Capítulo 1

UMA NOVA VIDA

Volterra, 1847

-- Bella's POV --

A dor da mordida era insuportável. Havia prometido a minha melhor amiga que levaria um suvenir da minha viagem quando voltasse para Londres, mas isso não seria possível. Os monstros que nos atacaram naquela sala redonda estavam levando embora a minha vida e a da minha família. Meu pequeno irmão de apenas cinco anos já não gritava mais, seu corpo caído de qualquer jeito num canto, minha mãe e meu pai ainda nos braços dos monstros enquanto eu os observava dos braços de outro vampiro. Sim, eu sabia o que eles eram. Agora eu sabia. Eles não tinham as presas das histórias que eu ouvi, mas o sangue drenado dos corpos ao meu redor era o suficiente para esclarecer tudo.

Eu sentia meu corpo ficando fraco e meus olhos pesavam, a morte se aproximando mais. O vampiro de cabelos muito longos e pretos que sugava a minha vida acariciava meus cabelos castanhos como se tentasse amenizar a dor, mas de nada adiantava. Eu estava morrendo.

Mas então, antes que eu perdesse a consciência completamente, ele parou. Deitou o meu corpo devagar no chão e se aproximou do meu rosto para sussurrar no meu ouvido.

- O seu talento não deverá ser desperdiçado. – sua voz era gentil e baixa, quase o sopro de um anjo, fazendo meu corpo relaxar instantaneamente – Bem vinda, minha pequena.

Volterra, 1911

- Bella – Felix chamou de algum ponto do castelo – Aro solicita a sua presença.

Não era como se um pedido de Aro pudesse ser recusado, então menos de dois minutos depois eu chegava à sala onde Aro se encontrava na companhia de um vampiro de cabelos loiros e olhar bondoso. Espera. Olhar... muito bondoso. Por que os olhos dele eram dourados?

- Bella, minha querida, que bom que você veio – Aro exclamou naquela voz gentil e manipuladora de sempre – Há alguém que eu quero que você conheça. Esse é Carlisle – ele apontou para o homem à sua frente –, um grande amigo que fez a gentileza de nos visitar durante a sua curta estadia no país.

- É um prazer conhecê-lo, Carlisle. – eu o cumprimentei, apertando sua mão rapidamente.

- Igualmente.

- Veja, Bella. Nota alguma diferença no nosso amigo?

- Sim. O que significa? – eu perguntei, analisando seus olhos estranhos sem pudor.

- Significa, minha pequena, que o meu grande amigo não bebe sangue humano. – ele falava como se aquilo o divertisse.

- Sim – Carlisle confirmou sem se deixar intimidar pela zombaria de Aro – Eu me alimento apenas de sangue animal.

- Isso é... – eu me interrompi antes de continuar. Não sabia até que ponto se estendia aquela amizade e fiquei com receio de ir longe demais.

- Diferente? – Carlisle sugeriu.

- Nojento. – eu completei finalmente – Desculpe.

- Não se preocupe. – Carlisle sorriu, mas não era aquele sorriso estranho de Aro. O seu sorriso era sincero – Confesso que senti o mesmo quando comecei essa dieta, mas com o tempo isso passa. Hoje nem sinto falta de sangue humano.

- Por que isso? – eu perguntei com o cenho franzido. – Por que mudar o que somos?

- Eu posso ser um vampiro, mas me recuso a ser um monstro.

Monstro! Essa única palavra me trouxe recordações que eu julgava que não existiam mais na minha mente imortal. Lembranças tenebrosas do momento em que tinha usado essa mesma palavra para definir as criaturas que haviam matado minha família e me transformado em vampira.

Aro e Carlisle continuavam conversando sobre a peculiar dieta do loiro, mas eu não ouvia mais nada. Mesmo sem precisar respirar, eu fiquei sem ar. E isso não passou despercebido por nenhum dos dois.

- O que se passa na sua mente, Bella? – Aro perguntou acariciando meu braço com ternura. – Me diga e me prive dessa tortura constante.

- Você não lê a mente dela? – Carlisle perguntou intrigado.

- Não. Infelizmente foi algo que eu não previ quando a transformei. Ela é incrível, sabe, mas totalmente imune ao meu dom.

Eu continuei em silêncio, ainda imersa em pensamentos, mas atenta ao que eles falavam.

- Como isso é possível?

- Eu li a mente dela enquanto a mordia e não era minha intenção transformá-la, mas analisando seu comportamento durante toda a sua curta vida humana, eu percebi uma característica que muito me atraiu. Então eu a transformei. Mas quando ela despertou, seus pensamentos se tornaram uma incógnita para mim. Então agora me resta perguntar o que se passa na mente dela e torcer para que ela diga a verdade. – ele concluiu com um sorriso radiante, mas eu sabia que ele odiava o meu dom. Ele odiava não saber o que as pessoas pensam dele. – O que me leva de volta a minha pergunta, Bella. O que se passa na sua mente nesse momento?

- Não é nada, Aro. – eu respondi mentindo descaradamente, mas ele nunca saberia – Carlisle está com cheiro humano impregnado nas roupas. Me deixou com sede.

- Sim, sim. Eu sempre fico com muita sede quando meu amigo nos visita. Seu contato constante com os humanos o deixa cheirando quase igual a eles.

- Vou sair. – eu o informei me afastando sem pedir permissão. Isso era outra coisa que Aro odiava em mim. Eu nunca o bajulei.

