Peace color blush.

- Então você quer que eu entre numa agência de modelos mega famosa que por um acaso é a favorita da Shiseido pra ser modelo... É isso mesmo, pai? - falei, enquanto comia arroz com meus hashis preto, embalsamado pela gordura do peixe frito.

Meu nome é Ryou Akiyama. Sou filho de Eiichi Akiyama, um aclamado fotógrafo no meio artístico. Tenho 25 anos e atualmente trabalho como professor de Inglês e faço alguns bicos como enche-linguiça (aka modelo de coisa alguma) em revistas de Okinawa.

- Isso. A Donna Models pediu um "típico porém lindo" japonês, e eles me intimaram pra te chamar. - meu pai passou a mão pelos cabelos, parte deles grisalho - Eles te querem pra posar com uma das nossas modelos.
- Ah, eu sabia que sair naquela revista de frescura de mulher iria me dar problema... - suspirei. Lembrei automaticamente que tive problemas com as minhas alunas depois de uma edição qualquer da betsucomi ter eu como um suposto "namorado perfeito".
- Não diga problema, o cachê foi excelente.
- Fato. - engoli a comida

Ficamos em silêncio. Me recordei que a Donna, além de ser a queridinha das marcas de maquiagem, também emprega uma amiga minha. Como posso esquecer da ilustre Jun Motomiya, que fareja talento, beleza e casais toscos (tipo eu e Ruki)?

- Esse trabalho ai... Quem vai ser a modelo com quem vou trabalhar?
- Não decidiram ainda. Parece que todas estão com coisa pra fazer, a primeira que vagar eles pegam.
- Quantos dias?
- Pelo menos duas semanas. Se tudo der certo eles cogitam em te fazer permanente.
- Sem essa. - eu ri. - Meus alunos ficariam malucos.
- De fato. De professor numa escola pública de um lugar quase inóspito a um modelo internacional. Isso daria o que falar.

Meu pai, assim como minha adorável mãe, queriam que eu fosse do ramo da moda. Sempre fui uma criança linda, segundo o que eles me diziam, não havia uma que não se apaixonasse pelo meu sorriso torto ou pelos meus olhos. Obviamente eu ignorava tudo isso, me sinto melhor ensinando Rather e Shall para crianças do ginasial.
Mas parece que, se não trazem o homem à montanha, eles levam a montanha ao homem.

- Certo, eu vou. É verão mesmo... - terminei de comer. - Mas me prometa que esse vai ser o último ensaio se não der certo.
- Fechado. - Meu pai sorriu.

Nesse momento o celular tocou.

- E falando no diabo... E ai, Jun! - ele colocou no viva voz.
- Eiichi-san! E ai? Derretendo em Fukuoka? - ela riu, franca.
- Nah, tá sossegado. Escuta, eu falei com o Ryou.
- E ai? - ela aparentou estar apreensiva.
- Fala pra Rumiko que a Shiseido vai ter o Japonês Tipicamente Lindo pra capa do Vivid.
- KYUSHU SEJA SAGRADA! Eu te amo, Eiichi-san! Wooooow! - ela gritou de felicidade.
- Hey Junnie!
- Ah você estava ouvindo, seu safado?!
- Falando de mim e não quer que eu escute? - dei uma risadinha
- Ahahahah eu já ouvi essa frase na boca de outra pessoa! Mas enfim, que foi?
- Como que vai ser? - Falei
- Eu ainda não sei com quem, mas é uma série de fotos pra atualizar as brochuras deles. É um trabalho bem grande.
- Tem alguma previsão de quem vai ser?
- Hm... - ela pensou. - Chi, pega a agenda pra mim, por favor? - ouvi um "aqui, Jun-sempai" e o folhear de algumas páginas. - nenhuma, mas pelo grau da Shiseido vai ser uma das tops.
- E o Japão têm alguma top?! - questionei. Nada contra as japonesas, mas as nossas mulheres não são daquelas que desfilam em passarelas com roupas extravagantes, e sim em Harajuku com o estilo pessoal delas.
- Que merda de pergunta é essa, Ryou? É CLARO QUE A GENTE TEM! - Ela bradou - Enlouqueceu, homem? Pelo menos umas vinte!
- Já que você diz...
- Uma das grandes tops é a Rumiko.
- Rumiko, Rumiko... - tentei pescar algo que atendesse à esse nome, e num lampejo veio - Rumiko Makino?
- Yep. A gloriosa mamãe da Ruki.
- Mas ela está meio... Velha, não?
- Ela nem têm quarenta anos, abaixa o taco ai. - ela intimou.

