Os personagens de Saint Seiya pertencem ao tio Kurumada e é ele quem enche os bolsinhos. Todos os outros personagens são criações minhas, eu não ganho nenhum centavo com eles, mas morro de ciúmes

SOBRADO AZUL

Chiisana Hana

Capítulo I

– Ikkiiiiiiiiii! Acorda! – Shun grita descontroladamente enquanto sacode o irmão mais velho, que ainda dorme. – Está quase na hora da minha aula! Faltam só vinte minutos!

– Hummm... você quer dizer que ainda faltam vinte minutos... – resmunga o irmão mais velho, sem sequer abrir os olhos. – Está tudo sob controle...

– Sob controle? Eu vou chegar atrasado ao meu primeiro dia de aula na universidade!

– Talvez chegue mesmo – adverte o mais velho, esfregando os olhos. – É melhor se acostumar porque se quiser continuar indo de carona comigo, todos os dias vão ser assim.

O irmão mais novo faz uma careta de insatisfação enquanto o mais velho começa a se espreguiçar devagar, sem nenhuma pressa. Aos dezoito anos de idade, o garoto acaba de ser aprovado no vestibular para o curso de Psicologia. Ikki, o mais velho, completou vinte anos e está cursando o terceiro ano de Engenharia Civil e já não aguenta mais a universidade. Sempre vai, mas prefere ficar em uma das lanchonetes do campus, jogando conversa fora ou paquerando as meninas, em vez de assistir as aulas.

– Eu vou chegar atrasado e a culpa é sua! – Shun continua reclamando.

– Deixa de ser chato, Shun! Hoje é o primeiro dia de aula. Ninguém liga para nada nesse dia! O pessoal vai só pra se conhecer, sacou?

Depois de alguns minutos, Ikki finalmente sai da cama e se arrasta para o banheiro. Shun vai atrás dele, reclamando, até a porta ser fechada em sua cara. Quando Ikki finalmente fica pronto, encontra Shun esperando no andar de baixo, sentado no sofá, com cara de poucos amigos.

– Vamos lá, CDF? – Ikki chama, rindo.

Irritado, Shun o acompanha em silêncio, mas ao entrar no carro, ele não se contém.

– Eu vou chegar atrasado! – resmunga. – Estou profundamente arrependido de ter esperado pra ir com você. Devia ter ido mais cedo com o Shiryu, mas não, quis ir com meu amado irmão...

– Se reclamar mais um tantinho assim, eu faço você ir para a aula a pé!

– Ikkiiiiii! – retruca Shun, com uma expressão de ira na face e uma vontade de dizer os piores palavrões, embora seja algo que ele nunca faça. – Por que você tem que ser tão irresponsável?

– Como é que é? Irresponsável? – Ikki dá uma gargalhada para irritar Shun ainda mais. Depois liga o carro e sai cantando pneu. – O que foi? Não tenho medo de cara feia, não.

Os dois irmãos Amamiya moram juntos na casa herdada da mãe, morta em um acidente quando Shun ainda era um bebê. Não conheciam o pai, nem tinham outros parentes, por isso viveram em um orfanato até Ikki atingir a maioridade. Quando aconteceu, finalmente puderam mudar para o confortável sobrado azul, localizado em um bairro tranquilo de Tóquio, bem em frente a uma agradável pracinha.

Pouco depois, Hyoga e Shiryu, dois companheiros de orfanato passaram a morar com eles por não terem para onde ir após saírem da instituição. Mais tarde, foi a vez do quinto colega, Seiya, juntar-se ao grupo. Desde então os cinco órfãos vivem juntos, dividindo as despesas, as alegrias e os problemas, formando a família que nenhum deles teve.

-S -A -

Ao chegar à universidade, Shun desce do carro correndo, sem sequer se despedir de Ikki.

– Falta só um minuto! Só um! – ele diz, olhando incrédulo para o relógio.

Na corrida desabalada até a sala, o garoto acaba por esbarrar numa moça, derrubando-a.

– Ah, me desculpe! Me desculpe! Eu não queria... – ele lamenta envergonhado, ajudando-a a recolher os cadernos que ficaram espalhados pelo chão.

