O gato preto mirou a cortina. O tecido não revidou o olhar, logicamente, mas estava a provocá-lo como se possuísse a intenção. Ajeitou o corpo magro e saltou com destreza. Sucesso. Garantindo que suas garras estavam bem cravadas no tecido espesso, ele começou a escalada com uma aptidão singular da sua esplêndida espécie.

Depois de feito algum esforço estava próximo o suficiente da prateleira e conseguiu mover-se habilmente para a tábua de madeira onde havia um espaço vazio, lugar de coisas já antes derrubadas pelo animal e agora desocupado para ocasionalmente, quando lhe convir, virar residência do felino. Posto de observatório.

Hoje, ali, naquela prateleira, tão perto dele, estava um vaso de flores secas novo. De vidro e formato curioso. A luz matinal infiltrando furtivamente por uma fresta chocava-se com o frasco para esparramar um espectro arco-íris pelo cômodo.

Tão lindo! As cores poderiam ter saído das flores sem vida, onde somente na corola permanece sua beleza habitual.

- Não ouse derrubar esse vaso, gato! – ela chegara agora e logo advertiu.

O felídeo se acomodou melhor no lugar e começou lamber uma das patas, totalmente indiferente ao ter tido as intenções flagradas. A menina cerrou os olhos. Sabia não ter altura para pegar o animal ou o vaso sem ajuda de uma cadeira. O sermão precisaria vir antes.

- Olha, eu te considero um gatinho muito inteligente e se pensar no meu caso vai compreender como acaba comigo ver a cortina rasgada e as coisas quebradas. Quem vai levar a culpa será eu – juntou as mãos em conjunto de um rosto simpático – Por que fazer isso, certo? Você não me vê por aí escalando cortinas.

Pela primeira vez desde que ela adentrou a sala o gato preto virou-lhe o rosto e deu sua atenção.

- Por que vocês humanos usam roupas? Eu não uso. Só tem serventia para dormir em cima.

post scriptum: Escrevi para ti, Rodrigo Dias, porque queria te escrever algo e, realmente, o Gato é superior ao Cheshire.