Lembrar da Rumiko me fez lembrar de Ruki. E o que será que aquele demônio anda fazendo? Comendo Misoshiro e arrumando mais argumento pra me criticar?
A voz que parecia pertencer à Chi chamou por Jun e falou, sucinta, "achamos uma modelo".

- Ryou vou indo, parece que acharam uma modelo pra campanha.
- Oh. Ok.
- E venha logo pra Tóquio! - ela desligou.

Ouvi o barulho da linha e desliguei o celular.

- Ah esse verão vai ser legal... - Me levantei da mesa e saí, cantarolando, enquanto meu pai agradecia às cinzas de minha mãe pelo destino ter realizado o sonho deles.

Enquanto fica essa burocracia pra pegar um avião, vamos esclarecer uns pontinhos aqui.

Sou formado em psicologia e posso dar aula. Optei pela língua Inglesa porque, de todas as seis que eu sei, sou mais fluente nessa. Quando o dinheiro aperta eu acabo fazendo esses ensaios de revista pra agências de modelo e ganho um bom cachê, apesar de que não é muito o que eu gosto. Falando honestamente, sei muito pouco do mundo da moda.
Quem me introduziu nesse inferno foi meu pai e a Jun, já que ambos trabalham com isso. Meu último feito foi sair na betsucomi, o que causou na movimentação inesperada do meu fanclube e as juras de amor colegial delas. Eu me vi em maus lençóis com a diretoria apesar de que amei ser tão idolatrado.
E sobre esse trabalho com a Shiseido...
... Vou porque quero dar uma volta pela Europa no fim do ano. O cachê é grande o suficiente pra cobrir todas as despesas e ainda pagar as contas de casa. Mas tem um problema que estava desafiando toda a minha masculinidade.
E esse problema tem nome e sobrenome.
Ruki Makino.

Eu achava que Millenniunmon seria a maior dor na bunda que eu iria pegar durante a minha vida, mas essa garota se mostrou ser bem mais. Se eu tivesse de definir esse demônio em poucas palavras, eu usaria "teimosia de olhos claros". Porque eu nunca vou encontrar uma menina tão teimosa e cheia de si como ela.
Fazia mais de dez anos que eu havia visto ela, então não faço ideia de como ela se parece agora, mas sei que ela também é uma modelo de grande porte (acabei de ler isso no hall do aeroporto) e que, como eu já conheço o destino, algo me diz que vai ser ela essa modelo inesperada.
Mas... Mas... Mas... Eu quero comer chucrute de verdade...
Pelo dinheiro, Ryou. Mostra esses dentes arrebatadores e essa bunda gigante, pega o dinheiro e de Narita pra Alemanha, cara.

E assim eu aterrisso em Tóquio. Estava chovendo quando olhei pela janela e lá estava mais um avião da Etihad, e no momento que eu olhei uma mulher de um cabelo comprido e de um ruivo que dava pra ver lá de Wakkanai descia. Confesso que fiquei fascinado, mas meu pai me tirou do transe e fui para a sala de espera de quem havia chegado. Lá, uma Jun sorridente acompanhada de uma japonesa vestida como uma pinnup americana dos anos 60 acenaram e nos abraçaram, ao mesmo tempo que procuravam por um taxi que pudéssemos pegar.

