N/A: (soltando fogos de artifício) Minha primeira fic dramática! Por muito tempo eu pensei que minha capacidade não fosse além de piadas e tiradas sarcásticas, mas aqui eu venho provar o contrário (ou assim eu espero!). Vocês poderão ver, no entanto, que não me foi possível passar a fic inteira sem comentários irônicos e eu espero mesmo que essa alternância esteja bem equilibrada.

Essa fic está na minha cabeça há muito tempo, mas só agora eu consegui colocá-la no papel. E estranhamente eu tenho que admitir que devo isso ao primeiro episódio da nova temporada de 'Grey's Anatomy'. Por alguma razão, ao ouvir a frase que abrirá o capítulo 1 sendo dita na série, algo em mim foi acionado e eu comecei a digitar desesperadamente a história que se segue. Como prova de gratidão, todos os capítulos abrirão com citações da série estrategicamente escolhidas.

A música que embalará a fic também se chama 'From a Lover to a Friend', e é do Paul McCartney. Eu aconselharia qualquer um a ouvi-la enquanto lê a fic, ou ao menos ouvi-la – é uma das melodias mais lindas que eu conheço.

A fic já está completa e consistirá em mais dois capítulos, um pouco maiores do que esse. Ela pretende mostrar o ponto de vista do Remus ao longo do que nós conhecemos como o terceiro ano de Harry Potter em Hogwarts.

Antes de começar, alguns recados. Primeiro a você, leitor: Me parece óbvio, mas sempre vale alertar que essa fic conterá slash. Qualquer comentário ofensivo quanto a isso será estritamente ignorado. Segundo, a duas pessoas que me ajudaram muito durante a criação dessa história: minha amiga recém convertida ao mundo slash, Fernanda, e minha primeira beta-reader que me incentivou imensamente, Asrail. Muito obrigada as duas!


From a Lover to a Friend.

Ler o jornal é um hábito sagrado para Remus. Assim como tudo que envolva ler, no geral, sua ação diária de abrir o Profeta Diário e passar os olhos nas notícias, separar as mais importantes, e lê-las atentamente não poderia ser interrompida, ou sofrer qualquer tipo de turbulência.

Por isso ele não pôde deixar de sentir - em meio a todas as emoções possíveis que tomaram conta de si - uma certa irritação para com Sirius, no momento em que viu seu rosto estampado na primeira página, sob a manchete "Sirius Black foge da prisão de Azkaban".

A voz rouca do antigo amigo ecoou em sua mente, enquanto Remus lia o artigo, tomado demais pela surpresa para ser capaz de entender qualquer palavra:

"É nossa função, como adolescentes, focar nossas energias em apenas três coisas: nos divertir, nos divertir, e nos divertir. Se Informar não se enquadra em nenhuma dessas coisas, Moony. Larga esse jornal, nós estamos tentando bolar um plano importante aqui."

Era como se sua vida desse várias reviravoltas, todos os sentimentos acomodados em seu peito tomando novos e diferentes rumos.

E ainda assim, a velha e familiar sensação de que algumas coisas realmente nunca mudam.


Capítulo 1:

"Há momentos em que uma fração de segundo muda sua vida para sempre. De repente, você está em um outro lugar."

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And when the time comes round

E quando a hora chegar

We will be duty bound

Nós teremos o dever

To tell the thuth of what we've seen

De dizer a verdade do que vimos

And what we haven't found

E o que não tínhamos achado

Will not be going down

Não irá sumir

Despite too easy ride to see

Apesar do caminho tão fácil de se ver

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A primeira coisa que ele pensou foi: era mesmo bom demais para ser verdade.

Remus havia finalmente conseguido um trabalho do qual realmente gostava. Um emprego do tipo que só aparece uma vez na vida das pessoas – principalmente na de lobisomens. Iria dar aulas de Defesa contra Arte das Trevas em Hogwarts, fazer o que passara boa parte de seu tempo sonhando em fazer.

Ele quase esperava algo de ruim acontecer. Ele só não imaginara que fosse o responsável pela maior parte das alegrias, tristezas, revoltas ou desesperos de sua vida.

