Hermione sentava-se naquela biblioteca ao menos três vezes na semana. A paz de espírito que aquele lugar lhe transmitia era sobrenatural, talvez épica: qualquer fosse o problema que explodisse sua mente, em qualquer momento, a atmosfera, o cheiro, o gosto pela leitura, todos estes fatores abrandavam os sentimentos ruins que tomavam conta da garota. Ela só precisava afastar-se por algumas horas, mesmo que despercebida; ao voltar, parecia outra pessoa.

As suspeitas de Harry e Rony variavam entre a enfermaria e alguma poção calmante preparada por ela mesma; não era possível que, por mais que irritassem a garota (por acidente ou de propósito), ela conseguisse abstrair daquilo em menos de duas horas. Contudo, era suspeita infundada. Preocupados, perguntaram somente nas primeiras vezes, não obtendo qualquer tipo de resposta; por fim, desistiram.

Na maioria das vezes, ainda, quando estava fugindo dos dois, era pega de surpresa por Draco Malfoy, o qual soltava uma chuva de insultos, como sempre. No começo, Hermione dignava-se a responder; porém, depois de certo tempo, ela pensou ser atitude muito mais digna fingir que a presença do garoto era a mesma da parede atrás dos dois, antes que ela o ignorasse por completo e continuasse os passos rápidos em direção à biblioteca, intrigando o loiro de uma maneira sutil.

Hermione cumprimentava a bibliotecária e deslocava-se cada dia para uma sessão. O conhecimento era sua principal arma, e ela nunca estaria desarmada frente ao inimigo. O medo de Você-Sabe-Quem a consumia por dentro, mas ela não poderia parecer fraca na frente dos amigos que confiavam tanto nela. Depois do fiasco que havia sido a ida ao Ministério da Magia, da morte de Sirius e das descobertas de Harry sobre o passado (inclusive de sua explosão com Dumbledore), tudo o que o garoto lhe contava rendia uma passagem de ida à biblioteca.

Ela pesquisava de tudo: desde feitiços úteis em batalha e para esconderijos até poções transformadoras, da história do Beco Diagonal à do Gringotes, da árvore genealógica das famílias sangue-puro que poderiam ter algum contato com o Lorde até os locais mais conhecidos das últimas Guerras Bruxas. Qualquer coisa merecia sua leitura, por mais cansada que estivesse. Vez ou outra levava os livros à Sala Precisa para praticar os feitiços.

Naquele dia, Hermione despistara Harry e Ron com a desculpa de que estava com cólicas e precisava de Madame Pomfrey – uma coisa que, aprendera ela, eles nunca contestariam ou procurariam saber mais a fundo. Andou devagar pelos jardins por alguns minutos antes de rumar ao Corujal para mandar notícias a seus pais. Adiou até quando conseguiu a ida à biblioteca, sem sucesso, contudo. Enfiou a varinha no cós da calça jeans, amarrou os cabelos num elástico, mantendo os fios fora do rosto, colocou a mochila nas costas e rumou para o lugar que mais amava na escola. No meio do caminho, pensou ter visto a cabeleira platinada de Malfoy ao utilizar sua visão panorâmica, mas, após verificar, não encontrou ninguém.

– Boa tarde, Madame Pince. – Cumprimentou Hermione ao chegar à biblioteca.

– Boa tarde, querida! – A bibliotecária aprendera a ser gentil com a garota depois de tanto tempo juntas. – Vai precisar entrar na seção reservada hoje?

– Hoje, não, senhora. Obrigada. Pode me dizer que horas são?

– São exatamente três da tarde. Quer que eu avise a hora que precisar ir embora?

– Não será necessário. Acho que hoje não demorarei muito. Obrigada – respondeu a garota sorrindo.

Hermione encaminhou-se para a seção de feitiços, procurando por um autor específico – o inventor da penseira. Pegou o livro, dirigiu-se a uma mesa reservada e pôs-se a ler e fazer anotações – uma mania que adquirira recentemente. Um pensamento nunca deve ser desperdiçado, pensava ela.

A leitura e as anotações, contudo, demoraram mais que ela esperava. Ao olhar pela janela novamente, assustou-se ao perceber que os archotes estavam acesos com fogo tremulante e a lua já se encontrava alta na penumbra da noite de abril. A luz da lua que atravessava a janela junto ao vento era adorável, e Hermione amou ainda mais aquele castelo. Sua casa. Aquela era sua casa. Uma lágrima escapou de seu olho esquerdo ao pensar que, provavelmente, daqui a alguns meses ela teria que deixar a escola, talvez para sempre.

Aquilo não era justo! Ela não conseguia entender. Desde que entrara naquele mundo, o mundo da magia, ela não tivera um ano de sossego, um ano de paz. Ela não culpava os amigos; pelo contrário, ela acreditava que aquilo tinha sido um baita golpe do destino. Era grata pelas coisas boas, mas como qualquer jovem adulta, Hermione não acreditava ser justo todo o sofrimento pelo qual passavam.