– Está tudo bem – responde a mocinha, vestida em um conjunto de calça e blusa tipicamente chineses. Acabou de completar dezenove anos, mas é pequena e de compleição delicada, aparentando ser mais nova.

– Você se machucou? – ele pergunta, ajudando-a a se levantar.

– Não, estou bem – ela responde.

– Para onde está indo? – indaga, tentando analisar a expressão da moça. Acha que ela parece triste, mas que não podia ser somente por conta desse esbarrão.

– Vou para a aula do professor Mu – ela responde.

– Eu também! Que coincidência! Também passou em Psicologia?

– Sim...

– Então seremos colegas!

– Parece que sim – diz a moça, finalmente esboçando um sorriso tímido para o rapaz.

Ao contrário dos outros calouros, entusiasmados, sorridentes e barulhentos, ela vinha lutando para não chorar desde cedo. O dia já tinha começado ruim, agora esse esbarrão… Não achava que podia ser um bom sinal, apesar de o rapaz estar sendo gentil. Desde cedo, ela se questionava se devia mesmo estar ali, apesar de ter sido aprovada no vestibular em boa colocação. Não sabia se poderia continuar o curso, não sabia sequer se conseguiria continuar morando em Tóquio… Talvez tivesse de voltar para a China, de onde veio com o avô cerca de dois anos atrás.

Os dois seguem juntos para a sala de aula, conversando amenidades, e chegam com dez minutos de atraso. Por sorte, o professor ainda não tinha aparecido. Sentam-se na primeira fila, ela na primeira cadeira, Shun logo atrás.

– Esqueci de perguntar o seu nome – Shun diz, e ela se volta para trás.

– Shunrei – ela responde, usando a leitura japonesa dos kanjis do seu nome, já que a leitura chinesa é Chun-Li. – E o seu?

– Shun – ele abre um enorme sorriso, que ela corresponde com outro de seus sorrisos tímidos.

– Prazer em conhecê-lo, Shun.

– Igualmente!

Andando tranquilamente, o professor entra na sala e deposita alguns livros sobre a mesa.

– Bom dia, pessoal. Sejam bem-vindos à universidade! – ele diz e escreve o nome no quadro. – Meu nome é Mu. Vou fazer uma chamada rápida para conhecê-los, ok?

– Ele parece legal, não é? – Shun pergunta baixinho a Shunrei.

– Sim – ela responde. – Parece tranquilo. Acho que gostei dele.

– Eu também!

Enquanto o professor fala sobre o curso, ela pensa que talvez esbarrar nesse garoto não tenha sido um sinal ruim. Acha que ele parece uma boa pessoa, que talvez possam ser amigos… E seria seu primeiro amigo desde que chegou da China.

"Talvez as coisas comecem a melhorar", ela pensa sobre Shun, e abre o caderno.

-S -A -

Em outra parte do campus, Ikki entra na sala onde será sua aula, já planejando sair quando começar a ficar entediado, o que geralmente não demora a acontecer. Costuma assistir poucas aulas, mas sempre tira as melhores notas da turma. Ele dá uma conferida no pessoal, à procura de alguém novo e interessante, e logo avista uma aluna estrangeira, muito branca, de cabelos muito pretos, alta, seios fartos. Definitivamente um bom alvo para ele, que se aproxima usando seu melhor sorriso sedutor.

– Oi, caloura – ele cumprimenta. – Nunca a vi por aqui.

– Não sou caloura – ela responde seca e sem olhar para ele. – Estudava em outra universidade e pedi transferência para essa. Agora, dá licença, porque logo a aula vai começar.

– O que é isso? Quanta hostilidade. Só estou tentando receber bem os novatos.

– Eu não converso com estranhos – ela responde, e finalmente levanta o olhar. – Muito menos com estranhos de cabelo azul…

Além da tintura do cabelo, ela nota a grande cicatriz que ele tem na testa, oriunda de um acidente, embora todos suponham ter sido causada por alguma briga, tamanha a sua fama, injusta, de arruaceiro.

