A história e os personagens não são de minha autoria. Os personagens pertencem a Rumiko Takahashi e o nome da autora que criou este romance será revelado no final do mesmo.

Uma comovedora história de amor e traição na Escócia do século XIV.

Quando sua família é aniquilada pelo clã Taisho, Agome Higurashi jura vingar-se. É alta e magra, disfarça-se de rapaz, e afina suas habilidades de guerreira.

Um homem que toma o que quer com cinismo, Inuyasha Taisho, nomeia escudeiro o menino «Agom». O imponente e brutalmente forte guerreiro nunca imagina que seu criado é outra pessoa. Não obstante, Taisho não pode negar que se sente estranhamente atraído por esse rapaz que está a seu serviço, e está disposto a averiguar por que.

A cada dia que passa, o cínico cavalheiro elimina as defesas de Agom, até que lhe revela seu mais precioso segredo. De repente vulnerável a um desejo, Agom se afasta de seu propósito... até a cama de Inuyasha, onde descobre prazeres sensuais que nunca tinha imaginado. Imersa na batalha entre vingança e paixão, o mais poderoso sentimento emergirá vitorioso, unindo dois corações, dois clãs, duas almas...

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CAPÍTULO 01

1310 D.C.

Os gritos cessaram ao meio-dia, ficando só os gemidos dos moribundos. Agom esperou então.

Sabia que a multidão de jovens que a seguia estava impaciente, e sabia por que. Isso não lhe fez dar o sinal. Nem sequer quando observou que outros grupos desciam, deixando soltos seus homens. Não havia honra em despojar um homem moribundo de seus pertences. Os abutres podiam fazê-lo. Agom não faria nada até que se impusesse a morte.

Jogou sua trança negra sobre o ombro, agachou-se mais detrás das rochas e esperou que os skelpies1 e os poucahs da lenda levassem as almas e não deixassem nada que pudesse preocupá-la. Das banshees2 já se preocuparia mais adiante, depois de que a névoa cobrisse a todos. Agom tragou o medo, olhou aos outros e assobiou.

Os escoceses não tinham direito a espadas, cinturões, punhais, adagas (conhecidas como skeans) ou outros adornos, e um escocês morto tampouco os necessitava, embora ela pusesse o limite em arrancar os tartans dos cadáveres. Teve que afastar o olhar, porque seus meninos não tinham tantos escrúpulos. O botim do campo que tinham diante manteria quentes os lares dos granjeiros e lhes proporcionaria caça, porque poucos deles, ou nenhum, sabia fazer nada com a espada além de afiá-la para seu amo inglês.

O trabalho era angustiante, e várias vezes seu estômago esteve a ponto de esvaziar seu conteúdo, mas Agom resistiu, levantando uma mão aqui, uma bandagem lá, procurando anéis, braceletes, amuletos, facas, algo de valor, antes de passar ao seguinte.

Saiu à lua, projetando luz através dos fios tênues de névoa, e Agom estremeceu em seu kilt e seu tartán. Levantou o tecido do feile-breacan3 por onde pendurava contra seus tornozelos e tampou a cabeça. Era perigoso e sabia, porque umas pernas sem cabelo e tão bem formadas como as suas não podiam pertencer a um moço, por muito exercício que fizesse. Mas isso não podia evitar. Tinha as orelhas frias e não queria que ninguém visse o que se viu reduzido o último resto do clã Higurashi.

Havia um cadáver enorme de barriga para baixo no que tinha sido um matagal de cardos. O corpo do guerreiro tinha esmagado o matagal e era fácil ver por que. Agom olhou com os olhos entreabertos umas pernas que pelo tamanho pareciam troncos, uns quadris estreitos e uns ombros tão largos que se esqueceu de tudo o que não fosse uma benigna apreciação feminina.

O homem tinha um bom arbusto de cabelos pratas emaranhados sobre a cabeça. Agom não podia apreciar a longitude. Mal podia distinguir a cor dos quadrados. Aguçou a vista refletindo. Aquela tinha sido uma batalha de clãs, uma escaramuça, nada mais e nada menos. Havia apenas cinquenta mortos no campo e nenhum levava uma camisa tão finamente confeccionada, nem um kilt tão elegante, como o homem que tinha frente a ela.

Agom lhe deu com a bota e, ao não obter resposta, ajoelhou-se para lhe dar a volta.

Não teve tempo de gritar porque umas mãos que pareciam de ferro lhe agarraram os tornozelos e empurrou lançando Agom para trás com uma sacudida. A seguir o homem ficou de quatro, montou-a escarranchado e respirou como não podia respirar um morto. Agom ainda não tinha recuperado o fôlego e sabia que tinha os olhos muito abertos e assustados. Só tinha a esperança de que o tartán tampasse sua expressão.

—Roubando aos mortos, moço? Não sabe que está penalizado?

A pouca luz da lua ressaltava um nariz bem formado em um rosto bastante atraente para fazer desvanecer a uma donzela, e Agom não foi uma exceção, ao menos durante quatro pulsos. Depois disso ficou a espernear e a tentar desfazer-se dele, arrastando-se fatigosamente para trás para pôr o máximo de espaço entre ele e ela antes de atrever-se a voltar, ficar de pé e correr.

