Resumo: Anos após a batalha de Hades, Kiki finalmente conquista a armadura de Áries, com muito treino. Entretanto, apesar de ter conseguido alcançar o nível de um cavaleiro de ouro, ele ainda sente a falta de Mu.

Notas: Saint Seiya é de autoria de Masami Kurumada. Este é um texto sem fins lucrativos.


A armadura incompleta


No chão, contemplava a armadura de Áries. Depois do restauro, tinha exatamente o mesmo brilho que costumava ter, anos atrás. Enfim, adquirira técnica suficiente para restaurá-la à perfeição. Na escuridão das Doze Casas, podia ver o brilho dourado que refletia não sabia que luz; tal como a Lua, espelho do Sol.

A figura do carneiro sobre o pedestal era altiva na sua forma estatuária, era uma existência acima das outras, era a proteção dos cavaleiros de elite no Santuário. Os chifres, volumosos e curvos, acabavam nas pontas voltadas para cima, ocultas ao olhar de Kiki.

Com o brilho da armadura, sentia-se mais sombrio. Apoiava os calos das mãos sobre as pernas cruzadas, curvava a coluna como se preparasse para abaixar a cabeça em sinal de reverência.

Era o dono da armadura. Era o mestre daquela proteção sagrada, um dos famosos cavaleiros de ouro, os guerreiros mais poderosos do Santuário de Athena. Ganhara-a naquele mesmo dia, em encontro solene, com pessoas importantes e a própria deusa. Agora, no templo de Áries, sentado no piso, observava a carapaça.


Vazia.

Aleijada.

Órfã.


'Que figura triste', pensava. A armadura de Áries era mesmo bela. Não era chamada de sagrada à toa. Mas é que existia uma tristeza nela perceptível apenas para Kiki. Aproximou-se um pouco, sentando mais à frente, e endireitou a coluna. Tocou na pata dourada sem pé. Era fria, ainda que brilhasse. A Lua também era incapaz de aquecer alguém, apesar de refletir o Sol.

Queria sonhar. Imaginaria a armadura de Áries não na forma animal, mas na humana. Ela estaria banhada de luz e de cosmos, de força e de sabedoria, imponente e colada ao corpo do cavaleiro de ouro Mu de Áries. Sonharia com ela completa, radiante, ofuscante. Na época, ele seria apenas uma criança, e precisaria olhar lá para cima a fim de contemplá-la.

Demorou muito para Kiki restaurá-la até que recuperasse a beleza de antes. Não duvidava da perfeição de sua técnica e dos calos das mãos. Tinha conseguido o melhor resultado possível. É só que a armadura estava incompleta. Faltava a parte de dentro.

Diziam que, quando se perdia um membro do corpo, era incômodo ver outra pessoa ocupar o espaço vago. Era o seu espaço de direito, como o templo de Áries.

Não queria vesti-la. Levantou-se, apoiou a mão na cabeça do carneiro, acariciando-a. Pobre armadura. Não estava completa. Podia ver agora as pontas dos chifres à mesma altura dos olhos. Estava tão próximo que detectava pequenos detalhes dela, antes invisíveis à distância. Pobre armadura...

"Está se sentindo sozinha, não é? Não consegue brilhar como deveria... Eu sei como é... Eu sei."

A lágrima rolou até pingar do rosto. Não podia vesti-la. Vinha treinando duro nos últimos anos, aperfeiçoando suas técnicas de luta, suas técnicas de restauro e seu cosmos. Era com certeza tão poderoso quanto ele. E, no entanto, não podia vesti-la. Sentia que não era seu direito.

Ele era um cavaleiro sem vestir a armadura. Ela era uma armadura sem cobrir um mestre. Mas... Mesmo que a vestisse, não se completariam.

Porque Mu de Áries não estava mais ali.