu não tivesse evoluído quase nada durante as aulas.
E um dia, quase um mês depois de ter começado a fazer aulas de pintura e desenho, ela se aproximou, retorcendo as mãos nervosamente e me perguntando com as bochechas coradas.
- Você não quer participar do grupo de teatro também? Estamos precisando de pessoal e acho que você vai gostar.
- Anh... eu não sei. Acho que com o meu salário não daria para bancar as aulas de teatro junto com as de pintura.
- Por que você não assiste a uma aula? Afrodite não vai se importar – ela me olhou meio incerta e ainda nervosa e eu nunca fui bom em dizer não de qualquer forma.
Acabei indo com June, que a despeito de toda a timidez, não parava de falar um instante sequer, provavelmente por ainda estar nervosa com algo que eu não entendia.
- A aula só começa daqui a uma meia hora. Agora é o pessoal de dança que está usando o palco. Vai ter uma competição de balé daqui a duas semanas e eles estão usando o palco ao invés das salas.
Enquanto andávamos pelos corredores June não parava de falar, mas calou-se assim que chegamos as portas que davam para o auditório.
- Silêncio total quando o pessoal do balé estiver aqui, okay? – sussurrou e eu sorri em entendimento.
Assim que entramos vi algumas bailarinas em frente ao palco conversando animadas. Não havia muito outros por ali e o palco estava vazio.
- Hm, acho que já terminou... – apontou um lugar no meio do auditório. – Vamos ficar ali enquanto a aula não começa.
Sentamos e ela começou a contar como funcionavam as coisas por ali, falando mais do que já tinha falado comigo durante todo aquele mês, até que uma música clássica começou a tocar e um casal de bailarinos se posicionou no meio do palco.
June se calou quase instantaneamente e olhou em direção ao palco. Fiz o mesmo, reconhecendo como sendo uma das obras clássicas de Tchaikovsky.
E eu quase prendi a respiração com o que se passava mais adiante, meus olhos presos nos movimentos executados pelo esguio bailarino, que dançava graciosamente como se o palco pertencesse apenas a ele.
Seus movimentos leves e ao mesmo tempo firmes ofuscavam a bailarina que o acompanhava, como se ela fosse apenas um instrumento usado a seu favor. Era impossível não sentir nada enquanto olhava ele dançar. Era como um quadro vivo, transbordando em emoção e detalhes.
Eu podia sentir algo aquecer dentro de mim e meus olhos encherem-se de lágrimas não derramadas ao contemplar o quadro mais perfeito que eu já tinha visto naqueles dezenove anos de vida.
E eu me peguei observando não só a sua dança, mas cada traço dele, a pele alva, os cabelos loiros que caiam até o pescoço e os músculos bem definidos pela dança, apesar do corpo esguio.
Meus olhos continuaram cativos em cada movimento dele como se mais nada existisse e eu apenas assimilava vagamente o frio gostoso no pé da barriga. Até que a música terminou quebrando todo o encanto que me envolvia, dissipando a sensação surreal que tinha me acometido.
- Perfeito, não é? – ouvi June sussurrar ao meu lado, empolgada. Virei o rosto para ela meio surpreso, perdendo o momento em que o bailarino saia do palco.
A loira ao meu lado sorriu divertida pela primeira vez ao me ver assentir de forma vaga e sem palavras, seus olhos brilhando vivamente.
- Ele é conhecido como Cisne.
- Cisne?
- Uhum! A primeira apresentação que ele fez aqui foi O Lago dos Cisnes, você pode imaginar o sucesso que foi. Desde então alguns o chamam assim, mas ele parece não gostar muito. Bem... dizem que ele não é lá muito simpático. Grandes talentos costumam ter o ego inflado mesmo – deu de ombros, seus olhos voltando para o palco e sorrindo ao falar. - Olha, Afrodite chegou!
Olhei na mesma direção que ela, só então notando que Cisne e os outros bailarinos já haviam sumido.
Suspirei sendo arrastado por June até o professor de teatro, sem realmente prestar atenção em quando fui apresentado e na aula em que assisti logo em seguida.
A única coisa em que conseguia pensar era em Cisne e na forma como ele dançava.
Naquele dia cheguei em casa e já passava das sete.