- Ryouzinho, Eiichi-san, bom ver vocês, meninos! - Jun nos cumprimentava. - Quero que conheçam a Chi. - e apontou para a pseudo pinnup - Ela é uma trainee pra assumir um cargo de maquiadora chefe.
- Chizuru Kawano, prazer. - e se curvou como uma japonesa comum. - Espero que possamos fazer um bom trabalho juntos.
- Ela vai estar trabalhando na maquiagem desta campanha. - Jun
finalizou.
- Eu sou Ryou Akiyama, filho do Eiichi. É um prazer te conhecer. - retribui a formalidade. - Também espero que possamos trabalhar juntos e bem.
- Jun, diz ai, quem é a menina? - Meu pai perguntou.

Nessa hora um táxi passou e pulamos todos para dentro. Jun pediu ao motorista que nos levasse para Shibuya.

- Olha, Eiichi-san, não faço a menor ideia. Tudo o que me foi passado é que ela acabou de voltar pro Japão, e pediu pra reunião ser amanhã durante a tarde pra ela lidar com o JetLag. - Jun respondeu.
- O que eu ouvi é que ficaria entre a Matsukasa e a Makino. Ambas estavam fora e voltaram hoje pro Japão. - a Pinnup falou, ajeitando os óculos RayBan - Eu não duvidaria nada se fosse a Ruki-tan.
- Fato, aquela campanha que ela fez pro site junto com as coreanas deu rios de dinheiro pra Shiseido, - meu pai falou - se bem que a Matsucchan também rendeu horrores pra Shiseido.
- E ai, Ryouzinho, qual prefere: a Rainha do Gelo ou a Flor de Primavera?

Eu estava absorto olhando pra paisagem que foi inevitável falar "eh?" Quando me chamaram.

- Desculpa, eu estava distraído. Qual era a pergunta?
- Chi falou que o papel de modelo da campanha da Shiseido poderia ser ou da Makino ou da Matsukasa. Qual das duas você prefere?
- Sei lá. Falando por nome eu não lembro.
- Matsukasa foi a modelo da Revlon, daquele batom vermelho absurdo, e a Makino saiu na Runaway de Londres com o novo look de verão. - a pinnup falou.

Refleti. Falando por mim, não sou muito fã de batom vermelho e pra piorar escolheram uma modelo muito magra e sem vida... Uma japonesa qualquer. A Runaway de Londres eu olhei muito por cima pra dizer que cheguei a ver a cara daquela desgranha de menina. No fim achei melhor dar uma resposta mais neutra.

- Tanto faz. - e dei de ombros.

A pinnup e meu pai suspiraram. Jun olhou pra minha cara e falou, sem emitir voz.

- Vo-cê-quer-a-Ma-ki-no.

Senti meu sangue esquentar quando entendi o que era. Me voltei pra janela e não tirei meus olhos de lá enquanto a conversa sobre a Donna rolava à solta entre eles.

No dia seguinte, por volta das duas da tarde, tive de ir na agência. A primeiro momento eu amei o lugar, porque dava pra ver o prédio do parlamento claramente do outro lado da rua. E logo eles me levaram para uma sala com janelas enormes e pôsteres de suas maiores estrelas.
Jun, Chizuru (é, parei de chamar ela de pinnup), meu pai e eu, junto com um cara da Shiseido, o responsável pela campanhani, tivemos uma conversa prévia sobre.

- Acho que agora falta a modelo feminina, não, Motomiya? - o agente perguntou.
- É... Creio que ela logo estará-

De repente ouvimos um barulho de salto de mulher. A cada passo ficava mais forte, até que em pouco tempo a porta se abriu.

- Com licença.

De longe ela era a mulher mais linda que eu já tive a honra de conhecer.
O corpo esbelto, branca como um floco de neve, dedos finos decorados com dois anéis de prata. E com eles carregava um café.
E como não reparar nas curvas? Nada exagerado, parecia montada. Tinha os ossos do pescoço aparecendo e ostentava uma corrente fina de prata, que ressaltava ainda mais a simplicidade da roupa, que era apenas um vestido preto de alça e um sapato vermelho.
Quando lembrei de olhar o cabelo, me entreguei de vez. Ruiva. O cabelo laranja amarrado em um rabo de cavalo que atingia um pouco abaixo do ombro. Alguns fios desarrumados a brincar com a franja.
A maquiagem não poderia ser melhor. O strike de delineador líquido ressaltava o formato de seus olhos e clamava por atenção para a cor lilás-quartzo. E nem me dou ao crédito de comentar o perfume.

