AVISO LEGAL: Saint Seiya não me pertence, e sim ao Kurumada, Toei, Shueisha, Bandai, esse povo todo que não sabe direito o que fazer com eles. Eu só pego os cavaleiros emprestados sob a promessa de devolvê-los em bom estado!
...Ou quase.

Disclaimer: Fic M-rated por excelentes razões (cenas explícitas de sexo entre dois homens, violência, non-con, necrofilia), recomendo critério aos leitores. Quem avisa, amigo é.


"Lanças, patife, a culpa sobre mim/ Pelo que, com tal prazer, obténs por coerção?/ Com que satisfação terias roubado/ Tu mesmo, o Ouro do Reno/ Desde que fosse tão fácil/ Obter o conhecimento para forjá-lo?"

(O Ouro do Reno - Cena IV (Richard Wagner, tradução lusófona de L. de Lucca)


I

Ele corria desembestado pela borda da falésia da praia como se os cães do inferno estivessem em seu encalço. Estava no Cabo Sounion, a paisagem usualmente majestosa retorcida pelo céu escuro de uma tempestade e ondas altas e violentas pela ressaca da maré revolta como um castigo divino.

Olhou o lugar onde devia estar a cela de pedra onde ele estava preso, mas viu apenas mar. Sentiu seu desespero crescer exponencialmente, tentou forçar as suas pernas a correrem mais rápido. Sua visão estava seriamente prejudicada pela chuva e pelo céu escurecido, o vento forte jogava os cabelos molhados em seu rosto e em seus olhos. Ainda assim corria como um louco, a sensação de urgência maior do que nunca.

Jogou-se da falésia para cair na água, nadando até a cela submersa. Nadar naquela ressaca era uma temeridade, mas nem o risco iminente o desencorajou. Mergulhava para fugir das ondas; os olhos ardiam em contato com a água salgada. Ainda assim viu através da água enturvecida o borrão dos barrotes na rocha, e forçou seus pulmões para aguentarem um pouco, só mais um pouco.

Agarrou-se nas barras de ferro, que estava a uns bons dois metros abaixo da superfície. Grudou a cabeça entre elas, tentando ver através da água turva se havia alguém ali, mas o céu nublado e escuro não ajudava. Seu peito se contraía pela necessidade de buscar ar, e teve que subir até a superfície para respirar. Engoliu o ar pela boca, em contrações que entravam doloridas em seus pulmões, mas ele não podia desistir. Mergulhou sentindo seu corpo ser jogado contra a parede de rocha pelas ondas, e de novo buscou os barrotes com as mãos e se agarrou neles para que a violência das águas não o tirasse dali. Sem ver nada dentro da cela, estendeu a mão por entre as barras; tateando às cegas entre água e rocha, até que seus dedos resvalaram em algo que podia ser algas, fios...

Cabelos.

Puxou com força um punhado deles, e sentiu um vulto vir em sua direção de dentro da cela.

Um corpo.

Tateou a cabeça, tentando virar o corpo de frente para si com muita dificuldade, sentindo de novo o ar lhe faltar e seu peito se contrair repetidamente pelo reflexo de respirar mesmo embaixo d'água. Conseguiu virar o corpo para si, tentando fazer com que seus olhos ardidos vissem seu rosto, mas os cabelos entravam no meio de seu campo de visão. Tentava tirá-los do caminho, mas não conseguia. Com um tranco puxou a pessoa do outro lado para si, e os cabelos se jogaram para trás por um momento...

Um rosto.

Seu rosto. A pele pálida, violácea e macerada; os olhos abertos, opacos, mortos.

Estava morto.

E quando a dureza daquela realidade se abateu em si, sentiu a água invadir sua garganta.

...

Acordou num sobressalto, engolindo o ar com fome e empapado de suor, os cabelos grudados no rosto.

Agora estava em seu quarto, sozinho na cama larga, exatamente onde deveria estar.

Pesadelo.

Era verdade que pesadelos não eram raros a si, mas jamais tivera um assim tão realista.

Saga respirou fundo, tentando acalmar o fôlego entrecortado.

Não fora assim que aconteceu. Ele estava vivo, não tinha morrido afogado naquela cela. Foi um pesadelo, só um pesadelo. Mais um, com ele.

O que não fazia sentido nenhum.

Ele não estava ali. Estava longe, tanto pela distância física quanto pela distância emocional dos inúmeros ressentimentos entre eles. Duvidava muito que ele tivesse pesadelos consigo, dado a natureza de seu irmão que conhecia desde sempre.

A pessoa mais egoísta, imoral, manipuladora e cínica que já conheceu em toda sua vida.

Ele não estava ali, com ele, renascido do Muro dos Lamentos para servir à Deusa como cavaleiro de Gêmeos mais uma vez. Não, agora ele estava no Pilar do Atlântico Norte, envergando a escama de Dragão Marinho depois de ser reclamado como General Marina pelo próprio Poseidon em seu corpo mítico, que para isso debateu com Atena e o próprio Zeus durante a assembleia olímpica que deliberou a Trégua. E isso lhe trazia uma certa apreensão, porque tinha imensas dificuldades em acreditar que ele tivesse realmente purificado seu coração.

Não que ele não acreditasse no poder da redenção e do arrependimento sincero, já que ele próprio era um arrependido pelos seus pecados, ainda que involuntários. Mas foram tantas mentiras, tantas decepções, uma atrás da outra, por anos e anos a fio... Ele não conseguia simplesmente jogar aquilo tudo para debaixo do tapete.

Quantas vezes Kanon traíra sua confiança? Quantas vezes ele o decepcionou, brincou com seus sentimentos, fez pouco dele, de seu esforço para ser um cavaleiro, do Santuário que sempre lhe provera tudo que necessitara? Perdera a conta.

Mas ainda assim, tivera esse pesadelo com ele. Morto na cela onde o trancara, tantos anos atrás...

Tentou dormir novamente, mas sabia que não conseguiria.

OOO