Sirius Black.

"Moony, quer se acalmar? O Filch não viu a gente subindo aqui, ele não vai saber que você está me ajudando, o monitor responsável do grupo nunca iria soltar um saco de bombas de bosta da torre de astronomia na cabeça do Sniv- o que foi esse barulho? Ok, corra."

Era como se novamente estivesse preso em cima da estreita torre, sem ter para onde ir. Com a diferença que dessa vez a pior conseqüência não seria sua primeira detenção. Seria a destruição do que quer que houvesse dentro de Remus responsável por tê-lo mantido de pé todo esse tempo.

E o pior mesmo era saber que, por trás da confusão de emoções que viera à tona no momento em que Remus abriu o jornal, havia uma ansiosa e profunda alegria.

Tão ingênua e esperançosa quanto os anos que vivera ao lado dele.

"Como assim, você quer deixar de ser nosso amigo? Não se pode simplesmente dizer isso e esperar que todos se afastem de você! Não é assim que funciona. O que acontece é que você continua por aí com seus livros chatos e regras de gramática, e nós que nos acostumamos com a idéia de você ser um lobisomem. E não faça essa cara de quem acabou de ver a lua enchendo, ô Moony! Haha Viu? Nem demorou tanto tempo!"

É certo que Remus adorou Hogwarts desde o momento que entrou nela. A aparência de milhares de anos, as inúmeras histórias que o castelo parecia contar apenas por ser tão antigo e majestoso, a biblioteca praticamente infinita. Todas aquelas crianças tão agitadas e inseguras quanto Remus, aqueles três grifinórios com quem dividia o dormitório, e com quem passara a conviver tão bem. Mas foi só no seu terceiro ano, quando Sirius, James e Peter saíram da capa de invisibilidade no meio da enfermaria onde Remus deitava cansado e machucado, que ele realmente se sentiu livre para amar a escola.

Sirius ainda o mirava com o olhar assustado e preocupado quando a capa foi puxada e os três se revelaram ao pé da cama do lobisomem recém transformado em humano. E proferiu as palavras com uma determinação e segurança que só ele conseguiria mostrar, dando ao amigo o seu primeiro apelido. Engraçado como aquele trocadilho espontâneo se tornou tão importante para Remus. Ouvir essa palavra sempre lhe passou uma sensação imensa de intimidade e conforto.

Já fazia treze anos que não escutava alguém chamá-lo assim. Havia treze anos que toda a intimidade e todo o conforto adquiridos ao longo dos anos na escola haviam desabado em meio a um furacão de tragédias e sofrimento.

"Você está aqui. Não é, Moony?"

Remus se lembrava da última vez que ouvira a voz rouca dele dizer seu apelido. Era seu porto seguro, ter Sirius em seus braços chamando-o desse jeito. Era ter o tipo de segurança que lhe faltara por toda a vida, atropelada por transformações dolorosas e preconceitos populares. O tipo de segurança calculadamente construída para cegar.

- É claro, Sirius.O que você quer dizer?

Um abraço. Um simples abraço caloroso, e aceitação completa em retorno.

"Nada. Só continue aqui... essa noite."

Nenhuma desconfiança, nenhuma contestação. Só aquele mesmo calor de seu abraço, até que Remus acordasse no dia seguinte e encontrasse a cama e o apartamento vazios.

Deitado no mesmo flat nos arredores de Cambridge, na mesma cama estreita e com a mesma pessoa invadindo seus pensamentos, Remus passou as mãos pelo rosto cansado. Há horas tentava, em vão, dormir. Havia marcado para encontrar-se na manhã seguinte com um criador de animais mágicos com quem negociara Grindylows, mas o compromisso tomava ares de ridículo, quando comparado ao que o fazia se remexer inquieto na cama.

Os mesmos fantasmas que o assombraram por toda uma década pareciam mais nítidos do que nunca. O fantasma dele o encarava com um sorriso obscuro e insano da capa do Profeta Diário, deixando claro de uma vez por todas que não era mais – apesar de Remus ter passado o dia tentando convencer-se do contrário – apenas um fantasma.