Mas...
... Ryou...
...Essa não é a sua definição de inimiga da humanidade? Não é ela que habitou seu coração com fantasias de menino de catorze anos e depois com seu ódio de vinte?

- Srta. Makino! - o agente exclamou. Senti emoção na voz dele.
- Peço que me perdoe pelo atraso. Ainda sofro com o JetLag. - ela se curvou.
- n-n-Não tem problema, entendemos seu lado, um vôo da Romênia até aqui é bem cansativo. - o agente falou.

Os olhos dela se levantaram.
E cruzaram com os meus.
O rosto dela enrusbeceu de leve.
E eu me levantei da cadeira. Eu estava irado.

- POR QUÊ NINGUÉM ME DISSE QUE EU IRIA TRABALHAR COM ESTE MONSTRO? - Gritei.

Todos olharam para mim.

- Ryou, se acalme, por favor! - Jun tentava me acalmar.
- Não, na moral, eu vou ter de trabalhar com ela? Ela que me xinga de tudo?
- Ryou, acalme-se! - meu pai ordenava.
- Não, deixa eu falar! Eu-

Olhei pro rosto dela. Eu esperava que ela viesse com toda a acidez de rotina que sempre vejo no twitter mas agora o rosto dela estava parecendo ser feito de mármore. Pálido, indiferente, inatingível.

Ela silenciou minha fúria quando andou até a mesa e abriu a bolsa e de lá puxou um cartão azul-escuro e entregou para o agente.

- Sei que estou abusando de sua boa vontade, mas gostaria de pedir que me ligasse para discutir sobre essa campanha.
- Mas... Makino, eu preciso discutir isso com ambos...

Ela olhou pra minha cara. Sentia meu sangue ferver. Meu pai e Jun me seguravam.
Ela fechou os olhos e os abriu, olhando para o agente.

- Não gosto de trabalhar com pessoas que não sabem separar vida pessoal de vida profissional. Podemos marcar uma nova reunião quando ele aprender isso, até lá me deixo à sua disposição.

E com isso ela se curvou de novo e saiu.

- Yamaguchi, me dá um tempinho pra conversar com Akiyama? - Jun disparou.
- Claro...
- Chi, chame a Ruki de volta. - Jun ordenou enquanto me puxava pra uma sala adjacente. - pede pra ela esperar nessa sala!

Chizuru saiu correndo, o mais veloz que os saltos lhe permitiam.
Jun me puxou pra uma salinha, e quando entramos ela fechou a porta.

- Meu amor, você tá na menopausa ou o quê? - Jun disparou, irritada.
- Mas Jun, você mesma vê! Cada coisa horrí-
- Ryou, entende isso: twitter é twitter, trabalho é trabalho! Seja profissional, porra!

Me assustei.

- A Ruki tá espumando de ódio e doida pra te mandar pro diabo que te carregue, mas ela não pode recusar! É trabalho! E fim!

Não tive forças pra rebater.

- ... Mas ninguém me falou que seria ela!
- Nem eu estava sabendo disso! - Jun disse e passou a mão no cabelo - Escuta: se você vai desistir a hora é agora. Ou vai ou racha.

Jun estava nervosa, mas quando ela falou essa frase seus olhos suplicaram para que eu ficasse e não arruinasse a carreira dela. Refleti por um minuto.

- Eu vou tentar meu melhor. - falei vagarosamente, enquanto lutava contra meu orgulho.
- Ótimo. Eu espero que você seja todo aquele macho alfa que nem você mostra no twitter. Agora levanta essa bundinha ai e simbora porque Shiseido é Shiseido e eu to com passagem pra Honolulu marcada! - ela abriu a porta, sorridente. Quando voltei pra sala, me curvei pedindo desculpas. O demônio já estava sentado, com as pernas cruzadas e me fuzilando com o olhar indiferente.

