Wipe Your Eyes

Fabiana

Bibi respirou fundo, encarando-se no espelho. Não poderia dizer que não gostava de quem via no reflexo. Gostava da vida confortável, do poder de ser alguém, do respeito que obtinha ao ser Bibi Perigosa. Não gostava de todo o resto. Da origem do dinheiro que pagava os produtos capilares, do medo frequente de que a polícia batesse a sua porta, e não gostava de quem o marido havia se tornado.

Seus olhos eram carregados de maquiagem, os batons muito mais escuros do que gostava anteriormente, as roupas mais provocantes. Era a necessidade de se adaptar ao ambiente. E gostava de quem a Perigosa era. Uma mulher mais forte, corajosa, que sabia o que queria. Uma mulher que não baixava a cabeça para qualquer situação. E ao mesmo tempo, uma mulher que arriscava tudo por amor.

Sempre havia sido assim. Amava grande, como ela mesma gostava de dizer. O amor nunca era secundário em sua vida, o amor nunca fora parte de quem era. O amor era tudo. A família era tudo. Rubinho era tudo. E por isso sentia o aperto crescer em seu peito. Sabia que a fuga era a última chance de ter a vida normal.

Rubinho já era um foragido da justiça, e Bibi não possuía mais nenhuma esperança de que o marido pudesse ser inocentado. E sabia que ele não merecia ser inocentado. Queria, desesperadamente, acreditar que tudo poderia voltar ao normal, mas sua mãe estava coberta de razão: a vida nunca seria normal com nomes falsos e medo da polícia.

Não sabia em que momento havia se transformado nessa mulher, em que momento o marido se tonara traficante procurado. Se fosse sincera consigo, não sabia em que momento seus limites morais se tornaram tão cinzas, em que momento essa vida se tornou aceitável. Sentiu as bochechas queimarem, e sabia o motivo.

Vergonha. Era o que sentia, e fingia não sentir, toda vez que visitava sua casa antiga. Toda vez que encarava a mãe, toda vez que tocava no filho. A cada encontro com pessoas de sua antiga vida. Sentia vergonha da vida que levava, sentia vergonha ao saber que todos sabiam quem ela havia se tornado.

Sentia vergonha e arrependimento de suas escolhas. Fizera sucessivamente escolhas erradas. Ainda mal podia acreditar que em algum momento a vida lhe dera a chance de escolher entre Rubinho e Caio, e ela escolhera o primeiro. Caio. Doía mais do que qualquer coisa, que ele soubesse quem ela havia se tornado.

Sabia os motivos pelos quais tomou a decisão por Rubinho. Ele era impulsivo, descontrolado, apaixonado, e oferecia cada dose de adrenalina que Bibi sonhava em viver. Caio, por outro lado, era racional, estável, incapaz de loucuras por amor. Não sabia em que momento o que sentia com os dois havia se invertido.

Rubinho agora lhe despertava o tédio, a insegurança, a decepção. Não era burra ou inocente, sabia que o marido no fundo gostava da vida que levava. Rubinho não queria ir embora, não queria abandonar o morro do Beco, e não queria abandonar a amante. Porque Bibi sabia. Não possuía as provas concretas, mas via nos olhos de Carine a traição. E tudo isso só a fazia questionar ainda mais suas escolhas.

Era tarde demais, e ela sabia disso. Embora Caio houvesse dito algumas vezes que não era tarde para ele, Bibi sabia que nunca poderiam ficar juntos. Caio estava crescendo em sua carreira, uma carreira baseada em segurança pública. Jamais poderia ser visto com a ex-mulher de um traficante procurado. E por mais que nos últimos dois anos toda vez que se encontrassem as emoções fossem intensas, e a adrenalina e tensão fossem quase o suficiente para Bibi transbordar, sabia que Caio nunca deixaria tudo isso por ela.

- Bibi, eu vou encontrar com o Sábia. – Rubinho gritou ao longe, já abrindo a porta de saída. – Volto à noite.

Sem deixas que ela respondesse, bateu a porta. Bibi encarou seu reflexo mais uma vez. Sabia onde ele estava indo, e com quem iria encontrar. Precisava fazer alguma coisa, precisava ao menos ter certeza.

A risada de Carine ecoou nos ouvidos de Bibi. Mal podia acreditar em quão previsível o marido havia se tornado. Seu coração acelerado e as mãos tremendo entregavam o peso daquela escolha. Poderia continuar fingindo que não sabia da traição, continuar planejando a fuga do morro, viver uma vida de mentiras. Mas amava grande, amava grande demais. E chegara a hora de que esse amor fosse direcionado a outras pessoas. Precisava pensar na mãe e no filho.

No momento em que cruzasse a porta que os separava, sua vida mudaria. Bibi não sabia se estava preparada para essa mudança. Não sabia o que restaria de sua vida após Rubinho. Não sabia se sobrara alguma parte da antiga Bibi para se reerguer. Mas precisava tentar.

Abriu a porta com o máximo de silêncio conseguiu, embora sentisse que seu coração poderia pular do peito a qualquer hora. Já sentia as lágrimas queimando em seus olhos, a angústia da traição, a decepção, muito maior do que quando soube que o marido era culpado. Respirou fundo, mais de uma vez, tentando se controlar.

Mas não havia preparação para o que encontrou. Rubinho, seu marido, por quem se corrompera tanto, sentado no sofá da casa de Carine, enquanto a garota mantinha uma perna de cada lado do corpo dele. A camiseta da Rubinho e a blusa de Carine esquecidos no chão da sala. A garota riu mais uma vez, enquanto Rubinho beijava seu pescoço. E foi ali que Bibi entendeu o apelido Perigosa.

- É agora que você perde o mega, Maria Fuzil mirim! – ouvi-se gritar, ao mesmo tempo em que lançou-se em direção aos dois.

Não houve tempo de reação. Carine estava no chão antes que ela e Rubinho pudessem processar o que estava acontecendo.

- Seu filho da puta! – Bibi gritou, acertando um tapa no rosto de Rubinho. – Eu fiz de tudo por você! Eu te apoiei quando você foi preso, seu merda! Eu consegui advogado pra você! Eu me mudei pra esse inferno pra te apoiar! E você vai procurar marmita fora de casa?

Rubinho a encarou, com os olhos arregalados.

- Bibi, meu amor, não é assim, não é o que você tá pensando! – ele tentou se defender.

- Não é o que eu to pensando, o caralho! – Bibi gritou. – Eu to vendo muito bem o que tá acontecendo. Pra mim chega, Rubinho. Pra mim chega! A partir de agora o seu único compromisso é com o seu filho! Otário.

A Perigosa virou as costas, em direção a saída. Não sem antes chutar a garota no chão, que tentava se cobrir de qualquer forma. Era isso. Sua vida estava acabada. Mas não deixaria as lágrimas caírem. Não ali, no morro do Beco. O Morro do Beco era agora passado, Rubinho era passado, e só restava saber quais seriam as consequências dos últimos dois anos de sua vida.