Iria por ela, evidentemente, e a Agom parecia que não tinha ferida nenhuma em parte do corpo enquanto se afastava engatinhando. Torrões de erva e calhaus marcaram seu avanço, afastando do campo de batalha e aproximando-se das rochas nas que se escondeu antes. Agom se moveu como uma possessa para elas e ele a seguiu todo o caminho.

O tartán lhe dificultava o avanço. O pé de Agom pisou em um extremo estragado e isso a deteve, lhe dando um puxão ao pescoço. Voltou a cair, ferindo parte do corpo que não era a primeira vez que se feria. Ele ficou em cima dela imediatamente, e o cinturão das armas lhe cravou no estômago e as coxas que tinha acreditado fortes caíram sobre suas pernas, imobilizando-a. Agom o manteve afastado com seus braços endurecidos pelo trabalho, mas sabia que não poderia suportar seu peso para sempre. Era muito maciço.

Os braços começaram a tremer devido ao peso. Depois lhe moveram incontrolavelmente. Ao fim sua resistência cedeu e ele caiu sobre seus braços dobrados sem que tivesse que fazer o menor esforço.

—Conhece o castigo e isto é o melhor que pode fazer?

Agora morreria e nem sequer seria a morte de um guerreiro. Agom fechou os olhos e se preparou para recebê-la, porque ele era muito pesado para lhe permitir sequer respirar. Algo nele mudou e deixou de estalar a língua. Agom abriu os olhos, olhou-o e ocorreu algo muito estranho. Quase como se tomasse um gole do melhor uísque Mactarvat em uma manhã muito fria. Nunca esteve segura, nem sequer depois, pelo que tinha sido.

—É fraco como uma mulher — disse ele finalmente — Não está em forma para ser um jovem. A isto nos vimos reduzidos?

Agom apertou os lábios. Seu pai e seus quatro irmãos tinham morrido em um campo de batalha como esse. Não tinham deixado absolutamente nada para Agom ou para sua irmã mais velha, de vinte e um anos, kikyou, a arpía do povo. Roubar aos mortos não era o que queria fazer, mas obtinha os recursos necessários para os granjeiros, e os moços necessitavam que alguém os liderasse. Os anciões do povo precisavam confiar em alguém, alguém a quem os moços pudessem seguir, alguém que não temesse aos poucahs, os skelpies ou as banshees. Necessitavam a alguém a quem pudessem obrigar a fazê-lo, alguém que não tivesse a ninguém a seu cargo e a ninguém que se encarregasse dela. Os anciões do povo necessitavam a alguém como ela para realizar a façanha. Necessitavam a alguém a quem pudessem forçar. Não a tinham deixado escolher. Olhou furiosa ao homem que tinha em cima.

—Além disso está fraquíssimo. Escasseia a comida? A caça? Por isso rouba aos mortos?

—Já não podem utilizar... seus bens —ofegou no espaço que lhe deixava para respirar.

Ele riu, com uma gargalhada como um disparo, e, inclusive com os seios enfaixados, Agom sentiu a reação, como lanças relampagueantes nos topos de seus seios. As ataduras não o dissimulariam e agradeceu ter as mãos esmagadas sobre essa parte do corpo. Concentrou toda sua energia em deter a reação e perdeu o princípio das palavras dele.

—...tomar um escudeiro onde o encontre. Sabe algo de cavalos?

Ela sacudiu a cabeça, mais por incompreensão que como resposta a sua pergunta, embora fosse o mesmo. Quase não sabia nada de animais como o cavalo. Os granjeiros pobres usavam suas próprias pernas.

—Bem, pois está a ponto de aprender. Se levante. Se monto escarranchado sobre alguém quero estar seguro de que é uma moça com curvas generosas, não um moço como um saco de ossos.

Não esperou resposta, separou-se dela e, antes que pudesse respirar com comodidade, a puxou pelo cinturão e a obrigou a ficar em pé.

A falta de ar era culpada de que se balançasse, e Agom respirou a grandes baforadas enquanto ele a olhava de cima abaixo. Estava mais que agradada de lhe chegar às maçãs do rosto, e ele não era um homem baixo. Mediria um metro e noventa, como mínimo. Ela era muito alta para ser uma empregada. De fato, era tão alta que ninguém a tomava por uma moça, jamais. Ao menos, não o tinham feito desde que tinha dez anos e perdeu a todos os seus em uma escaramuça sangrenta com o clã mais odiado da terra, e a partir de então mudou de gênero.

Nem sequer os cabelos longos até a cintura, penteados em uma trança, estigmatizavam-na como o sexo correto, especialmente com os homens baixos. Agom reprimiu uma risadinha antes que lhe escapasse. Esse homem queria que fosse seu escudeiro? Era uma coisa inaudita e completamente assombrosa. Sem dúvida teria moços disponíveis de seu próprio clã.

—Estes são as cores dos Higurashis —disse ele, com um tom depreciativo na voz — Os reconheceria em qualquer parte, embora os leve de qualquer maneira e em farrapos. Não está autorizado a levá-los. Não fica nenhum Higurashi sobre a terra. Meu clã se ocupou disso.