Seus pensamentos foram interrompidos pelo som de um tropeço. Hermione limpou os olhos com rapidez e sacudiu a cabeça, procurando ávida por quem estivera por perto. Aparentemente, ninguém. Ela levantou, pegando os livros, os pergaminhos e o tinteiro consigo, e os colocou na mochila; fechou a janela e dirigiu-se ao livro que Madame Pince pedia para os alunos anotarem os livros que levavam da biblioteca, escrevendo o nome dos mesmos.

O peso que levava nas costas foi determinante para que Hermione andasse devagar na volta para seu dormitório...Era quase como se ela se arrastasse. Ela sorria enquanto pensava em quantos feitiços havia aprendido somente nos últimos dias, quando a alça de sua mochila arrebentou – levando tudo o que tinha dentro dela ao chão. Seu humor não se abalou. Ela abaixou, consertou a mochila, recolocou dentro dela os objetos que estavam ao seu alcance e caminhou cantarolando até o Grande Salão. Estava com uma fome do cão por estar há quase seis horas sem comer.

– Por onde andou, Mione? – Harry perguntou assim que a garota se sentou.

– Estava dormindo – mentiu ela. – Madame Pomfrey me deu uma poção para dor, mas acho que passou da quantidade. Acabei de acordar – e deu um falso bocejo.

Rony deu de ombros e Harry fez o mesmo enquanto ela dava colheradas em sua sopa de abóbora. Harry deu sinal para que ambos abaixassem e disse, num sussurro:

– Dumbledore quer me ver hoje de novo em sua sala. Acho que conseguiu outra lembrança de Vold-

– Você-Sabe-Quem, Harry! – Repreendeu Rony. Hermione revirou os olhos.

– Tanto faz. Vocês vão esperar?

– Claro – disseram ambos ao mesmo tempo.

– O.K. Vejo vocês em algumas horas. – E saiu do Salão, sempre sob olhares curiosos.

– Acho que vou me deitar enquanto isso. – Disse Hermione num rompante. Lilá Brown se aproximava e ela não queria ficar para ver o resto da cena. Sem esperar resposta de Rony, correu para fora do Salão em direção aos jardins.

Hermione achou uma árvore frutífera à beira do lago, escorando-se nela para admirar a beleza do castelo de longe. Fechou os olhos para sentir a brisa noturna e deu um pequeno sorriso. Ao abrir os olhos, entrou em seu campo de visão, há um metro de distância, a última pessoa que ela esperava encontrar por ali.

Draco Malfoy estava com olheiras enormes e roxas. Foi a primeira coisa que notou. Apesar de estar um pouco quente, usava uma blusa preta de mangas compridas, uma calça preta e tênis pretos. Em suas mãos, havia alguns pedaços de pergaminhos. Hermione olhou em seus olhos – cinza líquido – e assustou-se com o que havia neles: nada.

– O que quer, Malfoy? – Perguntou incisiva. Ele deu um sorriso quase imperceptível de canto de boca.

– Devolver isso.

Ele estendeu os pergaminhos para ela, cujo queixo caiu um pouco e bochechas pegaram fogo.

– É.. Obrigada?

Malfoy acenou com a cabeça e virou as costas para ir embora, mas uma pergunta rodeou o cérebro de Hermione, que a colocou para fora.

– Espera! Onde achou minhas anotações?

– Na biblioteca – ele respondeu, já andando. Contudo, sua voz tremeu no final da frase.

Hermione ficou alguns minutos tentando assimilar a conversa pacífica antes de juntar tudo na mochila e rumar para a Sala Comunal. Chegando lá, deu de cara com Harry e Rony ao lado da lareira, os quais pareciam esperá-la; ela se esquecera completamente que o moreno se encontraria com Dumbledore para ver mais uma lembrança na penseira.

– E então ele matou a senhora só para pegar a taça...

– Sabemos que não foi a primeira nem a última vez...

– Vou dormir – disse Hermione num rompante, depois de vinte minutos escutando Harry contar a história toda. Os garotos a olharam. – Estou com dor de novo, mas não quero voltar à ala hospitalar. – Foi a péssima desculpa em que ela conseguiu pensar. – Boa noite.

Eles se entreolharam.

– Boa noite, Mione – responderam consternados.

A garota andou a passos largos até seu quarto, ao qual chegou dando graças pelas colegas que dormiam cedo. Murmurou um feitiço para que a ponta da varinha acendesse e caminhou na direção de sua cama quando, do nada, a alça da mochila estourou novamente, derrubando os livros e as anotações pelo quarto. Ela sentiu uma pontada no pé, mas murmurou um feitiço para que tudo se arrumasse em sua mesa de cabeceira. Olhou os papéis organizados e notou uma coisa estranha no que se encontrava no topo.

O pedaço de pergaminho estava preenchido com uma caligrafia diferente da sua. A anotação era rápida, porém elegante. A ponta das letras finais de cada palavra era floreada, e as iniciais eram desenhadas de uma maneira hipnotizante. Ou seja, aquele pergaminho cheio de anotações da aula de poções do dia não era seu, para o que só haveria uma explicação: o dono do papel era Draco Malfoy. Tal constatação levou a outro questionamento.

Como faria para devolver aquilo?