"Quer fazer o favor de dormir, Moony? Você consegue ser ainda mais irritante se mexendo assim do que quando resolve me dar aqueles sermões sobre Shakespeare."

O sono o invadia, distorcendo e embaralhando seus pensamentos confusos. A voz de Sirius ecoava em sua cabeça, trazendo um resquício do conforto que um dia lhe proporcionou. Antes de despertar assustado, espantando os pensamentos e virando-se para tentar dormir novamente, Remus desejou que ele estivesse ali. Jamais conseguira dormir tão bem quanto naquela última noite.

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Durante as semanas seguintes, Remus tentou concentrar-se somente nos preparativos para as aulas de DCAT. Comprou livros, capturou criaturas mágicas, preparou roteiros de aulas. Mas chegava a ser irônico o seu esforço em esquecer Sirius. Todos os cartazes de procura espalhados pelo Beco Diagonal, e as letras garrafais estampando seu nome em manchetes no Profeta Diário todas as manhãs eram como lembretes pertinentes do destino.

Inúmeras foram as noites mal dormidas de Remus, até o dia em que finalmente embarcara para Hogwarts. Não que isso trouxesse perspectiva de melhora, senão o contrário. Era o momento de encarar de perto todas as boas lembranças que o castelo que ele conhecia tão bem – ao ponto de mapear cada centímetro de seus caminhos – lhe proporcionara.

"É uma passagem secreta, Filch nunca vai nos achar aqui. Relaxa, Moony, aprecie a vista! Olhe todo esse... cinza de pedras históricas e estátuas macabras. É o tipo de coisa que não se vê todo dia aqui em Hogwarts, hein?"

Nem Filch, nem ninguém, de fato, os encontrou naquele dia. Remus não pôde deixar de imaginar o que teria acontecido se alguém tivesse entrado na passagem atrás deles. Os dois grifinórios provavelmente sairiam do túnel cabisbaixos, Remus diria que havia avisado, e Sirius o ignoraria com irritação. Passariam o dia seguinte limpando os banheiros masculinos sem o uso de magia, sob a supervisão de Filch. Aquele momento passaria irrelevante para eles, nada significaria para Remus além de uma mancha em seu histórico escolar.

Sirius não teria pisado numa pedra falsa, o chão não teria se transformado em uma rampa, nem Remus teria escorregado em cima do amigo, até os dois caírem no chão, com os corpos doloridos e os rostos tão próximos um do outro.

- Fica difícil relaxar com todo esse seu peso em cima de mim, Padfoot.

Quem sabe, se Sirius não tivesse se mexido e suas bocas não tivessem encostado por uma fração de segundo, nada mais teria acontecido. Eles não teriam se encarado em silêncio, Remus não teria inclinado o rosto em direção ao do amigo, e eles não teriam se beijado pela primeira vez.

E Remus não teria se sentido como se finalmente entendesse tudo que se passara em sua vida até aquele momento.

"Eu não vejo problema algum em relaxar aqui."

O quadro velho do mago alto e barbudo sorriu, quase que zombando, quando Remus passou na sua frente em direção ao salão principal. Fora por ali que passara com Sirius, aquela noite em que resolveram percorrer a área norte de Hogwarts para a criação do mapa do maroto, chegando ao estreito túnel repleto de armadilhas.

Andou rápido, enquanto ouvia as vozes dos alunos chegando, há metros de distância. Havia aparatado até o portão de Hogwarts, assim que saíra do trem vermelho que fora obrigado a tomar, impossibilitado pela lua cheia de viajar para a escola anteriormente. Adentrou a passos largos o salão principal para ser recebido calorosamente por Albus Dumbledore.

- Remus! Seja bem vindo de volta. – o diretor abraçou o ex-aluno, um sorriso bondoso em sua face – Fez boa viagem, presumo?

- O suficiente, professor. – Remus deixou também um sorriso transparecer em seu rosto abatido. Sentiu como se os músculos de sua face fossem usados pela primeira vez em muito tempo. – Imagino que o senhor já estivesse a par da busca dos dementadores.