– Hum... isso é uma regra um tanto infantil, mas tudo bem, eu gostei de você. Como é o seu nome?

– Não interessa.

– Ah, qual é? Só me diz seu nome.

– Não digo meu nome para caras chatos – ela responde, e começa a se afastar de Ikki.

– Todas me acham chato no começo – ele diz, seguindo-a. – Depois é 'meu amor', 'meu bem', 'meu lindo', meu isso, meu aquilo... e eu nem sou delas!

A moça revira os olhos, incrédula diante do tamanho do convencimento do rapaz.

– Cada vez que você abre a boca – ela diz –, eu o acho ainda mais imbecil.

– Vamos ver até quando vai durar essa hostilidade – Ikki responde sorrindo.

Ele sabe que ela está se fazendo de difícil e acha até bom, vai apreciar vê-la ceder. É um cara bonito, inteligente, sexy e sua fama de bad boy aumenta consideravelmente seu charme. E gosta de ver como mexe com as mulheres. Sempre consegue namorar aquela que deseja, ainda que somente por breves períodos. Não consegue se manter muito tempo com ninguém porque a única que ele já amou está morta há muito tempo...

-S -A -

Mais adiante, em outra sala, Shiryu e Hyoga esperam a aula começar. Ambos estão cursando o segundo ano de Direito. Shiryu foi aprovado em primeiro lugar no concurso público para o Tribunal de Justiça, pouco depois de sair do orfanato. Também é o primeiro da turma, é o homem de frente nos trabalhos e, por isso mesmo, sempre sobra tudo para ele, que faz tudo sem reclamar. Foi deixado no orfanato recém-nascido e nada sabe sobre seus pais. Tem uma beleza exótica, traços delicados, olhos azulados levemente orientais e longos cabelos negros, quase tocando a cintura. Seu andar é altivo e elegante, consequência dos anos de prática de kung fu, e a fala é clara e eloquente, características que fazem com que ele pareça menos reservado do que realmente é.

Hyoga chegou ao orfanato aos cinco anos, quando perdeu a mãe no naufrágio do navio que os trazia da Rússia para o Japão. A mãe tinha dito que o estava levando para conhecer o pai, mas se havia alguma pista do nome ou endereço dele com Natássia tinha se perdido para sempre junto com ela. O garoto foi encaminhado a um orfanato e os responsáveis pela instituição tentaram encontrar o pai ou outro parente vivo, tarefa na qual nunca obtiveram sucesso e ele acabou ficando por lá durante a infância e a adolescência. Pouco antes de sair, começou a namorar Eiri, uma ex-interna como ele, que se tornou uma das monitoras do lugar. Já namoram há dois anos e ela tem sido o ponto de equilíbrio para ajudá-lo a superar a dolorosa perda da mãe, que ainda o afeta mesmo depois de tanto tempo.

– Eu devia ter estudado para o concurso tanto quanto você – Hyoga comenta, fazendo um bico de insatisfação. – Vacilei.

– Devia mesmo! – Shiryu concorda. – Eu disse para você se dedicar. Eu me matei de estudar, mas valeu a pena. O trabalho é bom, minha chefe gosta de mim. Além disso, eu não tinha escolha, né, Hyoga? Você tem a pensão de sua mãe, pode se manter junto com a bolsa do estágio... Eu não tenho nada, precisava me virar, e o trabalho de office boy já não estava bancando as minhas despesas. Espera, meu celular. – Ele diz ao sentir o aparelho vibrar e olha as mensagens. – Era o Seiya pedindo carona. Ah, esqueci de avisar vocês que hoje vou direto para o trabalho.

– Então vou ter que voltar com o Ikki... – lamenta-se Hyoga.

– Pois é... Minha chefe pediu pra eu chegar mais cedo hoje, então vou almoçar lá perto do fórum mesmo.

– Agora que você tem carro fica todo mundo atrás porque o Ikki é imprevisível... Aliás, você teve uma sorte, hein?

– E como! Nem acredito que ganhei o carro no sorteio do shopping! Quando telefonaram avisando, fiquei sem reação!

