10 de setembro de 1980 – Bristol

Não sabemos quando vamos morrer, a única coisa que sabemos é que um dia iremos morrer, mas quando esse dia vai chegar? Isso ninguém sabe, a não serem aqueles que já estejam sabendo, por terem uma doença e derivados. Mas enquanto isso devemos apenas viver, é o mais importante, embora nos últimos tempos viver um dia após o outro seria tão complicado quando a guerra que seguia.

Um pensamento passa pela cabeça de Sturgis Podmore enquanto ele se encolhe na escuridão bolorenta, o terror sufocando o peito e a dor latejante nos joelhos: se ele tivesse um segundo par de mãos, poderia encontrar a varinha mais rápido. Infelizmente, as únicas mãos que Sturgis possui estão ocupadas no momento, procurando a varinha. Então vem o silêncio, interrompido por um som abafado de botas sobre o assoalho de madeira e uma enxurrada de sussurros raivosos.

Sturgis Podmore tosse outra vez, silenciosamente. Não tem como evitar. Ele luta contra esse maldito resfriado tem alguns dias, uma dor alucinante nas juntas e nas maçãs do rosto do qual não consegue se livrar. Uma coisa que sempre acontece no outono, quando os dias no Reino Unido começam a ficar mais úmidos e sombrios. A umidade penetra os ossos, consome a energia dele e dificulta a respiração. E agora ele sente uma rajada de calafrios ao tossir. Curvando-se com mais uma saraivada de tosses ritmadas típicas dos asmáticos, ele tateia os bolsos da calça e do casaco buscando a varinha, praguejando por ser tão tapado ao ponto de não achar a única arma que levava consigo. Sturgis tosse mais uma vez naquela noite, e vê pequenos feixes de luz a cada tossida, como se fossem fogos de artifícios cruzando as pupilas cegas.

O surto de tosse passa.

Momento depois, mais uma série de passos irregulares interrompe o silêncio do lado de dentro do cômodo. Um calafrio percorre a espinha de Sturgis. Mais um surto de tosse faz o rapaz se curvar. Ele o segura. Engole em seco como se a garganta inflamada estivesse cheia de cacos de vidro. Tateia os bolsos mais uma vez até se lembrar de que havia guardado a varinha na mochila que levava. Sturgis revira a mochila e retira a varinha. O rapaz respira fundo.

Faz seis meses desde que Sturgis Podmore entrou na Ordem da Fênix e esta é a sua quarta missão. Segundo uma das fontes de Mundugus Fletcher, aquela velha casa abandonada no subúrbio trouxa era palco de torturas tanto contra trouxas e bruxos, que não se deixaram seduzir para o lado do Lorde das Trevas.

Dumbledore, em geral, dividia os bruxos da Ordem em duplas para missões, mas como estava na época da lua cheia, Remus Lupin desfalcaria a organização por alguns dias, fazendo com que a dupla de Sturgis, Arthur Weasley, fosse designada a uma missão com Marlene McKinnon no leste do país.

Sturgis sobrara.

A missão para o qual foi designado é conferir se a fonte de Mundungus está certa. Somente isso. Ele só deveria olhar e confirmar, para que depois voltasse com algum parceiro, se fosse necessário. Sturgis garantiu a Dumbledore que não se arriscaria, que não tomaria nenhuma atitude, ao menos que as coisas ficassem feias. Para falar a verdade, Dumbledore não queria que o rapaz, nas atuais condições de sua saúde, fosse, porém com a falta de pessoal o designou. Sturgis Podmore é do tipo que consegue entrar num lugar sem ser visto ou ouvido. Pois veja bem, graças ao seu talento havia conseguido entrar e ir até o segundo andar da casa sem fazer o mínimo de barulho. Se pedissem para Sturgis Podmore explicar como faz isso, provavelmente voltaria no tempo das férias de verão da escola e mostraria como fazia na época do inicio do namoro com Síntique Dearborn, onde entrava escondido no quarto dela pela noite, uma vez que Caradoc, o irmão mais velho da moça, não facilitava muito a vida do casal.

O rapaz fecha os olhos e por um segundo a imagem de Síntique invade seus pensamentos. Ele balança a cabeça e volta a ouvir passos no cômodo de cima da casa.

O silêncio volta a tomar conta do ambiente.

Com os olhos acostumados a escuridão, Sturgis vê um brilho de sangue arterial espesso passando por debaixo da porta. Parece óleo de carro. Essa deveria ser a hora que Sturgis se vira e vai embora, em busca de ajuda, mas o corpo não segue o comando do cérebro. Ele simplesmente não pode ir embora, sabendo que alguém ali dentro está correndo perigo. Antes que pudesse se dar conta, Sturgis gira a maçaneta de bronze, abre a porta do cômodo e estanca.