Agom se ruborizou e seus pensamentos se detiveram. Tremeram-lhe os joelhos, porque sabia exatamente quem era ele e por que deveria ter brigado como se os demônios do inferno a perseguissem. Pertencia ao clã mais odiado da terra: os simpatizantes dos saxões, os traidores, os violadores, o clã das terras altas denominado Taisho. Era um Taisho. O descobrimento teve nela o estranho efeito de que suas vísceras se abrandassem com uma sensação gomosa que reconheceu como medo.

Depois lhe pôs rígida as costas e suas pernas voltaram a sustentá-la. Soube que todas as preces que tinha recitado desde os dez anos tinham sido escutadas. Ela, que tinha tido tantas possibilidades de vingar a matança de sua família como de voar, recebia aquele presente. Não, a forçava à vingança. A arrastava a entrar em serviço de um Taisho e não havia ninguém a quem desprezasse mais.

Lascas de névoa lhe envolveram as pernas, fazendo que parecesse que surgiam sem pernas de um nada. Agom o olhou e ordenou a seu sangue que se acalmasse. Não era mais fêmea que os moços aos que liderava. Tinha matado tudo o que era feminino nela há muitos anos, nem sequer se via chateada muito frequentemente pela mais estúpida das doenças femininas, o fluxo menstrual. Entretanto, tudo o que tinha matado há anos corria por seu sangue enquanto o olhava. Mas não tinha nenhuma dúvida do que era.

Era muito bonito com diferença, com as maçãs do rosto marcadas, os lábios carnudos, o queixo fendido, os cabelos até o meio das costas e os olhos claros, de uma cor indeterminável, com pestanas largas. Também era corpulento... Fornido e musculoso.

Mas também era um Taisho. Talvez não o parecia, mas tinha debilidades e zonas vulneráveis onde uma adaga podia cravar-se quando não estivesse olhando. Também demonstrava a famosa estupidez dos Taishos. Estava pedindo a seu inimigo... não, estava obrigando à única pessoa que tinha jurado prejudicá-lo, que entrasse no círculo mais íntimo de sua vida. Era muito forte para que sua mente o absorvesse, e Agom observou como cruzava os braços enquanto ele esperava.

Tragou saliva e depois se encolheu de ombros.

—Me abrigava e me servia — respondeu por fim, levantando o queixo para olhá-lo diretamente aos olhos.

—Provavelmente o roubou de um cadáver faz mais de cinco ou seis anos. Deveria ter roubado outro e trocá-lo. Há coisas melhores nesse campo.

«Faz oito anos e nunca trocarei isso, bobo», pensou Agom. Entreabriu os olhos.

—Eu gosto da cor — respondeu sem nenhuma entonação especial. Sentiu-se muito orgulhosa.

—Cinza e negro opacos? O céu noturno tem mais cor. Vamos. Tenho roupa dos Taishos em minha tenda.

Não viu a reação dela e provavelmente foi melhor assim. Só alargou um braço e a empurrou colina abaixo. Não lhe dava nenhuma oportunidade de dizer sim ou não, e as duas vezes que ela tropeçou a empurrou ainda com mais força. Agom aguentou o tipo como pôde, mordeu a língua e manteve o passo.

O campo de batalha estava talhado de neblina, envolvendo tudo com um ar fantasmal que era desconcertante. Agom se benzeu rapidamente e viu que ele o tinha visto, mas não disse nada. Abaixou a cabeça e seguiu o ritmo dele, trotando a seu lado.

Se ele se deu conta dos nervos de Agom ao chegar junto ao cavalo, não o demonstrou. Agom olhou ao animal, viu que era mais alto que ela e começou a observá-lo com o que reconheceu como um princípio de respeito.

Voutou-se atrás quando o homem fez estalar a língua, falou baixinho e o cavalo relinchou para lhe responder.

—Não veio lutar — disse ela.

Ele a olhou enquanto selava o animal.

—Não — foi tudo o que disse.

—Então para que?

Ignorou-a e subiu ao cavalo com a força de seus braços, antes de passar uma perna por cima dele. Agom o observou fazê-lo, fixou-se nos músculos dos braços e depois nos das pernas, e tragou o excesso de umidade que tinha na boca. Deu-se conta de que não tinha visto um homem tão atrativo em sua vida.

Sentia-se tão molesta como violenta com a reação de seu corpo. Não lhe interessavam os assuntos femininos. Não lhe tinham interessado em quase uma década. Interessava-lhe vencer a todos com a atiradeira, o arco e lançando a adaga. Era especialmente competente caçando e pelo geral tinha uma oferenda para a panela da arpía. Essa era a única razão pela que kikyou tinha tolerado que Agom não houvesse dito mais de cinquenta palavras a sua irmã desde a morte da família. Para ela, kikyou não era uma Higurashi. Era uma fresca que recebia a qualquer homem entre suas pernas antes de lhe roubar tudo o que podia.

kikyou não era precisamente simpática, mas sem dúvida era feminina. Agom era justamente o contrário: orgulhosa, brusca e endurecida. Inclusive kikyou a chamava moço, embora, mais que nenhum outro aldeão, conhecia a verdade. Já fazia anos que tinha deixado de tirar o sarro de Agom por isso. Isso não as uniu mais porque não havia nada em Agom que fosse feminino. Não lhe interessava nenhum homem.