Eu não estava com tanta sede como tinha feito parecer, mas resolvi me alimentar ainda assim. Aro notaria se eu não o fizesse. Mas aproveitei os dias que fiquei fora para pensar. Pensar no que eu havia me tornado.

Mas não era como se eu tivesse tido opção. Quando eu acordei e Aro me explicou o que eu era, eu pude apenas ficar ao lado dele e viver a vida que os Volturi levavam. Eu não saberia viver de outro jeito. Seria impossível para mim.

Volterra, 2000

Lá estávamos nós, à espera dos turistas ansiosos para conhecer o castelo de Volterra, assim como eu tinha feito há mais de cento e cinqüenta anos. Eu estava ao lado direito de Aro como sempre, e Jane do lado esquerdo. Ela odiava a preferência que Aro tinha comigo e nunca se incomodava de demonstrar seu rancor.

Embora eu soubesse que aquela "preferência" de Aro por mim era apenas por sua falta de controle sobre a minha mente. Ele me mantinha sempre perto a ele como se assim pudesse ter algum domínio sobre mim.

Mas eu sempre o obedecia. Não por medo, mas por respeito. Ele tinha sido como um pai para mim desde que me transformou. Mas eu sabia que não seria sempre assim.

Desde a visita de Carlisle há quase um século, eu tinha ficado indecisa sobre o que queria para mim. Tinha chegado a me ausentar do castelo por longos períodos, passando até mais de três anos longe, mas sempre retornava. O problema é que agora eu estava no meu limite. Sempre que eu bebia sangue, a palavra "monstro" vinha a minha mente e eu sentia nojo de mim. Conseguira passar meses sem ingerir. Faltava apenas o empurrão final para eu tomar a minha decisão de deixar os Volturi para sempre. E esse empurrão chegou junto com o grupo que logo seria a nossa refeição.

Em meio ao mar de rostos confusos e assustados, eu vi três que fizeram meu coração morto pular no meu peito. Uma mulher de cabelos curtos e castanhos, um homem de cabelos negros e uma criança, um pequeno garotinho no colo da mãe. Eles me impressionaram, não por sua semelhança com a minha própria família, mas pela forma como eles estavam unidos no único abraço, protegendo uns aos outros, lembrando-me que fora dessa mesma maneira que eu havia entrado naquela sala.

Um sentimento de vazio se apoderou de mim. Saudade, amor, rancor, desprezo. Esses quatro sentimentos me dominaram de uma forma que foi impossível acompanhar os vampiros que avançavam ao meu redor.

Eu continuei pregada no chão de pedra, observando enquanto corpo a corpo iam tombando ao meu lado. Os gritos sendo substituídos por gemidos de dor e murmúrios incompreensíveis.

- Bella – Demetri chamou de um canto da sala, soltando o primeiro corpo sem vida – O que está fazendo aí parada? Sirva-se!

Eu o ignorei e comecei a me encaminhar para a saída.

- Aonde vai? – Aro perguntou parando em frente a mim.

- Embora.

- Mas tem sangue suficiente para nós aqui. Não precisa se alimentar fora. – ele falou com um sorriso fraco, o sangue escorrendo pelo canto da sua boca.

Seu eu fosse humana, estaria vomitando.

- Eu não quero me alimentar. Eu vou embora, Aro.

Eu vi seu sorriso vacilar, mas ele logo tratou de recompor a expressão, antes que eu desse as costas para todos que ainda seguravam sua presa e me encaravam perplexos.

- Você volta – ele murmurou com uma certeza impressionante – Você sempre volta.

Eu parei ao lado da passagem e me voltei para ele.

- Não, Aro. Dessa vez eu não vou voltar. – e continuei meu caminho, mas antes que eu pudesse sequer chegar ao corredor do lado externo, eu tornei a ouvir a voz de Aro.

- Você não vai a lugar nenhum! – ele gritou mesmo sem precisar, sua voz lotada de raiva.

E logo a seguir veio a dor. A dor que me fez cair, gemendo em agonia, como se eu estivesse morrendo. Mas eu sabia que não era a morte ali. E Jane ia me pagar por estar fazendo isso.

Não sei por quanto tempo ela usou seu dom contra mim, mas tinha sido o suficiente para me impedir de raciocinar. Eu não ouvia mais nada ao meu redor, não sentia meu corpo. Era apenas dor. Mas uma hora ela teria que parar e quando ela finalmente o fez, eu estava estendida no chão de pedra do corredor, arfando e sentindo cada parte do meu corpo latejando.

Abri os olhos lentamente e vi Aro, Felix, Demetri e Jane parados ao meu redor. E foi para cima dessa última que eu parti, no instante que meu corpo permitiu, segurando-a pelo pescoço contra a parede.

- Nunca mais use seu poder imundo contra mim. – eu falei por entre os dentes, enquanto ela se debatia e gritava de dor. – Eu vou embora, Aro – eu continuei olhando-o por sobre o ombro – Você não pode me impedir.

- Eu te criei! – ele gritou, sua voz se sobrepondo aos gritos de Jane.

- Você não é meu dono – eu respondi no mesmo tom de antes, sem aumentar a voz. Ele não gritava porque eu não o ouviria se ele não o fizesse. Ele gritava de raiva. – Eu vou embora. – eu repeti. – É uma decisão minha.

Eu finalmente soltei Jane, seu corpo caindo mole aos meus pés, e me afastei andando lentamente para fora do castelo. E dessa vez ninguém me deteve.