O cômodo, que antes deveria ser um quarto, é grande e amplo. Os móveis costumeiros foram empurrados bruscamente em direção às paredes. Sturgis fixa o olhar, tosse e depois volta a fixar o olhar. Três corpos estão espalhados em postas de sangue. Mal dá pra perceber o sexo e idade com todas as carnes molhadas de sangue, as peles manchadas e esmaecidas e os crânios abertos. Um deles, com a cabeça partida virada para baixo, continua a bombear o líquido escuro e viscoso sobre o chão com a força de um hidrante quebrado. Os outros dois ainda estão com as lâminas das machadinhas presas no peito, enfiadas até o cabo, como se fossem bandeiras de exploradores triunfantemente fincadas em montanhas inatingíveis. Ele sente o crânio latejar e olha para cima. O sangue está pingando do candelabro lá em cima e um pingo cai na ponta do nariz dele. A mão de Sturgis voa até a boca, como se pudesse impedir a bile subir pela garganta.

– Ora, ora, se não é Sturgis Podmore. Um dos homens de Dumbledore. – MacNair, um dos mais perigosos comensais, está perto da grande janela, limpando a lâmina do machado nas calças jeans. Os cabelos negros estão puxados para trás em um rabo de cavalo. Ele sai das sombras, os olhos negros encarando Sturgis com intensidade.

Instintivamente Sturgis aperta a varinha entre os dedos. Petrificado perto da porta, com o sangue entrando por baixo da sola dos sapatos, Sturgis segura a bile que insistia em subir pela garganta. Na cabeça dele os pensamentos estão rodando na sua mente, como um redemoinho: estava sozinho, na frente de um perigoso comensal, e sem nenhuma chance de receber ajuda. Por que diabos ele não foi embora quando tinha chance? Uma coisa que alivia Sturgis é que somente MacNair estava na casa. Ainda havia chance para vencê-lo.

– E vejo que não está acompanhado por algum amiguinho. Sabe..., a sua ousadia é bastante admirável, Podmore... Contudo... Tola. – MacNair agitou a varinha, mas Sturgis foi mais rápido. Rebateu seu feitiço com um simples e rápido aceno transversal. Ele não iria se entregar assim tão facilmente.

O rapaz recua, mantendo assim uma distância segura do seu alcance.

– Agradeço o seu elogio, mas não será útil por hoje. – diz Sturgis, numa voz grave, quase um sussurro.

Sem mais delongas ele começa a lançar feitiços da ponta da varinha. A maioria mudo, assim teria alguns segundos cruciais de vantagem. MacNair também lança feitiços e ele tenta se defender deles. Precisou apenas de alguns segundos para tudo mudar. O ar explode. Sturgis se sente voando através do ar, e tudo que pode fazer é segurar o mais firme possível aquele pedaço de madeira que é a sua única arma, e proteger a cabeça com os braços. Então o mundo se fechou em dor e semi escuridão. Ele está de volta ao primeiro andar e enterrado até a metade nos destroços do segundo andar da velha casa. O ar frio anuncia que parte do local tinha sido explodida, e algo quente e pegajoso em sua bochecha anuncia que está sangrando muito.

– Olhe bem, Podmore. Porque será a ultima coisa que verá nesta vida. – murmura MacNair numa voz rascante, com a varinha apontada diretamente para o homem.

Porém, MacNair não ia acabar com aquilo tão rápido e facilmente. Ele é um torturador. Ele fará de tudo para tornar os últimos momentos da vida de Sturgis Podmore um inferno antes que ele implore pela morte. O comensal ergue a varinha e antes Sturgis possa fazer alguma coisa para se defender, antes que possa sequer se mexer, ele é atingido por uma dor tão intensa, e tão devoradora, que já nem sabia onde estava... Facas em brasa perfuravam cada centímetro da sua pele, cabeça, sem dúvida alguma, ia explodir de dor.

Dois pensamentos passam pela cabeça de Sturgis Podmore antes que ele ouça um estampido abafado e desmaie pela dor causada pelo resfriado e pela maldição: O primeiro pensamento é que não verá o Chuddley Canoas ser campeão do campeonato de Quadribol. Já o segundo, e com certeza o mais doloroso, é que ele não voltará a ver Síntique Dearborn e nem terá a chance de pedir desculpas a ela por ter partido o seu coração.