- Infelizmente, minha autoridade em relação às vontades do Ministério não se estende além dos portões de Hogwarts. – os olhos azuis do diretor mostravam uma faísca de irritação, apesar da expressão tranqüila – Espero que eles não tenham sido um problema.

- Que tipo de professor de Defesa Contra Arte das Trevas eu seria, se fossem, não é mesmo? – uma risada nervosa saiu de seus lábios, para surpresa do próprio Remus. – Eu não posso dizer o mesmo sobre Harry, no entanto.

Dumbledore parou de andar, e encarou Remus com preocupação.

- Conheceu Harry, então? – ele ainda esboçou um sorriso cordial – Ou melhor, o reviu?

- Viajamos na mesma cabine, o que foi sorte. Ele reagiu muito mal quando o dementador entrou. Chegou a desmaiar. Fui obrigado a conjurar um patrono. – Remus explicou calmamente o ocorrido, lutando contra sua voz para não demonstrar o nervosismo em ter que relembrar a viagem do trem.

O diretor voltou a andar, pensativo. Acompanhou Remus em silêncio até a mesa dos professores, indicando seu lugar. Quando voltou a encarar o lobisomem, esboçava um sorriso quase solidário.

- Harry ainda é jovem, mas já enfrentou mais do que boa parte de seus colegas de classe juntos. Foi mesmo sorte você estar por perto, Remus. James com certeza o agradeceria. – ele deu uma piscadela – Além do mais, ainda me lembro de seu patrono. Um dos mais fortes que já vi.

Houve um momento em que Dumbledore o encarou, e Remus sentiu toda a frustração e angústia dos dias anteriores transparecer em sua face, sem que o lobisomem percebesse. Ele desviou os olhos, no entanto, e sentou-se em sua poltrona confortável. Dumbledore sempre tivera esse poder de ler sua alma, mas havia coisas que sua alma dizia no momento e que o diretor era a pessoa menos aconselhável a saber.

Como, por exemplo, a razão de seu patrono se transformar em um cachorro enorme e agitado.

- Os alunos estão chegando! – o diretor voltou-se para ver o Salão Principal, que aos poucos começou a se encher de jovens, o barulho de conversas animadas invadindo cada espaço do lugar – Tenha uma boa ceia, Remus! – ele disse, antes de se dirigir até o centro da mesa.

Os outros professores acenaram sorridentes para o professor recém chegado. Severus Snape o cumprimentou, a algumas cadeiras de distância, com uma expressão de cortesia forçada e nenhuma intenção de esconder isso. Remus não esperava menos do velho colega, ele não fora recebido calorosamente pelo sonserino em nenhuma de suas visitas a Hogwarts ao longo do verão.

"Eu vi, o nariz dele estava quase encostando no pergaminho. Vai ter manchas enormes de gordura no exame todo, não vão poder ler nenhuma palavra."

E Remus não podia culpá-lo; bastava pensar em uma lembrança aleatória de Snape em sua época escolar. Não fora exatamente uma convivência amistosa, ainda que a maioria dos motivos para qualquer rancor não fosse o lobisomem em si, e sim suas companhias.

"Que é que você vai fazer, Snivellus, limpar seu nariz em nós?"

Esquecendo Snape e seu ainda brilhoso nariz, Remus sentou-se para encarar o salão já repleto de alunos. Viu suas mãos tremerem, enquanto seu corpo pareceu se desfazer de vários quilos. Agora que transmitira a importante mensagem ao velho diretor, sentia-se finalmente no direito de relembrar a turbulenta viagem de trem. Como ele estivera presente em seus pensamentos tantas vezes. Como Remus fora obrigado a gritar seu nome, como se colocasse para fora todas as mágoas e angústias por ele trazidas.

- Nenhum de nós está escondendo Sirius Black dentro da capa. Vá!

Como o som daquele nome tão familiar fora o suficiente para criar lembranças capazes de conjurar um patrono indestrutível.

"Mas um de vocês bem que gostaria de estar, não é mesmo?"

Foi como se escutasse um sussurro rouco ao seu ouvido. A mesma voz que o assombrava, um pouco brincalhona, repleta de ironia. Tão natural. Como se nada tivesse acontecido.