– Agora só falta você arrumar uma namorada. Quando vai desencalhar?

– Não me venha com essas histórias – Shiryu responde, corando levemente. – No momento, tenho outras prioridades na vida.

– Outras prioridades? Shiryu! Você já está com quase vinte anos e nunca namorou! As pessoas vão falar!

– Pouco me importa o que falam ou vão falar – ele retruca, um tanto irritado. É verdade que pensa no futuro, mas também acha que ainda não apareceu a garota certa e não tem pressa para encontrá-la.

– Certo, mas você está perdendo os melhores anos da sua vida nessa pilha de estudar e trabalhar que nem louco. Você precisa relaxar de vez em quando.

– Eu relaxo do meu jeito, você sabe.

– Meditação, Shiryu!? Estou falando de sair de casa com a gente, ir para um barzinho de vez em quando, para a balada, beijar umas meninas! Você nunca sai!

– Qualquer dia eu vou com vocês – promete, tentando encerrar o assunto.

– É, você sempre promete, mas na hora de ir acaba arranjando alguma desculpa para ficar em casa. Do que você tem medo, afinal?

Shiryu não sabe o que responder e nem precisa. Para sua sorte, o professor entra na sala, encerrando o assunto.

-S -A -

Em outra parte do campus, Seiya espera a namorada, com quem tinha marcado de se encontrar antes da aula. A moça é neta e única herdeira do falecido milionário Mitsumasa Kido, que também era o fundador do orfanato onde ele e os amigos cresceram. Na infância, ela costumava ir lá para brincar com os órfãos, uma experiência nem sempre amistosa, já que ela era uma garotinha bastante mimada. Com o tempo, acabou se afeiçoando a alguns e, anos mais tarde, descobriu-se apaixonada por um deles. Apesar dos protestos de seu mordomo e tutor, ela assumiu o namoro com o rapaz e, desafiando todas as probabilidades, estão juntos há anos.

– Saori, meu amoooor! – Seiya diz, abraçando-a. Acaba de ser aprovado no vestibular do curso de Ecoturismo, enquanto ela começa o curso de Medicina.– Você pode me dar carona na volta? Shiryu não vai poder hoje.

– Só veio atrás de mim para pedir carona? – ela pergunta, fingindo indignação.

– Não, amor! – ele exclama sorrindo. – Eu vim porque te amo muito!

– Sei... Eu dou carona pra você, amor. Agora vamos logo para as nossas salas porque já estamos atrasados.

– Não consigo achar a minha. Pode me ajudar?

– Querido, estou tão perdida quanto você – ela diz, tirando um aparelho da bolsa e apertando alguns botões. – Mas resolvo isso rapidinho.

– O que é isso? – ele pergunta coçando a cabeça.

– Um GPS – ela responde, afetando um ar de inteligente.

– Gê-pê-o-quê?

– GPS. Global Positioning System. Tem o mapa do campus, já vou saber para onde temos que ir.

– Gente rica arranja cada coisa... – ele diz, intrigado, coçando a cabeça.

Saori abre o mapa do campus e logo localiza as salas.

– Estamos bem perto da sua – ela diz e, de mãos dadas, os dois seguem até a sala de Seiya.

– Me dá um beijinho e entra logo! – ela ordena. – Já está atrasado pelo menos meia hora.

– Tá – ele concorda e a beija. – Te amo. Nos vemos no fim da aula?

– Sim. E eu também te amo. Agora vai!

Seiya entra na sala sorridente e despreocupado, como se estivesse chegando na hora certa, e cumprimenta a professora.

– Bom dia! – Seiya diz, e faz sinal de positivo para ela.

– Bom dia, senhor atrasado. Já começou mal, hein?

– Pô, desculpa aí, prof. Eu não estava conseguindo achar a sala.

Ele procura uma cadeira vazia e senta, apresentando-se aos colegas próximos, puxando assunto com eles.

– Senhor atrasado, será que pode ficar em silêncio durante a aula? – a professora censura.

– Desculpa de novo, profa. É que estou empolgado com esse negócio de universidade. É tudo tão novo e legal!