Sem dúvida não lhe interessava esse homem por ser bonito, corpulento e musculoso. Interessava-lhe porque esse homem era seu inimigo implacável.

—Me dê à mão. —Aproximou o cavalo a ela e se inclinou.

—Para que?

—Um bom escudeiro nunca questiona a seu amo.

—Eu não disse que queria ser seu escudeiro — respondeu Agom.

—Nem eu lhe perguntei isso. A mão. Ou prefere que lhe cortem isso como castigo por roubar aos mortos?

Deu-lhe a mão. Teve que utilizar seus próprios músculos para colocar-se escarranchada sobre o lombo do cavalo, porque tudo o que o homem Taisho fez foi levantá-la e puxá-la para seu ombro, e depois ordenar ao animal que se colocasse em marcha. Agom tampouco soube como o tinha feito. Mantinha toda sua atenção posta em não escorregar e cair.

Teve que conformar-se agarrando à cadeira pelos lados de seus quadris. Agom nunca tinha estado tão perto de um homem em sua vida e jamais com um animal vivo entre as pernas. Concentrou-se em impedir que o material de sua virilha a machucasse. Fez-o esticando os músculos das coxas e levantando-se um pouco por cima do lombo do animal. Não era tão fácil como parecia. Deu-se conta quando a noite se fez mais escura, as estrelas começaram a aparecer no céu e os músculos de suas pernas começaram a protestar.

Ao menos era alta e suas pernas eram quase tão longas como as dele, e não era tão incômodo como poderia ter sido estar sentada com as pernas abertas sobre um cavalo.

—Deveria dormir um pouco agora que pode — disse o homem.

—Dormir? Onde?

—Te apoie em minhas costas. Funciona.

—Não te deterá?

—Tenho inimigos. Para que ia lhes dar outra oportunidade?

—Outra?

—A batalha nesse campo não foi um encontro social e não saí dela intacto.

—Não se vê nenhum sinal — respondeu Agom.

Ele estalou a língua.

—Então olhou.

—Não, só digo que te move muito agilmente para estar ferido — disse ela.

—Recebi um golpe na cabeça. Ainda tenho que me limpar. Viajar de noite não é o melhor para fazê-lo. Digo-te.

—Então, por que o faz?

—Tenho inimigos, moço. Por toda parte.

Agom arqueou as sobrancelhas ao ouvi-lo e se apoiou no cavalo com o mínimo de cerimônia possível. Os músculos das coxas lhe doíam como se fossem carvões ardentes e se deu conta da futilidade do esforço. Teria que tolerar o balanço do cavalo.

Ficou rígida, ordenou-se ignorar o movimento e depois bocejou. Não foi tão difícil como tinha acreditado. De fato era bastante agradável se não estava pendente da masculinidade do homem que tinha diante.

Voltou a bocejar.

—Meu nome é Inuyasha. Inuyasha Taisho.

—Inuyasha? —perguntou ela.

—De Sengoku Otogi Zoshi Inuyasha. Inuyasha, versão breve. A minha mãe adora a história. Mas eu não sei soletrar.

—Inuyasha — repetiu Agom. «chama-se Inuyasha.» Quase lhe escapou uma risadinha sem poder evitar.

—Você tem nome?

—Sim — respondeu ela.

—Qual?

—Não é Inuyasha — respondeu ela com uma gargalhada.

—Quer que invente um para você?

—Adiante — respondeu ela.

—Agom.

Ela se sobressaltou.

—Como...?

—Esse é seu nome de verdade? —perguntou ele — Que curioso. Tenho um vassalo que se chama como o meu cavalo. Agom.

—Não disse que queira ser seu escudeiro.

—Fará-o. Não fica outro remédio. Tenho muitos serventes. Tenho tantos que começa a ser um problema. Há poucos que obedeçam, poucos que prestem atenção. Hão-me dito que necessito estrutura. Não conheço a estrutura. Mas minha mãe sempre me diz que necessito estrutura.

—Estrutura? —Agom estava mais que distraída.

—Tenho uma casa própria, mas bem um velho casarão que não queria ninguém mais. Tenho serventes para limpá-la, para defendê-la e para acender fogos. Tenho roliças criadas para levar a cama. Tenho serventes para comprar e vender, serventes para me preparar a comida e serventes para tocar música. Não tenho nenhum servente para meu cavalo e minha pessoa. Bom, tinha um. O campo de batalha me arrebatou. Você, que rouba aos mortos, ocupará seu lugar.

—Isso é estrutura?

—Provavelmente necessito uma esposa. Não queria que me atassem a uma esposa. Sabe o que significaria isso?

—Não — respondeu Agom.

—Acabou-se a boa vida. As esposas não o toleram.

—Coisas como criadas roliças para te esquentar a cama?

—Tem um rosto bonito para ser um moço. Também lhe esquentariam a tua. Ao menos, isso acredito. Esteve alguma vez com uma mulher?