Deixa eu me retratar.
Eu tenho uma queda absurda por ruivas. Aquele cabelo laranja têm um poder sobrenatural sobre mim.
Mas eu não gosto da Makino.
Ela já me deu tanto passa-fora e coice que chega uma hora nego não aguenta mais.
Nem mesmo um cara persistente que nem eu. Não há amor que resista.
Eu nem mesmo sei quando que deixei de imaginar ela como minha namorada e passei a associar com aquela personagem que os cristões chamam de Satanás. Mas sei que passei a fazer isso faz alguns poucos anos.
Mas essa Makino não têm absolutamente nada comparada com aquela menina de dez anos atrás.
Por onde eu andei que não vi aquela demoniazinha se transformar na Deusa Celta com quem sempre sonhei em casar?
Senti meu corpo tremer quando o agente falou em tirar fotos como casal mas fiquei absorto em espanto em ver ela lidar com tudo com profissionalismo. Tratava com interesse mas deixava claro que aquilo morria no set de filmagem.

Apenas deixei que ela lidasse com tudo. Normalmente eu participava ativamente da reunião mas ela foi mais dominante do que eu. Quando dei por mim, mais de três horas haviam se passado.

- Creio que seja isso, por hora. - Yamaguchi falou. - ligo para vocês se houver mais algum extra.
- Fechado. - falou Makino. - Começaremos amanhã?
- Acho melhor não. Se não se importar de começarmos na segunda...
- Sem problemas pra mim. - ela afirmou. Logo voltou o olhar pra mim - Tudo bem pra você, Ryou? Ou quer começar amanhã?

É estranho ouvir ela falar meu nome tão claramente. Me senti meio... Menininha quando ela entonou meu primeiro nome.

- O que você achar melhor, Ruki. Creio que tirar a sexta e o fim de semana para me organizar aqui em Tóquio seja melhor.
- Ok, então começaremos na segunda às nove. - finalizou Yamaguchi.

Nos despedimos do agente. Ele foi embora, enquanto Jun nos segurava na sala.

- Certo, crianças, alguma objeção, reclamação ou algum ão que eu tenha esquecido? - Jun declarou assim que a porta da sala se fechara atrás de Yamaguchi.
- Nada a declarar. - Ruki disparou.
- Um café agora seria divino. - e me espreguicei na cadeira. Ruki me olhou de canto de olho. - Eu tô quebrado.
- A pessoa nem aguenta uma viagem doméstica de poucas horas, imagina vir da Romênia e encarar JetLag e trabalhar ao mesmo tempo... - ela suspirou - que belo modelo você arrumou, Jun.

Ah, esse cheiro de recalque e veneno misturados, eu sabia que ela não ficaria calada por muito tempo.

- Viajar no tempo que é bom você nunca fez, né? E ainda-
- "E ainda sambei num deus do espaço-tempo com digimon emprestado" mi-mi-mi. - ela imitou minha voz - Quando você vai mudar esse seu discurso de viúvinha da WonderSwan, hein? - e me olhou com deboche.

Eu estava ensaiando minha resposta quando ela se levantou.

- Heyhey ei, pérai, onde você vai? Provoca e sai fora, agora é assim? - levantei e peguei a mão dela, que parou.

Ela me olhou no olho, indiferente. Mas corou.

- Diferente de você, eu tenho mais o que fazer. Me solte. - ela puxava de leve o braço.

Por algum motivo não a obedeci, apenas fiquei segurando o braço até eu me tocar que ela fazia mais força pra se soltar. E então a soltei.

- Diabo de homem, qual o seu problema? Perdeu a alma em mim? - ela falava, revoltada.
- Não, é que... Sei lá. Só... - não sabia me explicar.
- Jun, além de amador ele ainda é louco! - ela falou, indignada - Da próxima vez que me trouxer esses lixos e os chamar de modelos eu me demito! - e saiu bufando.

Ela saiu e eu acordei do transe.

- Espera um pouco, ela me chamou de lixo e de louco? - perguntei, inocente, pras meninas.

Elas fizeram "sim" com a cabeça.
Me revoltei, mas fiquei na minha. Não tava valendo a pena ir atrás dela e despejar todos os argumentos nela... Ou ao menos tentar antes de ser pego por aquele olhar de quartzo.

