CAPÍTULO 1 - O Castelo de Frankenstein

O castelo de Frankenstein. Era assim que os moradores de Denton chamavam a estranha construção, sombria e misteriosa, que surgira de repente em um desvio pouco percorrido da estrada principal. Ao menos era assim que o chamavam em pensamento, pois raramente o castelo era citado nas rodas de conversa, nas reuniões de família, nos encontros estudantis ou na missa dominical. Era como se a cidade toda soubesse de sua existência, mas parecesse fingir que não, e, talvez por isso, ninguém nunca se questionava sobre como e quando o castelo ali surgira, quem ali morava, de onde nascera esse nome e o que acontecia nas profundezas daquele terreno. A sensação era de que os habitantes de Denton eram submetidos a uma espécie de hipnose, que lhes alienava a mente e protegia os segredos do castelo.

Ninguém sabia, portanto, que o Castelo de Frankenstein existia há muito mais tempo do que poderiam imaginar. A construção ocupava o terreno desde muito antes do surgimento de Denton, e era habitada por estranhas criaturas, seres de outro planeta que ali se instalaram com o objetivo de estudar a espécie humana através de uma pesquisa; tal estudo consistia em observar os comportamentos sexuais humanos e como a sexualidade tinha influência sobre suas vidas e comunidades. O interesse surgira pelo fato de que os habitantes do planeta Transexual, localizado na galáxia Transylvânia, não conseguiam compreender o pudor e as limitações sexuais que assolavam o homo sapiens, uma vez que a espécie homo transpiens já havia há milhões de anos superado tais questões. Assim, por anos a fio, Transylvânios se instalaram em diferentes países do planeta Terra para realizar essa pesquisa, reunindo-se anualmente para uma convenção no estabelecimento daquele cientista que mais se destacara nas pesquisas do período.

O Dr. Frank N. Furter era um desses cientistas Transylvânios e o responsável por habitar o Castelo de Frankenstein com seus fiéis servos, os irmãos Riff Raff e Magenta, desde que o Castelo aparecera, descendo do céu em uma noite muito fria de 1688. Frank, considerado um cientista renomado no local de onde viera, estudou arduamente o comportamento humano durante esses quase três séculos na Terra, percebendo uma série de bloqueios impostos pela sociedade que impediam os Homens de aproveitar suas vidas em plenitude. Ele via pessoas do mesmo gênero negando seus desejos e se enfiando em relacionamentos heterossexuais que não os satisfaziam completamente; via parentes que se amavam sendo incapazes de sentir atração um pelo outro devido aos tabus sociais; via casamentos monogâmicos que caiam no tédio e destruíam o amor do casal; via a hipocrisia do machismo, que permitia aos indivíduos do sexo masculino descobrirem sua sexualidade muito antes dos indivíduos do sexo feminino; via mulheres que passavam a vida inteira sem conhecer o real prazer, ainda que se deitassem com seus maridos todas as noites; via, aliás, pessoas presas a uma concepção limitada de gênero, que obrigava-as a se definirem de maneira binária entre ser homem ou mulher, levando em consideração unicamente sua genitália, e excluindo a possibilidade de fluidez de gênero ou a simples ausência deste. Embora o cientista pudesse enxergar ocasionais melhorias na questão sexual conforme a época, era fato que o assunto ainda era um grande tabu social e que o ser humano estava muito distante de atingir um grau evolutivo ao nível dos Transylvânios.

Frank estudou por todo esse tempo tais comportamentos de maneira discreta, entristecendo-se cada vez mais com toda aquela falta de liberdade, de felicidade, e, com o passar dos anos, em sua mente foi surgindo uma semente de ideia, brotando veloz e ininterrupta. Foi assim que um belo dia, levantando-se de sua cama pela manhã, o Doutor resolveu que estudar à distância já não o satisfazia mais, tanto pessoal quanto profissionalmente, e decidiu que sairia para a cidade de Denton em busca de interação com seres humanos. Frank acreditava que poderia contribuir positivamente para a melhoria da qualidade de vida dos Homens, pois registrar dados sem ter o poder de interferir no comportamento de seus objetos de estudo não seria capaz de trazer nada de bom à humanidade.

Riff Raff e Magenta saiam com uma certa frequência para a cidade com o intuito de comprar suprimentos para o Castelo. Devido à sua aparência um tanto destoante da aparência da maioria dos humanos, usavam disfarces que chamavam pouco a atenção, indo ao mercado com uma pick up grande o bastante para colocar quase qualquer coisa de que eventualmente precisassem. No dia em que Frank decidira sair em sua aventura, portanto, pegou a pick up e vestiu uma das roupas mais discretas que encontrou: uma camisa social branca e um calça preta em conjunto com um par de sapatos marrons. Antes de dar partida no veículo, o Doutor observou-se por alguns segundos no espelho do carro e suspirou em tristeza: os cabelos penteados para trás e domados pelo gel, o rosto límpido sem o glamour de sua maquiagem, o pescoço sem acessórios, a roupa séria e sem vida; nada disso o representava. Tudo disso representava o cinza que era a vida do ser humano, sem cor, sem graça, sem nada. Embora já tivesse se vestido de tal forma em ocasionais situações em que realizara seu estudo em campo, parecia que aquela era a primeira vez que ele se sentia na pele deprimente e limitada de um humano, talvez porque, dessa vez, não teria que apenas se parecer fisicamente com um, mas também agir como um. Mas Frank sacudiu o rosto e desviou o olhar do espelho, pensando com dedicação em sua causa. O sentimento lhe impulsionou ainda mais a botar a ideia em prática, portanto Frank ligou o motor do enorme carro e saiu do Castelo de Frankenstein em busca de uma isca.