Por um segundo, Remus sorriu. Ignorou que a imagem em sua mente era o exato oposto das circunstâncias que o obrigavam a gritar 'Expecto patronum' e esperar o grande cachorro prateado irromper de sua varinha, espantando o dementador.

Ignorou que o enorme cachorro preto não mais o protegeria.

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Uma batida na porta interrompia novamente a sua leitura. Remus havia acabado de começar a corrigir as redações de seus alunos sobre kappas. Deixara mais cedo a festa do Dia das Bruxas só para isso, portanto a interrupção fez aflorar não só o leitor ávido, mas também o professor dedicado em Remus.

- Sim? – seria preciso pouca atenção para notar a ponta de irritação no tom educado do lobisomem. Mas atenção era a última coisa que Severus Snape parecia ter, quando adentrou a sala de Remus a passos largos – Posso ajudá-lo, Severus?

- Talvez. – Snape tinha o poder incrível de manter uma expressão enigmática em seu rosto, e, ainda assim, demonstrar raiva absoluta – Se você me disser quem você anda ajudando.

Remus conseguiu formular uma expressão igualmente dúbia. Suas sobrancelhas franziram, apesar de sua boca abrir levemente, como se temores conhecidos fossem confirmados.

- O que você quer dizer, Severus?

- Você sabe muito bem, Lupin. Dumbledore pode ter essa confiança inabalável em gente como você, mas eu dificilmente vou te dar uma segunda chance.

- Justo você, Severus, falando em segundas chances. – Remus levantou-se calmamente da escrivaninha, voltando-se para encarar o ex-colega. – Não me lembro de ter recebido a primeira.

- Nem no dia em que eu guardei seu segredo, depois de ter caído na brincadeira de mau-gosto do seu amigo?

- Você gosta muito de remoer águas passadas, Severus.

Outra pessoa trazendo à tona memórias antigas era o que Remus menos precisava no momento.

- Não vejo águas passadas em nada disso, Lupin. Eu o vi saindo antes do fim do jantar hoje. É uma pena que não o segui. – os olhos negros de Snape faiscaram com uma frieza calculada – Teria tido o prazer de entregar seu querido Black aos dementadores pessoalmente.

- O quê? – Remus arregalou os olhos, a expressão confusa. Esperou a confirmação de seu maior medo.

- Você sabe muito bem que Black jamais poderia ter entrado no castelo sem ajuda!

- Sirius entrou no castelo? – sua voz aumentou alguns tons, e uma pontada de pavor transpareceu em seus olhos. Snape o encarou profundamente, mas Remus não desviou o olhar a princípio. Sabia o quanto o sonserino era bom em leglimência.

Foi só por um momento, no entanto. Não era seguro deixar sua alma à mostra por muito tempo. Não quando ela gritava cegamente por tantas emoções confusas.

– Alguém se machucou? – o lobisomem conseguiu formular, desviando os olhos do rosto pálido do outro.

Snape bufou com exasperação. Sua capa preta tremulou quando ele andou a passos rápidos em direção a porta.

- Até agora, apenas um quadro. – ele ainda o mirou, ódio refletido em seus olhos - Dumbledore quer ajuda para fazer uma procura pelo castelo. Não demore.

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"Eu não sei o que dizer."

- Ainda assim, para o Snape você soube exatamente o que dizer, não é?

"Não fale como se isso fosse por causa dele."

- Mas é por causa dele! Eu quase o matei, Sirius. Eu ia matá-lo, se não fosse por James!

Os passos determinados de Remus não conseguiam impedir seus pensamentos de vagarem livremente por sua cabeça. Pouco a pouco, a lembrança daquele dia invadiu sua mente sem pedir qualquer tipo de permissão.

"Não fale como se ele não merecesse! Você viu do que ele te chamou?"

Cruzou o quarto andar sem olhar para os professores e monitores que atravessavam seu caminho. Apenas acenava inquieto, quando alguém lhe dirigia a palavra. Sabia exatamente aonde ir, ainda que não soubesse o que faria quando chegasse lá. Sabia exatamente o que deveria fazer com Sirius Black, mas não fazia a menor idéia do que aconteceria se realmente o encontrasse.