Ikki fez cara de poucos amigos quando me viu e resmungou algo com a palavra fome no meio. Larguei minhas coisas no sofá, rapidamente, sabendo o quanto ele ficava mal-humorado quando estava com fome e fui preparar o jantar, tentando apagar da minha mente a imagem do bailarino mais perfeito que já havia visto.
Senti minhas bochechas queimarem, as mãos apoiadas no balcão enquanto lembrava de cada passo dele. Não tinha idéia do que estava acontecendo, ou até tivesse, mas era melhor pensar que não.
A verdade é que até aquele momento ninguém havia mexido comigo dessa forma, muito menos um garoto. Eu já havia sido questionado algumas vezes e ouvido insinuações por nunca ter aparecido com uma garota, mas a idéia de ser gay não havia realmente passado pela minha cabeça.
Ikki parecia incomodado com isso muito mais do que eu e sempre me apresentava algumas amigas na esperança de que eu arranjasse uma namorada. Mas nos últimos meses ele havia desistido disso, dizendo em tom de brincadeira que eu devia ser assexuado, mas que uma hora iria me interessar pela mulher ideal, já que eu era excessivamente meloso e sentimental e que por isso só deixaria que as coisas fluíssem com alguém quando achasse que era a pessoa certa.
Eu concordava com ele.
Acabei chegando a conclusão que apenas tinha me deixado impressionar pelo Cisne. Não era como se eu estivesse apaixonado por ele. Quem é que se apaixonava sem nem ao menos trocar uma palavra sequer? Eu nem ao menos sabia o nome dele. A culpa devia ser do balé. Ele dançava bem e eu me vi envolvido na dança dele. Até emocionado com a forma como ele fazia aquilo com tanta perfeição.
- Shun! O que diabos você está fazendo? – ouvi a voz de Ikki me chamar claramente irritado e só então notei que ele estava na cozinha.
- Hm... nada.
- É, nada! Você está há um tempão ai e nada de jantar – resmungou, a mão na barriga indicando o quanto estava com fome.
- Ah, desculpa, Ikki, é que eu...
- Na lua como sempre – Ikki me interrompeu irritado. – Deixa que eu faço a comida.
- Mas, nii-san, você nem sabe cozinhar – disse com um muxoxo, me preocupando com a possível bagunça que ele podia fazer ali.
- Mas sei preparar um sanduíche – ele resmungou em um tom baixo e encerrando o assunto. – Você vai querer um também?
- Sim – aprendi há muito tempo que quando Ikki está com fome é melhor não contrariar ele. – Você quer que eu te ajude?
- Não. Vai tomar um banho enquanto eu termino aqui.
- Certo! – sorri e sai da cozinha ainda meio temeroso em deixar Ikki sozinho ali.
Mas eu precisava mesmo de um banho para ver se parava de pensar sobre Cisne e sua dança.
Ikki me questionou no nosso singelo jantar o porquê de estar tão mais distraído do que o normal e até chegou a perguntar se eu estava com algum problema no Centro Cultural, mas eu desconversei dizendo que estava apenas cansado.
Terminei de comer e disse a ele que já iria dormir por que precisa acordar muito cedo amanhã para ir ao trabalho.
Ikki não disse mais nada há não ser um 'boa noite' e assim que coloquei a cabeça no travesseiro adormeci quase no mesmo instante talvez incentivado a sonhar com Cisne.
No dia seguinte sai o mais cedo que podia do trabalho só para ir ao Centro Cultural e saber os horários do grupo de balé. Eu precisava vê-lo dançando novamente, mas desconhecia o motivo dessa necessidade.
Perguntei na recepção onde ficava a sala de balé, a que horas tinham aulas e se era permitido assistir. Mas foi com desanimo que recebi a notícia de que só haveria aulas depois da cinco da tarde naquele dia, mas como seria no palco de apresentações qualquer aluno podia ver.
Como não tinha aula de pintura, mas sabendo que o grupo de teatro estava ensaiando no palco, resolvi ir para lá esperando até a hora que o grupo de balé começasse a ensaiar.
June nem sequer me viu quando cheguei lá, concentrada nos exercícios de interação e confiança com os outros alunos. Ela só percebeu que eu estava na quase vazia platéia quando o professor resolveu dar um intervalo rápido antes de começarem a ensaiar a peça que seria apresentada no mês que vem no festival cultural.
Vi a loira descer do palco sorrindo e vindo até mim com um sorriso bem mais animado do que costumava dar. Ela se sentou na poltrona ao lado da minha, afastando a franja da testa.
