Solitude
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Não era a primeira vez que se beijavam. Nem tampouco a última. Na verdade, já tinham havido tantas que nem podiam mais contá-las.
Mas aquela em particular foi diferente. A estação, a réstia de sol na coluna de tijolos, o calor – que não era desagradável, naquela intensidade - na pele do pescoço, onde a luz o atingia diretamente, o som dos carros passando na rua mais adiante, talvez um certo cheiro de fumaça e de muitos perfumes misturados das pessoas que passavam por eles, a repentina consciência de que o Expresso estava levando sua filha - ainda tão pequena! –, e que os outros já estavam na escola há tempo o suficiente para falarem das suas aventuras na hora do jantar e ansiarem pelo fim das férias e pela temporada de quadribol.
Naquela vez, ele se sentiu pela primeira vez sozinho ao lado dela, como se já não mais bastassem um para o outro. Sentiu os três pedaços de si sendo levados com o barulho do trem e, talvez numa tentativa de dizer para se mesmo que eles apenas estavam indo para o mesmo lugar onde ele se sentira em casa por tanto tempo e que Ginny e ele não estavam sozinhos, Harry beijou a esposa ali mesmo.
Ela ainda tinha o mesmo gosto que tivera nos tempos em que namoravam; aquela mistura indefinida de hortelã e de algo que uma vez ele havia definido vagamente como "o gosto da boca que sempre iria beijar". Ela ainda tinha os mesmo olhos que, quando de frente pro sol, ficavam bem mais claros do que mel. Ainda tinha a mesma pele inacreditavelmente macia, e os calos de lhe surgiram nas mãos nos tempos em que jogava quadribol já haviam desaparecido há muito tempo. Ainda tinha as mãos em volta do pescoço dele e os pés levantando o corpo levemente para cima para alcançá-lo melhor durante o beijo.
Afinal, ele concluiu, apertando os olhos para o sol da manhã, eles ainda eram os mesmos. Como naquele dia em que ela era como uma pequena Lily querendo ir para a escola e ele era como um pequeno Albus assustado com o mundo novo e o que poderia acontecer.
Ela sorriu e lhe deu a mão, que estava quente por ter ficado bem no lugar da réstia de sol, e olhou para ele daquele jeito que o fazia saber que ela o entendia muito bem. E ele soube que ambos entendiam que, juntando aquelas pequenas solidões que sentiam, seriam sempre um do outro.