– Agradeço a empolgação, mas deixe para demonstrá-la no intervalo.

– Sim, senhora – ele diz, batendo continência de modo irônico.

-S -A -

Na hora do almoço, Hyoga, Ikki e Seiya reencontram-se no restaurante universitário. Os veteranos costumam almoçar lá antes de seguirem cada um para seu trabalho e, a partir desse ano, contarão com a companhia dos calouros, Seiya, Saori e Shun. Ikki estranha o fato de o irmão ainda não ter aparecido, mas acha que ele está com raiva por causa do atraso na chegada e não comenta nada.

– E então, como foi o primeiro dia de aula do calouro de Ecoturismo? – Hyoga pergunta a Seiya.

– Foi bom demais! Cheguei atrasado, mas tem uma professora que é muito gata. Você precisa ver!

– Aposto que chegou atrasado porque se perdeu procurando a sala – Ikki completa, certo de que a resposta será afirmativa.

– Pois é. Só consegui achar porque a Saori tem uma paradinha que localiza os lugares.

– Paradinha que localiza? – Hyoga questiona. – Seria um GPS?

– É, isso mesmo, Hyoga – Seiya confirma, empolgado. – Muito legal esse troço!

Quando eles já estão comendo, Shun finalmente aparece, acompanhado da mocinha em quem esbarrou mais cedo, a quem apresenta como sua "nova amiga".

Shunrei cumprimenta os rapazes com um tímido "olá". Pelo que Shun falou mais cedo, e ele falou bastante, ela deduz que o rapaz de cabelo azul é Ikki, o irmão mais velho, que o loiro é o russo e se chama Hyoga e que o terceiro só podia ser o Seiya, já que o outro, chamado Shiryu, tinha cabelos bem compridos e olhos claros.

– Cadê o Shiryu? – Shun pergunta, depois de sentar-se à mesa com Shunrei.

– Foi almoçar no trabalho hoje – Hyoga explica.

– Ah, que pena! – ele lamenta e se volta para Shunrei. – Você não vai conhecer o Shiryu hoje. Fica para amanhã. Você vai gostar dele. É um cara muito gente boa, muito equilibrado e tranquilo.

– Ah, sim – ela responde, sem muito interesse.

Depois de almoçar quase em silêncio, limitando-se a responder com monossílabos as poucas perguntas que os rapazes fizeram, ela se despede deles rapidamente e vai embora.

-S -A -

Alguns dias depois, na sexta-feira à noite, os rapazes estão prontos para sair, exceto Shiryu.

– Tem certeza de que não quer ir? – Seiya indaga, sorrindo para o amigo.

– Sim – Shiryu responde sentado à mesa, com vários livros abertos. – Tenho muita coisa para estudar. Divirtam-se.

– Ainda estamos na primeira semana de aula do semestre e você já vai estudar? – Seiya questiona, incrédulo.

– Claro! – ele responde como se fosse a coisa mais óbvia.

– Vamos lá, Shiryu! Você tem que sair de casa! – Shun tenta convencê-lo.

– Não adianta insistir, gente.

– Vamos embora logo que esse daí não tem jeito e a noite hoje promete! – Ikki chama.

– Ikki, não se esqueça de que você tem que me deixar na casa da June antes – Shun diz.

– Eita, que esse namoro está ficando sério! – debocha o mais velho.

– Meu namoro é sério! – Shun retruca, irritado. Já namora a garota há pouco mais de dois anos. – Mas hoje eu vou só passar lá rapidinho porque ela acabou de chegar da viagem, deve estar cansada.

– Rapidinho... Sei... – Ikki diz, com um sorrisinho malicioso na cara. – O nome é rapidinha, Shun! E vê se usa camisinha!

– Só vou revê-la e volto para casa cedo – Shun responde, corando violentamente. Não gostava de falar desses assuntos, ao contrário de Ikki. – Não precisa ir me buscar.

– Ótimo, porque eu não ia buscá-lo mesmo. Hoje eu vou me acabar na night! Quem vai comigo?