- Então, decidiu participar do grupo de teatro?
- Não – neguei sorrindo. – Estava sem fazer nada e decidi vir aqui ver o ensaio.
- É uma pena que não vá participar – ela disse meio desanimada. – Afrodite gostou mesmo de você. E ele está louco atrás de alguém para substituir um aluno que teve que sair semana passada.
- Eu não levo o menor jeito pra isso – respondi e ela negou com um aceno voltando a sorrir, mas não disse mais nada.
Logo ela teve que voltar para a aula e eu continuei ali não vendo a hora do grupo de balé finalmente começar a ensaiar. Mas as horas pareciam se arrastar e eu já não agüentava de ansiedade.
Quando a aula de teatro finalmente encerrou, eu já podia sentir o agora familiar frio no estômago e quase não podia conter a vontade de sorrir em expectativa.
June passou por mim apressada e se despediu dizendo que precisava ir para a aula de música. Depois disso não demorou muito para que o ensaio finalmente começasse após um rápido aquecimento.
Assim que Cisne entrou no palco apenas para se aquecer, eu senti como se diversas borboletas começassem a voar dentro do meu estômago e eu sabia que aquilo já não tinha mais nada haver com a dança dele.
Por um instante eu quis sair dali e afogar aquelas sensações, mas a vontade de permanecer e vê-lo dançar mais uma vez me prendia no mesmo local.
E quando ele apareceu dançando, pouco depois do Ato I do Balé do Quebra Nozes ter começado, meus olhos já estavam presos mais uma vez em todos os seus movimentos.
Me deixei levar pela forma como ele dançava, sorvendo cada detalhe, me emocionando novamente com o jeito com que ele parecia colocar sua vida em cada gesto.
E sem saber explicar o porquê, senti um vazio quando o ensaio terminou, depois de mais de duas horas, junto com uma aflição me avisando que eu precisava muito mais do que aquilo.
Sem pensar, em um ímpeto que me deixava atordoado, levantei e fui até o lugar que tinha o visto entrar atrás do palco, assim como quase todos os bailarinos. Boa parte dos alunos estava saindo por ali junto com suas bolsas ou mochilas.
Entrei nos bastidores do palco sem ter idéia do que faria, apenas buscando com os olhos o bailarino loiro. E o vi próximo a um espelho, sua mochila em cima de uma cadeira e ele guardando as sapatilhas dentro.
Me aproximei com cautela, respirando fundo, deixando minhas pernas me levarem até ele mesmo sem saber o que diria.
O loiro nem me notou ao seu lado, muito mais preocupado em colocar todos os seus pertences na mochila; e quando cheguei a abrir a boca para falar a primeira coisa que me viesse a mente, ele virou o rosto me fitando durante alguns instante, arqueando uma sobrancelha, me questionando a razão de estar ali, mudamente.
- E-eu... – comecei sem ter idéia do que estava tentando balbuciar, só assimilando os olhos dele presos aos meus e minhas bochechas queimando como o inferno. – V-você... dança muito bem – sussurrei em um fôlego só e por um instante tive a impressão de ver um ínfimo sorriso nos lábios dele.
- Eu sei – ele respondeu, fechando a mochila e colocando-a nas costas, mas ao invés de ir embora como eu esperava, ele cruzou os braços voltando a me fitar como se esperasse algo.
Morrendo de vergonha e provavelmente vermelho dos pés a cabeça, me preparei para sair dali pensando em nunca mais aparecer no Centro Cultural. Mas antes que eu ordenasse ao meu cérebro que fizesse meu corpo girar e dar o fora dali o mais rápido possível sem parecer ainda mais patético, ele se aproximou me fazendo prender a respiração.
O loiro deu apenas dois passos para frente e eu instintivamente recuei, mas ainda foi possível ele se aproximar, deixando os lábios quase roçando próximos a minha orelha.
- Venha me ver dançar mais vezes.
E sem que eu percebesse, ainda tentando entender o que tinha escutado, ele se afastou me deixando ali apenas com mais dois ou três bailarinos.
Soltei a respiração, as mãos geladas e com borboletas remexendo-se incomodamente no meu estômago.
Mesmo assim eu sabia que não controlaria a vontade de voltar para vê-lo novamente.
N.A: Eu poderia terminar aí...
Se puderem, deixem reviews, hai?