- Acho que ela foi dar um pulinho na Toudai. - Chizuru falou.
- Pra fazer o quê, lá? - perguntei.
- Ela estava com uns trabalhos pra entregar, não, Chi? - Jun falou, enquanto recolhia os papéis da mesa.
- Estava. O AutoCAD dela foi pro pau e ela teve de fazer tudo de cabeça.
- Oi? - Falei, confuso. - O que seria Autogato?

Chizuru riu.

- AutoCAD é o pilar principal de um engenheiro, Akiyama-san. - ela respondeu. - Rukitan está no primeiro ano de engenharia de sistemas.
- Ué? Ainda na faculdade? - Estranhei, mas logo emendei - Ah, verdade. Ela é mais nova que eu, normal ela estar na primeira faculdade.
- Quem te disse que é a primeira faculdade dela, Ryouzinho? - Jun interviu, com uma das sobrancelhas levantada

Saímos da sala.

- E não é? - perguntei.
- Não. Ruki é bacharel em Moda e Design.
- Como se ela só tem vinte e um anos, Jun?
- Ela terminou a escola em Cingapura um ano antes. - Chizuru falou.

Eu estava bolado.

- Mas por quê diabos ela saiu de moda pra fazer engenharia? - falei, puto.
- Rumiko é doutora em Bioquímica e bacharel de Artes Visuais. Seiko Hata, a avó da Makino, é mestre em Direito e pós-graduada em Teatro. Vai entender essa família. - meu pai matou a conversa.

Mas, mas...

- ... Como que ela concilia tudo isso? - falei, abismado.
- Pergunta pra ela, ué. - meu pai e as meninas falaram em uníssono.

Olhei feio.
Quem é essa mulher que tem um olhar de quartzo, malandragem de raposa e mente de gênio?

- Eu não consigo entender, não faz sentido...

Jun colocou um papelzinho no bolso da minha calça.

- Melhor esclarecer com ela. - Jun entrou no elevador. - Por hoje é só, falo contigo se tiver alguma novidade.

A porta do elevador fechou. Coloquei a mão no bolso e puxei o papel. Nela, se revelou ser o número de Ruki. Quando eu e meu pai saímos do prédio ele disse que ia ver um amigo dele, e logo me vi sozinho.

E eu estava perturbado demais pra aceitar aquilo tudo. Tomei um ar e disquei o número.

...

- Alô?
- Ah! ru-Ruki...
- Como foi que você conseguiu meu número, seu maníaco? - Ela falou, assustada.
- Jun que me deu. E pare de me chamar de maníaco, sua perdedora! - retruquei
- Ah, você pegou meu número só pra me encher os pacová, é isso? - ela ironizou
- Não, não foi pra te torrar a paciência. Foi pra outra coisa.
- Então seja prático e diga logo.
- Chizuru falou que você ia pra Toudai entregar um trabalho e a conversa acabou chegando ao ponto de eu descobrir que você está fazendo a sua segunda faculdade. Como que você se maneja pra tal, mulher?

Ela ficou calada por uns segundos.

- Dei meus pulos. Por que?
- Porque eu acho isso incrível. - fui honesto.
- Deve achar mesmo, já que perdeu um ano de bobeira... - ela falou em tom sarcástico.

Eu vou bater nela. Sério.

- Não me provoca, Ruki...
- AhaHahah e você pode fazer algo sem ter nenhuma pessoa pra emprestar um digimon ou poderes?
- Pare com isso, Rukinha...
- Rukinha é a cadela da sua namorada. – Ela ficou furiosa.
- De quem você tá falando? Não preciso disso!
- Caramba, além de idiota também é viado?!
- Me chama de viado só mais uma vez e eu te deixo sem andar! - Bradei.

E ai eu me dei conta do que falei. Do outro lado da linha ela estava calada.
Me lembrei dos olhos de quartzo e do quão paralisado eu fiquei.