– Todo mundo, né? – Seiya responde. – Só você e Shiryu têm carro, e ele não vai sair e nem empresta o carro para ninguém.

– Ah, é verdade – Ikki diz. – Eu esqueço que vocês são todos uns ferrados!

Quando todos eles saem, Shiryu finalmente pode apreciar o silêncio. Gosta de ficar um pouco sozinho, coisa rara durante a semana, já que divide o quarto com Hyoga. Aproveita esta solidão desejada e prepara um lanche. Depois, volta a se dedicar aos estudos, porém logo é interrompido pela campainha. São quase dez da noite e ele estranha alguém aparecer tão tarde, mas vai atender.

– Pois não? – ele diz, olhando intrigado para a moça que está parada na porta.

– Boa noite. Eu me chamo Shunrei, sou amiga do Shun. Ele está? – a garota diz. Está visivelmente abalada e uma grande marca arroxeada na face esquerda dá a Shiryu uma pista da razão.

– Não, ele saiu, mas disse que voltará logo. Entre. Pode esperar por ele.

Shiryu fala com ela tentando ser discreto e não olhar muito para a marca, mas é inevitável.

– Obrigada, Shiryu – ela diz e entra na casa.

– Como sabe meu nome? – Shiryu pergunta, e indica o sofá, onde ela se senta. Ele senta numa poltrona de frente para ela.

– Shun me falou que morava com três amigos e o irmão. Eu conheço os outros, então você só pode ser o Shiryu.

– Ah, sim... Você é da turma do Shun?

– Sou sim. Ficamos amigos desde o primeiro dia de aula, quando nos esbarramos. Ele foi muito gentil comigo.

– Hum… sim. O Shun é assim... Desculpe a indiscrição, mas o que houve com seu rosto. Conheço esse tipo de machucado e parece uma marca muito recente.

– Ah, não foi nada... – ela responde, pouco convincente, cobrindo o machucado com uma mão. – Eu caí de cara no chão. Sou desajeitada mesmo. Não se preocupe.

– Acontece... – Shiryu responde.

Tem certeza de que ela está mentindo, mas acaba de conhecê-la, não pode esperar que lhe conte a verdade, o que quer que seja essa verdade. Pode ser que ela tenha apanhado do pai ou do namorado e será ainda mais constrangedor se ele insistir.

– Então, você quer ser psicóloga? – ele pergunta, tentando mudar o assunto e amenizar o clima.

– É... acho que levo jeito. Meu avô sempre dizia que eu tenho vocação para ouvir as pessoas.

– É uma profissão bonita, mas muito difícil. Exige muita dedicação.

– Eu sei... – Ela nota os livros sobre a mesa. – Bom, acho melhor ir embora. Estou incomodando. Você está com livros espalhados, provavelmente estava estudando.

– Não está incomodando, não – ele responde, sinceramente. – É um prazer conversar com você.

– Acho que devo mesmo ir embora... – ela diz, já se levantando do sofá.

– Bom, se você deseja... De qualquer forma, quando o Shun chegar, avisarei que você esteve aqui, certo?

– Obrigada – ela responde, tentando esboçar um sorriso.

Quando a garota se retira, Shiryu sente-se perturbado. Não consegue mais se concentrar nos estudos porque a imagem dela se repete em sua cabeça. Pensa em seu jeito, em sua voz, seu rosto delicado e ao mesmo tempo tão triste. É isso que ele vê nos olhos dela: tristeza. Uma dor profunda e inexplicável que transparece no rosto.

Meia hora depois, ainda sem conseguir estudar e sentindo-se um pouco sufocado, Shiryu fecha os livros e sai de casa. Acha que caminhar um pouco na praça pode ajudar a desanuviar a cabeça, mas assim que atravessa a rua ele vê Shunrei encolhida em um dos bancos, dormindo. Sem pensar em nada, ele a pega no colo cuidadosamente para que não acorde e, ao fazê-lo, sente o perfume dos cabelos dela. Um cheiro que ele jamais sentira na vida, mas que ao mesmo tempo parecia-lhe estranhamente familiar. Entra em casa com ela nos braços, sobe a escada e a coloca deitada em sua cama. Depois, puxa um banquinho, senta-se e fica a observá-la, mas rapidamente se envergonha por estar ali, olhando-a insistentemente, e vai para a sala. Ainda tenta voltar aos estudos, novamente sem sucesso, por isso apenas fica sentado no sofá, entregue ao turbilhão de pensamentos relacionados à moça no andar de cima.