—Não. —Morgan não riu, embora a surpreendeu muito não fazê-lo — Mas eu não me chamo Inuyasha.

—A estrutura é a morte da boa vida. Não necessito estrutura. —Suas palavras começavam a ser mal articuladas. Agom arqueou uma sobrancelha. Não era difícil descobrir seu ponto fraco. Parecia que tinha um bom punhado — Você necessita estrutura, Agom?

—Não necessito nada nem a ninguém — respondeu Agom.

Ele voltou à cabeça para olhá-la.

—É tarde, tenho um galo na cabeça e falamos de estrutura. É um escudeiro estranho, Agom. Tem sobrenome?

—Não — respondeu ela.

—Por que não?

—Meus pais perderam interesse — respondeu.

Ele riu.

—Te apóie em mim, moço.

—Não é necessário — respondeu ela, tentando encontrar um ponto cômodo para seu queixo contra o pescoço dele.

—Não lhe digo isso para que esteja cômodo.

—O que? —Sua cabeça devia estar tão densa como a paisagem, porque não entendia nada. Agom enrugou a testa.

—Servirá-me de apoio para as costas. Tenta-o, moço.

Ela se tornou para diante e tocou com a frente o espaço que havia abaixo da omoplata dele. Imediatamente, ele se apoiou com tanta força que a fez retroceder. Ele voltou a incorporar-se.

—Tenta-o de novo. Desta vez com um pouco de força. Sei que tem o bastante, apesar de seu aspecto ossudo. Apóie-te em mim.

Desta vez Agom se acurrucou contra as costas dele e se preparou para sustentar seu peso, mas não o sentiu quando ele se recostou. Só fechou os olhos e dormiu.

¹ É um sobrenatural cavalo d'águra do folclore Celta que se acredita os rios e lagos da Escócia e da Irlanda, o nome do gaélico escocês ou cailpeach Colpach "Novilha", consideradas hadas y mensajeras del otro mundo .

² São espíritos femininos, segundo a lenda, quando ela compareceu perante um irlandês anunciou sua morte iminente gritos de um parente. São consideradas fadas e mensageiras do outro mundo.

³breacan-Féile, uma longa peça de pano de lã cujas pregas primeiro é envolvida em torno da cintura, enquanto a segunda metade (era então enrolado no corpo superior, com uma ponta solta jogada sobre o ombro esquerdo.

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CAPÍTULO 02

O amanhecer se manifestou em forma de orvalho em todos os cabelos das pernas de Agom, que estremeceu um momento e depois abriu os olhos. Estava rígida do pescoço até os rins e as coxas lhe doíam até os joelhos. Olhou a parte de seu corpo onde o kilt se levantou mostrando claramente que, se se tratava de um varão, não estava muito bem dotado. Piscou ante a visão. Voltou a piscar. Fechou os olhos e os esfregou.

A visão não mudou.

Empurrou com a frente ao mesmo tempo em que puxava o tartán sobre seus joelhos, colocando-o entre ela e a cadeira. O grande corpo masculino que lhe tinha bloqueado o amanhecer só se agitou para diante e depois voltou atrás, apoiando-se no abdômen dela.

Tem os olhos âmbar.

A ideia lhe veio enquanto ele a olhava com o cenho franzido. Seus olhos não só eram âmbar, eram de um âmbar intenso e claro, como o Sol.

—É um skelpie? —perguntou em tom amável.

—Temo que não. Sou seu novo escudeiro, senhor — respondeu ela em tom altivo.

O cenho dele se enrugou ainda mais.

—O que ocorreu ao outro?

—Morreu na batalha. Lutou como um valente — respondeu ela.

Viu como enrugava ainda mais o rosto.

—Que batalha?

Seria mais fácil responder se não se estivesse apoiando nela e empurrando-a ao mesmo tempo para a cauda do cavalo.

—Pelo que eu sei, eram saqueadores que recebiam seu castigo.

—Saqueadores?

—Ladrões. Montanheses. Chamam-se Killoren. São de sua família?

—Saqueadores? —repetiu.

—Acredito que não se conformavam roubando gado. Tinham que vingar um sequestro.

—Um sequestro?

—Killoren tinha uma formosa filha. Já não está.

Franziu o cenho.

—A levaram?

—A levaram e tomaram, não sei se me explico.

—Quem?

—Os Mactarvat. Habitantes das terras baixas. Um grande clã. Nem tanto em bens como em terras, mas são muitos, isso sim.

—Por quê?

—Os Mactarvat destilam uísque. O melhor da zona. Não gostam de nada que lhes roubem o uísque. Não sabiam que levavam a filha de Killoren.

—Este é o problema deste país. Muitos clãs brigando entre eles. O que precisamos é... —calou-se e a olhou — É lealista?

Agom expressou seu desgosto com o lábio superior. O cavalo respondeu com um relincho.

—Pareço lealista?

—É o moço mais fraco que vi em minha vida, não te sobra um grama de carne.

—Quando acabar com seus elogios, importaria-se de se afastar de mim um pouco? Estão-me dormindo as pernas.

O olhar dele se voltou mais duro.

—Onde estamos?

—Sobre seu cavalo — respondeu ela.