- Me desculpe. - falei contrariado.
- ...
- É sério. Não falei por mal.
- Hm... Cadê... - ouvi o barulho do breque do carro ser puxado e ela revirar uns papéis.
- Você não vai aprontar comigo, né? - falei temeroso.
- Por um minuto a ligação ficou muda então nem ouvi o que você falou, mas ok. E eu estou procurando meu ID da escola... Achei! - ouvi ela deslizar pra algum banco. Pelo barulho parecia de carro.
- Estava dirigindo?
- Sim.
- Isso é ilegal, sabia?
- Existe um sistema chamado Atendimento de Ligação no sistema de som do carro que me permite atender o telefone com o apertar de um botão no volante... Nada que tenha no barranco que você chama de Cidade.

Suspirei.

- E aquele papo todo de "odiar pessoa que não sabe separar vida pessoal da profissional" hein? Enfiou onde?
- Nem eu nem você estamos na Donna, então eu posso te criticar à vontade.
- Fala como se eu fosse aguentar calado, né? - rebati.
- Mas cortando essa acidez toda, obrigada, viu?
- Pelo quê?
- Se preocupar em saber em como sou tão foda em cursar uma segunda faculdade.
- Eu te chamaria de louca. Mas de nada.

Eu sorri.

- Eu vou desligar, viu? Preciso ir ter com a reitora. Não sei se ela vai deixar eu entregar meu trabalho adiantado.
- Como assim, adiantado?

- Eu pedi pra... Ora ora, você está querendo saber demais da minha vida, não? – Ela ironizou.

- Foi por isso que eu liguei, sua idiota.

- Eu diria 'que fofura' se não fosse um troglodita caipira quem nem você é.

Eu ri. Como pode ser tão linda mas tirar tanto do sério?

- Ok, preciso ir, até! – e desligou.

Quando deixei o bip do fim da ligação ecoar em minha orelha por um monento, admiti uma verdade que eu não queria que saísse de meus olhos tão cedo...

... Relembrei o porquê de eu ter voltado ao mundo real voluntariamente.

Ainda tem alguns animaizinhos que precisam ser domados nesse mundo.

E parecia que ninguém além de mim poderia fazer isso.

oooOooo

Freetalking: Voltei, vadias. E voltei com mais uma fic da mesma fonte do TCMP.

Pra quem mantém contato comigo no âmbito de shippar Ryouki sabe que sou a Dory no mar de Tubarões. Não gosto daquelas fanfics doces demais, de 'ah meodeosduceu que homem lindo me consome me pega me xera me chama de mon bijou'. A Ruki pode ser tsundere mas não assim. Ela gosta do Ryou, mas ela não abre o jogo facinho. Ela faz o papel de Rainha que luta quando ela quer, não uma princesinha que espera o príncipe dela vir num Justimon reluzente.

Afinal, ela peitou e sambou o Japão todo com cartas e poker faces duas vezes. Não seria um caipira que faria ela cair. E ela se manteve foda do começo ao fim de tamers, apesar dela mesma ter mudado.

E adivinha? Essa é a parte que amo no Ryouki. O Ryou provocando ela, e ela dando umas botas neles mas morrendo de dokidokis. Pelo menos é o que eu tento trazer quando escrevo Ryouki.

Mas resolvi fazer diferente, de novo. E se... E se fosse o Ryou que se apaixonasse pela Ruki depois de dez, onze anos afastados e brigando durante anos via uma rede social? Retratar não as melancolias dela, mas dele? Ele, caipira, adulto e formado com uma vida quase feita no (barranco) cantinho dele e ai uma mulher da cidade grande chega e vira ele do avesso?

Eu curti minhas drogas e feels nessas ideias, muito embora eu não consiga incorporar o meu lado prepotente e arrogante pra chegar ao pit perfeito do Ryou e dai pensar que nem ele (sim, Ryoukas, te invejo nesse quesito). Mas estou fazendo meu melhor.

Ainda tem mais. Quero terminar ela. Quero ver até onde eu consigo dar fôlego nisso.

Espero que você esteja disposto a ler mais Ryouki ao avesso. Pelo menos eu apreciaria e muito, tal como agora.

Obrigada por ler. Sérião.

Te vejo em breve.