CAPÍTULO DOIS

Escócia, 1714

Isabella fechou um pouco mais a capa de lã ao redor dos ombros. O vento soprava um pouco mais frio àquela hora, quando os primeiros raios de sol ainda disputavam espaço com a madrugada gelada.

Estava amanhecendo devagar. Dali uma hora, quando todos tivessem despertado, haveria rastros de pegadas — além das dela mesma — em cada canto do pátio. Também haveria muita coisa a ser feita, pensou ela. Haveria ovos a serem recolhidos, animais a serem alimentados, vacas a ordenhar, lenha para cortar e empilhar nos cestos. Mas, naquele momento, só por um instante, deixaria de lado todas as tarefas e permitir-se-ia contemplar o cenário lá fora.

Se o pai a visse assim, naquele momento contemplativo, balançaria a cabeça e a chamaria de sonhadora. E as palavras seriam ditas num tom áspero — não num tom raivoso, apenas com uma nota de resignação.

Charlie Swan não era um homem severo, pensou Isabella. Ele nunca havia sido. O peso de seu dever, como chefe de clã, somado ao seu forte sangue escocês, é que o haviam moldado como um homem áspero, sério e firme. Mas havia uma parte do pai que era suave e mansa feito manteiga derretida. E essa era uma parte importante dele, que aflorava, principalmente, sempre que Charlie estava com a família.

Bella era aquela que mais testava a suavidade do pai, constantemente desafiando o autocontrole dele, quando se deixava guiar por sua natureza rebelde. Ela havia herdado a personalidade dos Swan, afinal. Não era a mais refinada das moças, nem de longe herdara a serenidade da mãe ou se tornara meiga como a irmã caçula — coisas que, às vezes, faziam-na se sentir um pouquinho culpada.

Com um suspiro impaciente, Bella deu uma última olhada na floresta lá embaixo e depois saiu do quarto. Lamentar seu temperamento explosivo ou sua incapacidade de ser refinada era bobagem e ela sabia disso.

Decidindo-se por ser prática e realista, desceu as escadas silenciosamente e saiu para o pátio gelado.

O sol havia subido agora, começando a esgueirar-se pelas nuvens, avivando o tom verde dos pinheiros, refletindo no cobertor branco que cobria as montanhas. Faltava algum tempo até que ele fosse capaz de aquecer alguma coisa, mas apenas sua visão era suficiente naquele momento.

Bella contornou o caminho escorregadio até o celeiro, mas parou quando ouviu o farfalhar de saias arrastando sobre o chão de cascalho. Ergueu a cabeça e um sorriso curvou seus lábios.

— Glen. — disse Bella, mudando a direção e indo ao encontro da amiga.

— Estava me perguntando se estaria acordada. — Glen também usava uma capa por sobre o vestido, algo lilás e tão delicada quanto seu rosto. Toda a sua aparência remetia à delicadeza, pensou Bella. Glen tinha um rosto inocente, uma constituição frágil, carregava uma expressão bondosa, com olhos azuis e serenos e um sorriso meigo.

Em se tratando de aparência e personalidade, Glen e Bella eram opostos. Entretanto, isso nunca as impediu de serem amigas. E era uma pena que, agora, a amizade delas fosse sofrer com uma separação.

Como Glen estava de partida, elas apenas poderiam se comunicar por cartas, ou quando Glen aparecesse para uma visita. Levando em consideração a iminente partida da amiga, Bella decidiu que era melhor aproveitar o tempo que ainda lhe restava. Por isso, convidou Glen para entrar com ela na Fortaleza Swan, de modo que pudessem aproveitar o desjejum.

— Eu não posso, Bella. — disse Glen e tomou as mãos dela entre as suas. — Vim aqui para me despedir, na verdade.

Bella sabia disso, é claro, mas era teimosa o suficiente para ignorar uma coisa até o último momento.

— O caminho até a Inglaterra é difícil, Glen. — disse ela e apertou levemente o braço da amiga. Assim como era teimosa, ainda tinha esperanças de convencê-la a não se mudar para Londres com aquele inglês de palavras frescas e olhares entediados.

— Bella, por favor, nós já tivemos essa conversa.

— Teremos mais uma vez. — Ela replicou, erguendo o queixo. — Sinceramente, o que você viu nesse Lorde Castle?

— Ele é um homem bonito, gentil e inteligente, e eu o amo.

— Glen. — Bella disse num tom sério e solene. — Ele é inglês.

Glen soltou um suspiro cansado. Não esperava realmente se despedir da melhor amiga sem ouvi-la falar algo contra a nacionalidade de seu marido. Todo mundo sabia que Bella nutria uma forte antipatia pelos ingleses, uma consequência do passado de seu clã, de uma noite que marcara e mudara Bella. Ela sempre havia sido temperamental, mas sua rebeldia havia triplicado após a noite em que Malcom Swan morreu pela espada de um oficial inglês.

Tinha sido difícil, lembrou-se Glen, contar à Bella sobre sua intenção de casar com John. Ela havia ficado furiosa, é claro, amaldiçoando tanto ela quanto o marido, mas, assim como era teimosa, Bella também possuía um bom coração e não demorou até que ambas fizessem as pazes. Entretanto, isso não impediu Bella de presentear o conde com um supercílio aberto e um galo na cabeça.