—Meu cavalo — o repetiu, afirmando sem perguntar — Estamos perto de uma tenda?

Agom olhou a seu redor. Não só estavam perto de uma tenda, estavam-na pisoteando. Olhou os restos de paus, tecidos, utensílios de cozinha e sorriu astutamente.

—Sim — respondeu.

—Bem. Está bem treinado. — Olhou como se incorporava na cadeira agarrando-se a braçadeira — Mentiu, moço. Não estamos... perto... —Falhou-lhe a voz enquanto se posicionava para lançar-se à água antes de cair de cabeça sobre os restos de seu próprio lar.

Agom quase deu rédea solta ao mais parecido a uma risada que tinha sentido em anos, mas se reprimiu. Estavam muito perto de chão inglês e tinha um Taisho ao que atormentar. Por agora era suficiente com que estivesse coberto de fuligem até os pés.

Agom se deslizou torpemente do cavalo, disse-lhe que não se movesse e se foi para as árvores para aliviar-se. Quando voltou, o cavalo seguia no mesmo lugar e Inuyasha Taisho seguia em cima do montão de cinza, com um sorriso em seu atrativo rosto e uma letanía de roncos emergindo de sua boca. Agom pôs cara de circunstâncias, pensou por um momento em partir e depois suspirou. Não desperdiçaria aquele presente. Tinha perdido a conta das vezes que tinha rezado por ter ao poderoso Taisho em suas mãos. Não pensava desperdiçar a ocasião.

Desfrutaria fazendo que sua vida fosse tão curta e miserável como ele tinha feito a dos Higurashi. Agarrou o arco e uma flecha e partiu. Alguém devia procurar o alimento, e não seria ele.

Acendeu outra fogueira, e tinha uma lebre assando e um bom gole de uísque no estômago quando Inuyasha Taisho a obsequiou com seu olhar âmbar. Ela não o viu, sentiu sua atenção por uma mudança dos elementos, uma labareda da fogueira, ou talvez foi um tremor das folhas por cima deles. Olhou-o desde seu assento sobre um tronco, onde uma pequena pilha de lascas mostravam o que tinha estado fazendo, e lhe sustentou o olhar. Não sabia que seria tão cálido como o uísque.

Agom não disse uma palavra enquanto ele piscava, abria muito os olhos e depois levantava a cabeça da montanha de cinza, espirrando um montão da mesma e tossindo como se tivesse febre. Teve que arquear as costas para tirar tudo. Agom o observou um momento antes de seguir com sua talha. Mas teve que apertar as bochechas para dentro para não rir.

—Pelas barbas de Cristo! Que diabos me aconteceu?

—Esteve comendo cinza — respondeu ela.

—Cinza?

—Cinza — insistiu ela, olhando-o.

A hilaridade de sua voz fez que a olhasse com dureza. Agom tragou a borbulha de risadas que tinha na garganta. Custou-lhe toda sua compostura não reagir aos sulcos negros de lágrimas que sujavam o rosto dele.

—Como acabei aqui?

— Caiu.

—Cai?

—Da grande besta de quatro patas. —Fez um gesto com o singelo esculpido — Me disse que estava bem treinado. Eu não tenho nada a ver.

Ele blasfemou, levantou-se se apoiando nas mãos e pés e depois se incorporou, sacudindo inutilmente a capa do pó que levava em cima.

—Caio sobre uma fogueira e me deixa aí?

—Não podia te mover. Deveria te haver buscado um escudeiro mais robusto. Ou isso, ou comer menos.

Ele a olhou com raiva, com os olhos brilhantes sob o rosto branco de cinza, e Morgan reprimiu um calafrio. Não pensava deixar-se assustar por ele.

—Faz algo útil e me encontre outro tartán.

—Já tenho feito coisas úteis. Cacei uma lebre para seu jantar, acendi uma fogueira para assá-la e esculpi um brinquedo para dar de presente a seguinte moça roliça que se meta em sua cama.

Agora ele apertou os punhos. Não parecia divertido. Agom sentiu que lhe arrepiavam os cabelos da nuca. Não fez conta. Olhou-o com total indiferença.

—Também tenho um tartán para ti.

—Eu gosto do meu — respondeu ela — e não disse que trocaria o meu só para te agradar.

—Trocará-te e ajudará a me trocar, e vai fazê-lo depressa.

—Não me diga — respondeu ela, e teve que ignorar que se moveu e como o tinha feito. Para ser tão corpulento, não era fácil seguir seus movimentos. Agom entreabriu os olhos e o estudou. Estava treinado para mover-se depressa e sem chamar a atenção, como ela. Não lhe tinha visto fazê-lo.

—Vá procurar kilts limpos. Não terei os quadrados dos Higurashis em meu acampamento. Meu clã me penduraria pelos polegares.

—Por quê?

—Vai procurar os kilts ou terei que te obrigar a fazê-lo?

—E como pensa fazer isso? —Levantou o pedaço de gelo para inspecioná-lo, girando-o de um lado e do outro antes de voltar a olhá-lo. Não lhe fazia graça quando não o tinha localizado.