Algum tempo depois, Ikki chega em casa fazendo estardalhaço, batendo a porta com força. Shiryu ainda está sentado no sofá, no escuro, pensando.

– Ikki! Shhhh! Vai acordar a menina – censura Shiryu.

– Menina? Você bebeu? Aqui moram cinco homens... a não ser... ah, safadinho, trouxe uma gata pra cá, hein? Finalmente! Pensei que você ia manter o celibato eternamente!

– Não é nada disso! É uma amiga do Shun.

– Do Shun? Ah, só pode ser a chinesa branquelinha... mas o que ela está fazendo aqui?

– É uma longa história. Mas vamos conversar em voz baixa, senão vamos acabar acordando-a.

– Hum... cheio de cuidados... ui, ui… – debocha Ikki, sentando-se no sofá. – E cadê o Shun? Ainda não voltou? Que rapidinha demorada! Me conta aí o que é que está pegando.

– Bom, a moça veio aqui atrás do Shun. Como ele demorou, ela ficou envergonhada e disse que ia embora. Então, depois eu me senti meio mal e fui lá fora. E a encontrei dormindo lá na praça.

– Dormindo na praça? Ela deve ser maluca.

– Ela não é maluca! – Shiryu a defende, num tom mais incisivo do que o pretendia.

– Como você sabe? Não a conhece!

– Para de falar assim dela, Ikki...

O rapaz de cabelos azuis ri.

– Shiryu, parece que você se encantou pela amiguinha do Shun.

– Não é isso... eu só quero ajudá-la... ela parece tão sofrida...

Shun acaba de entrar em casa e estranha encontrar os dois conversando baixinho na sala escura.

– Oi, pessoal – ele cumprimenta. – O que estão fazendo? Que caras são essas?

– A Shunrei está aqui – Ikki avisa, olhando para Shiryu com malícia.

– A Shunzinha! Cadê ela? – ele pergunta, surpreso com a presença da moça.

– Lá no meu quarto – Shiryu responde.

– No seu quarto? – pergunta Shun, ainda mais perplexo. – O que ela faz no seu quarto?

– Ela chegou aqui procurando por você. Como você não estava, ela foi embora. Só que quando eu fui lá fora, encontrei-a dormindo na praça – Shiryu começa a explicar, mas logo sai correndo atrás de Shun, que havia saído em disparada para o quarto.

Rindo, Ikki segue os dois. Quando Shun entra no quarto, Shunrei está acordada, tentando entender como foi parar ali.

– Shu... querida... o que houve? – ele pergunta, sentando-se na beirada da cama.

– Ah, Shun, eu não sei o que fazer... – ela murmura, aliviada ao ver o amigo.

– Quer me contar o que aconteceu?

– Eu fui despejada, Shun. Não tenho para onde ir, não tenho nenhum amigo além de você. Então resolvi vir pedir ajuda.

– Você fez muito bem. Pode ficar aqui conosco. Por que não contou nada pro Shiryu? Por que foi dormir na praça?

– Eu fiquei com vergonha... – ela diz, abaixando o olhar. – Foi ele que me trouxe pra cá?

– Foi. Ele viu você lá na praça e trouxe para a cama dele. Está tudo bem agora.

– Na verdade, não... Você sabe, eu contei que estava procurando emprego para pagar o aluguel. Como não consegui, o dono me pôs para fora e...

– E o quê?

– Nada... deixa pra lá.

– Agora fala, né, Shu?

– Ele me bateu... – Ela tocou a face onde o soco deixou a marca roxa. – Porque eu não aceitei pagar o aluguel com alguns favores... favores sexuais. – A última frase sai num sussurro abafado.