- Do que ele me chamou? Você me usou, Sirius! Como pode continuar achando que é melhor que ele?

Chegou ao corredor procurado. Estava vazio, o silêncio ecoava nas paredes estreitas. O mesmo silêncio que havia recebido como resposta naquela noite distante.

- Como pôde achar que isso poderia ser uma brincadeira...? Você não sabe como é sentir o cheiro de carne fresca chegando perto... E gostar dele. Sentir sua boca salivar na esperança de matar alguém.

Andou até o enorme espelho à direita. Sua moldura dourada já não mais brilhava. O reflexo de Remus também não era o mesmo. Qualquer que fosse o brilho uma vez emanado por ele – fosse este real ou não, fruto de verdades ou ilusões -, havia sumido.

- Você não sabe como é não ter controle algum sobre si mesmo. – o reflexo cansado à sua frente deu voz a seu próprio pensamento. A voz era diferente, mais adulta. Mas o tom era exatamente o mesmo. Decepção, frustração e medo envoltos numa só frase.

Quase que mecanicamente, Remus apontou a varinha para o espelho, até que ela se opusesse perfeitamente à do reflexo. Já não era mais preciso dizer as palavras, sua experiência com feitiços não-verbais era a de um bruxo formado. Com uma piscadela e um sorriso quase maroto, sua imagem se afastou para o lado, desaparecendo como que em meio à parede de pedra. A superfície lisa e brilhante do espelho sumiu, e em seu lugar apareceu uma passagem mal iluminada.

- Fala alguma coisa, Sirius. Ou você não consegue pensar em algo brilhante para dizer dessa vez?

Uma última olhada para verificar se ninguém o seguia, e Remus adentrou na passagem secreta uma vez descoberta pelos marotos. Se Sirius estava invadindo a escola inexplicavelmente, poderia estar usando um dos caminhos conhecidos somente pelos antigos portadores do Mapa do Maroto. O lobisomem ignorou quando uma voz racional em sua cabeça revelou que ele só poderia estar usando uma das passagens. Não conseguiria pensar em revelar a Dumbledore mais uma traição.

- Hein, Sirius? Pode ter começado como uma brincadeira para você, mas é sério. Eu gostaria de ouvir o que você tem a dizer. Pelo menos uma última vez.

Não havia o que dizer. Era imperdoável, inaceitável. Sirius sabia disso quando caiu no chão ao ouvir suas palavras. Quando mirou o piso de pedra e falou o que seu coração estava gritando há horas. O que Remus nunca havia ouvido sair de sua boca com qualquer tipo de fundo verdadeiro.

"Me desculpe."

Com a varinha acesa, o lobisomem seguiu o caminho cinzento que daria em Hogsmeade. O corredor gelado ecoava seus passos vagarosos e as batidas aceleradas em seu peito. Não ousou chamar por alguém. Não estava preparado para ouvir aquela voz dissimulada que um dia lhe fora tão sincera.

"Me desculpe. Por favor."

Foi a primeira vez que fora traído. A primeira que perdoara. Talvez porque ele sentia a sinceridade na voz do amigo, via a dor do arrependimento percorrer seu rosto junto com as finas lágrimas que desciam de seus olhos.

Talvez porque, depois de se ajoelhar ao seu lado e passar os braços em seus ombros, Remus percebeu que não agüentaria ficar sem sentir aquele calor novamente.

- Tudo bem, Sirius.

Já havia andado alguns metros quando viu que a passagem se fechava bruscamente. Pedras empoeiradas empilhavam-se até chegar ao teto, e apenas um silêncio mortal atravessava a barreira. Remus parou, suas próprias palavras ecoando em sua cabeça. E foi sua vez de cair de joelhos no chão.

Sua vez de ter o rosto lavado pelo arrependimento.

Sem ninguém para perdoá-lo.


N/A: O pedido que eu sei que os leitores estão cansados de ver, mas que ainda assim uma boa parte deles não segue. Reviews, gente! Vocês não sabem como deixam um autor fez quando clicam no botãozinho roxo ali do lado.