—Com a força bruta — respondeu ele desde atrás da orelha esquerda de Agom, antes de agarrá-la pelo cinturão e levantá-la do chão.

Agom patinou no chão e pela cinza onde tinha estado ele, e os joelhos levaram a pior parte. Mas ficou rapidamente em pé e tirou as nove adagas escondidas nas meias. Tinha-as agarrados pela folha quando voltou para enfrentar a ele, agachando-se ligeiramente ao olhá-lo.

—Essa é sua resposta? Palitos? —Assinalou as folhas de adaga que se sobressaíam entre seus dedos.

Lançou-lhe uma justo no centro da fivela do Taisho e ele se tornou ligeiramente atrás enquanto o olho de dragão que tinha atravessado tremia.

—Boa pontaria — a provocou, avançando um passo para ela.

Lançou duas mais ao mesmo lugar exato, onde agora tinha três, como uma almofada de alfinetes se sobressaindo de seu peito. Ele mostrou um pouco mais de respeito e se agachou pela metade, embora não tanto como ela.

—Necessita uma folha maior para deter um Taisho, moço. Seu anterior amo deveria ter lhe ensinado isso.

A resposta dela foi três lançamentos rápidos, que deixaram as três adagas cravadas nos punhos do cinturão dele. O seguinte se cravou na bolsinha de pele do kilt, onde se iniciou uma trilha escura.

—Esse uísque que verteu é bom — disse ele — O castigo não será tão indulgente como um banho e uma mudança de roupa. Pode ser que queira usar a correia sobre esse corpo esquálido teu.

—Afaste-se, Taisho — disse ela, fazendo girar as duas últimas adagas entre os dedos, cada um em uma mão.

—Por quê? Não me deu nenhuma razão. Um parvo pode lançar adagas e não conseguir nem arranhar seu inimigo. Só ficam duas. Pensa me barbear com a próxima?

—Se tivesse querido seu sangue, estaria sangrando — respondeu ela.

—E os porcos voariam — respondeu ele.

A adaga que ganhou por sua resposta fatiou a orla da meia três-quartos. A seguinte cortou a do outro.

Inuyasha olhou as pernas, depois levantou a cabeça. Agom viu que abria muito os olhos olhando as três adagas que ela tinha tirado da parte traseira do cinturão. Fez-os girar, um na mão direita, duas na esquerda. Viu que lhe observava as mãos.

Não queria lhe fazer dano. Não queria lhe fazer sangrar. Ainda não. Sabia perfeitamente que as adagas não deteriam um homem de sua corpulência, a menos que lhe desse em um órgão vital ou tivesse tempo para deixá-lo sangrar até morrer. A teria estrangulado antes que isso acontecesse.

Agom sempre tinha sido respeitada por sua habilidade com as adagas. Nunca tinha necessitado as nove adagas que levava nas meias três-quartos. Nunca tinha tido que recorrer às últimas três do cinturão. Ela e Taisho começaram a desenhar círculos, com a lebre assando entre eles. Não estava tão despreocupado como fingia, porque uma capa fina de suor começava a abrir passo entre a cinza de seu rosto.

—Está disposto a deixá-lo e ir procurar meu kilt? —perguntou.

A adaga passou assobiando entre os cabelos, junto a sua orelha, levando uma mecha. Ele não se arredou. Agom era a que tinha as palmas suadas.

—E o teu? —continuou — Desejo ver-te bem vestido, com minhas cores verde e azul. É uma grande combinação, da que não precisa te esconder. Às moças também gostam.

Os cabelos detrás de sua outra orelha receberam o mesmo barbeado. Agom começou a suar também. Sabia que só ficava uma adaga. Nunca a tinham posto tão a prova. A folha estava escorregadia pela umidade de sua palma e lhe custava sustentá-la. Mas não lhe notava.

Ele sorriu e, entre os sulcos de cinza, seu rosto tinha um aspecto horrível. Agom tragou saliva.

—Estava procurando um bom barbeiro. Se conhecesse suas habilidades, teria cortado o cabelo antes.

—Está tão bem dotado entre suas pernas, Taisho, que ri de mim?

—Rir de você? Não vale o tempo que me levaria. Só fica uma oportunidade, moço. Eu de você não voltaria a errar. Tenho um montão de cinza que limpar, tenho que pôr um kilt limpo, tenho uma saborosa lebre assada para comer e meio, não... —Olhou a bolsinha de pele que seguia esvaziando-se sobre sua roupa coberta de cinza, deixando um sulco escuro. Depois voltou a olhá-la. Seus olhos poderiam ter sido buracos negros pela emoção que mostravam desde seu rosto branco de cinza —... Melhor dizendo, um terço de meu uísque. Afasta a folha e me ajude. Concederei-te este pouco de clemência. Você não gostará da alternativa. Baixa seu palito.

Agom seguiu com a adaga na mão. Não pensava soltá-la tão facilmente. Tinha que escolher o alvo. Só havia um que o abateria sem matá-lo. Dava-lhe medo pensá-lo. Se era pequeno, ou não dava no ponto vital, estava morta. E se dava no ponto vital, também estava morta.

Inuyasha arqueou as sobrancelhas.