– Não acredito! – Shun exclama indignado. – Que monstro! Fique calma! Vamos resolver tudo.

– Ele também não me deixou pegar minhas coisas. Saí sem nada, nem meus documentos pude pegar.

– Nós vamos dar um jeito nisso – Shun diz, mesmo sem saber como resolveriam o problema. – Está com fome?

– Não, só estou cansada...

– Então volte a dormir, querida. Amanhã daremos um jeito.

– Mas... a cama... do seu amigo...

– Você pode ficar aí, não se preocupe. Shiryu não vai se incomodar.

– Não acho certo, Shun.

– Não se importe com isso. Volte a dormir – Shun diz, saindo do quarto e levando consigo Ikki e Shiryu, que esperavam na porta. – Ela está passando por tantos problemas...

– Eu achei mesmo o olhar dela muito triste – Shiryu diz.

– E é. Bom, a Shunrei é órfã, foi criada por um velhinho lá na China, nas montanhas de Rozan. Foi esse homem que a encontrou abandonada na floresta ainda bebê. Quando ele ficou doente, venderam a casa e vieram para cá em busca de tratamento, gastaram tudo que tinham, mesmo assim ele não resistiu à doença e morreu, deixando-a sozinha.

– Nossa! – exclama Shiryu, colocando-se lugar dela e entendendo o porquê daquela tristeza que ela traz no olhar.

– Ela tinha um emprego e o dinheiro que ganhava é que supria as despesas. Só que nos últimos meses de doença do velhinho, ela acabou perdendo esse trabalho. Por conta disso, atrasou o aluguel e foi despejada hoje.

– Desgraça pouca é bobagem! – Ikki comenta rindo, o que deixa Shun e Shiryu ligeiramente irritados.

– Ainda não terminou – Shun continua.

– Essa garota tem uma zica em cima dela! – Ikki torna a comentar. – Melhor mandar benzer!

– Ikki! – Shiryu e Shun gritam, censurando o comentário maldoso.

O irmão Amamiya mais novo continuou contando a história:

– Ela disse que o dono do quartinho queria que ela pagasse o aluguel com favores sexuais. Como ela se recusou, acabou levando o soco que deixou aquela marca no rosto.

– Que absurdo! Ele não pode fazer isso! – Shiryu exclama, indignado. – Estou chocado com o que esse homem fez! Maldito!

– Podia ser pior, né? – Ikki constata. – Já pensou se ele ao invés de só ter dado um soquinho usasse a violência para conseguir o que queria?

Shiryu quis fuzilá-lo com o olhar, mas sua mente estava ocupada procurando meios de resolver a questão.

– Onde ela morava? – Shiryu pergunta bastante sério. – Você sabe, Shun?

– No subúrbio, naquele conjunto habitacional que fica perto do estádio de futebol. Acho que é no primeiro bloco, apartamento 02. O dono mora no apartamento vizinho.

– Sei... – diz Shiryu, antes de pegar a chave do carro e sair em disparada.

– O que deu nele? – Shun pergunta, perplexo com a atitude do amigo.

– Ah, nada... ele só se apaixonou pela sua amiguinha branquelinha – Ikki explica.

Continua...

Reescrito em março/2018.

Oi pessoas!

Fic nova para comemorar meu primeiro ano de FF. Ebaaaaaaaaaaaaaaa! Apenas um ano e já tanta coisa pra contar, tantas amizades feitas! Obrigada a todos que me acompaharam nesse primeiro ano! Agradecimentos especiais a Nina Neviani, Fiat Noctum, Kiah-Chan, Lady Diana, Lannyluck e Shunrei Suiyama!

Estava guardando essa fanfic para 2008, mas não resisti e resolvi postá-la logo!

Minha primeira UA, com os cavs universitários, embora o foco esteja nas relações entre os personagens que vivem no sobrado, principalmente Shiryu e Shunrei, meus amados e idolatrados.

Dessa vez não vou estabelecer periodicidade. Sairá capítulo novo quando der, ok?

Ainda esta semana postarei também a side story de Asgard!

Então, espero vocês nesse novo trabalho!

Beijos!

Chiisana Hana