—Custa se decidir? Um lançador de facas tão bom como você? Venha, moço, afasta a faca. Os dois trocarão nossas sujas vestimentas e poremos roupa limpa. Evidentemente faremos migalhas essa roupa Higurashi e...

A última adaga atravessou o kilt entre as coxas, rasgando o tecido, e com um ruído surdo deu no tronco que havia atrás dele. Agom lhe ouviu rugir e não era de dor. Já estava saltando obstáculos e esquivando árvores para fugir dele.

«Maldito seja por tê-lo pequeno», pensou.

Agom era rápida. Era ligeira. Podia mover-se rapidamente e tinha experiência, embora o sol já estava baixando e ele tinha montado sua tenda destroçada perto de uns troncos caídos. Também tinha acampado muito perto de um curso de água e a névoa que trazia não estava longe. Se pudesse mantê-lo afastado até então, poderia esconder-se facilmente.

Deteve-se, sintonizando imediatamente com o bosque que a rodeava, e não ouviu nada. Tampouco sentiu o empurrão. Só soube que golpeou a testa contra uma árvore antes que ele a agarrasse pelo pescoço da blusa com uma mão e a levantasse do chão sacudindo-a. Agom o olhou com expressão atônita, não porque fosse capaz de levantá-la com um só braço, mas sim porque os ouvidos ainda lhe zumbiam do golpe que tinha recebido.

Depois sentiu que se afogava quando ele a inundou na água e a sustentou no fundo do riacho. Antes que perdesse a consciência e tragasse água, levantou-a, sacudindo-a até que a cabeça lhe vibrava, e voltou a inundá-la outra vez. Ao terceiro mergulho Agom tinha o estômago cheio de água e já estava tossindo, e isso não foi suficiente para ele.

À quinta vez, Agom se esqueceu de puxar ar e ficou quieta no fundo do riacho, arranhando o rosto com os calhaus e deixando-se cobrir pelo musgo. Iria morrer, e tudo porque tinha sido tão estúpida por não lançar uma faca mortal contra seu inimigo quando tinha podido.

Já via luzinhas brilhantes através das pálpebras quando ele finalmente a levantou e a manteve afastada com um braço, olhando-a com o cenho franzido. Agom se perguntou por que se tornou tão brilhante e teve ocasião de ver pontos negros flutuando em sua visão antes de recuperar a normalidade. Não havia nada normal no escuro ódio que emanava dos olhos dele, olhando-a por todas as gretas secretas nas que se ocultou.

Voltou a blasfemar e se foi para a borda, arrastando-a com ele. Tinha o torso dela apanhado entre suas coxas e isso era o final. Já não podia lutar. Nem pensar. Viu o brilho de uma faca e fechou os olhos.

—Abre os olhos e enfrente seu castigo, Agom!

Tinha uma mão fechada ao redor de seu pescoço, apertava um braço contra seu peito e na outra mão tinha uma adaga que fazia que as adagas de Agom parecessem palitos, como havia dito ele. Agom sentiu a ardência das lágrimas e odiou a si mesma por tal debilidade, enquanto lhe escorregavam dos olhos, que nem sequer eram capazes de piscar.

—Lágrimas? Chora como uma mulher, agora?

—Me mate de uma vez e acabemos — grunhiu.

—Por muito que queira não te matarei. É difícil encontrar um bom escudeiro escocês. Mais difícil ainda um lutador escocês, sobre tudo um tão bom com a adaga como você. Só vou te dar uma prova de seu próprio remédio.

—Não! —Gritou, enquanto lhe agarrava a trança para levantá-la. Sentiu o frio do aço na pele.

—Esta madeixa de cabelo?

Estava cortando-o com sua folha, e Agom começou a soluçar e tremer. Era o único que ficava de sua infância e quão único a assinalava como o que era, uma mulher. Agom se odiou outra vez por isso.

—Por favor — sussurrou.

Ele deixou de cortar. Agom conteve a respiração.

—É tão importante para você?

Ela assentiu.

—Por quê?

—Não sei — sussurrou ela.

—É muito comprido. Incomodara-te. Se se solta durante o combate está perdido.

—Não se solta — respondeu ela.

—O meu não cresce além da metade das costas.

—Eu não sou você — respondeu Agom.

—Se te deixo conservar a trança, obedecera-me? Será meu escudeiro em todos os sentidos? Guardara-me as costas e te ocupará de minha pessoa sem protestar?

Agom tragou saliva com a garganta muito dolorida, muito fechada e muito seca.

—Corta-a e acaba de uma vez — respondeu, fechando os olhos a tudo o que ocultou a si mesma, e esperou que o fizesse. Mas suas lágrimas estavam cessando e a mulher que tinha tentado destruir nela era a que soluçava. Disse a si mesma que eram só cabelos. Voltariam a crescer. Era uma estupidez conservar algo só porque sua mãe, em outra vida, tinha tido uns cabelos iguais. Mas nada do que dizia a si mesma funcionava.

Ele a separou de um empurrão.

—Tire essa roupa Higurashi. Tenho um kilt para você. Se não estiver despido, limpo e esperando quando voltar cortar-te-ei algo mais que a trança. Entendido?

Ela já estava tirando o tartán.