— Bella. — disse Glen num tom paciente. — Eu compreendo sua aversão aos ingleses e, você sabe, respeito sua opinião. Mas eu amo John, muito mesmo, de um modo que jamais imaginei possível.

Bella resistiu ao impulso de revirar os olhos. Era de se esperar que Glen falasse algo assim. Das duas, ela sempre tinha sido a mais romântica.

— Suponho que, com isso, está tentando me dizer que não vai mudar de ideia. — murmurou Bella.

— Não vou. — Glen assentiu solenemente.

— Jamais vou perdoar aquele bastardo por levá-la para tão longe.

— Oh, minha querida. — Glen a abraçou e as duas tomaram um longo tempo para se despedirem.

Minutos depois, elas foram interrompidas pela chegada do marido de Glen.

— Está na hora de partirmos. — disse John Castle, um pouco afastado da futura esposa, olhando com receio para Isabella. Tivera a oportunidade de conhecer a força do punho dela e não estava disposto a repetir a dose.

Bella o estudou com ressentimento brilhando nos olhos, depois soltou-se de Glen e deu um passo para trás.

— Escreva-me sempre que puder. — disse ela enquanto caminhava com Glen até o portão da Fortaleza, onde a carruagem de Lorde Castle esperava o conde e sua nova condessa.

— Eu mandarei uma carta a você todos os meses. — Glen prometeu. Quando ela e John estavam bem instalados dentro da carruagem, o condutor pôs os cavalos em movimento.

Bella acenou, observando a carruagem até que ela desapareceu por trás das colinas.

Depois, virou-se e seguiu de volta ao pátio da Fortaleza Swan. Os sons dentro da casa, assim como no vilarejo aos pés da colina, tornavam-se mais agitados agora, a medida que as pessoas despertavam.

Quando ouviu os gritos de boas-vindas, Bella franziu o cenho. Ao que parecia, seu pai, seu irmão e os homens dele estavam voltando mais cedo da caçada. Intrigada, ela semicerrou os olhos e buscou sinais da comitiva na estrada que subia até a Fortaleza.

Ela não reconheceu as formas de imediato, apenas percebeu que dois cavaleiros subiam a colina lentamente, banhados pelo amanhecer, ladeados por alguns aldeões.

Usando a cintura para apoiar a cesta que tinha em mão, Bella semicerrou os olhos e tenou distinguir as primeiras sombras que retornavam. Como de costume, precisou de um segundo para lutar contra o ressentimento de que ela, mais uma vez, fora impedida de participar das caçadas.

No instante seguinte, porém, ela deixou o ressentimento de lado e percebeu que não era seu pai e os homens do clã que voltavam.

Era Jasper, aquele bastardo que viva há três anos pulando de país em país, ocupado em lutar batalhas sobre as quais ela só ouvia falar. Subitamente, os sons entusiasmados do vilarejo fizeram sentido para Bella e ela sorriu.

Finalmente, Jasper estava de volta.

— w —

Edward também ouvia as saudações, observando as pessoas se aproximarem de Jasper para recebê-lo. De dentro das casas — algumas feitas de madeira e pedra, outras apenas um amontoado de barro e palha — pessoas saíam para gritar ou falar uma palavra de saudação ao Swan que retornava. E Jasper retribuía com um sorriso, embora a dor aguda o incomodasse, até que as pessoas foram ficando para trás. Então, eles começaram a subir a colina que levava à Fortaleza Swan.

Havia fumaça saindo das chaminés da fortaleza e por trás das janelas bruxuleavam as luzes de candelabros ainda acesos. O céu a Leste ardia com as primeiras luzes do dia, lançando um brilho avermelhado sob os telhados, transformando-os em uma placa quente e difusa.

Erguendo um pouco o olhar, Edward observou a sede do clã de Jasper.

A Fortaleza Swan, como todos a chamavam por ali, não era tão grande quanto o nome sugeria. Embora tivesse quatro andares, não possuía cômodos amplos. Em seus andares superiores, era enfeitada por torres e ameias, com paredes de pedra cinzenta. Era um lugar construído muito mais para a guerra do que para o conforto, reparou Edward, com telhados de tamanhos variados, construídos sem ordem alguma, mas que, mesmo assim, atribuíam ao lugar um ar acolhedor e campestre. Um celeiro de pedra destacava-se ao lado esquerdo, cercado ainda por outras construções menores, estas feitas de madeira. Mais atrás ficava o estábulo.

Edward e Jasper mal haviam chegado ao portão quando uma mulher, com uma cesta vazia nas mãos, avançou na direção de onde estavam. Ela exclamou algo em gaélico e Edward virou-se para observá-la.

Foi aí que realmente a viu.

Por cima de um vestido branco, ela usava um manto xadrez, com linhas roxo-azuladas e prateadas que ostentavam as cores do clã Swan. Com uma das mãos, ela segurava uma cesta que balançava perigosamente enquanto corria. Com a outra, segurava a barra da saia, proporcionando a Edward uma visão dos seus calcanhares finos e delicados. Enquanto ela avançava correndo, o coque que mantinha seus cabelos presos se desfez, revelando longos fios castanho-escuros, que chegavam a altura da cintura e brilhavam à luz do sol numa misteriosa matiz cor de mogno. E a pele dela era clara feito alabastro, embora as bochechas estivessem coradas no momento, pelo entusiasmo e pelo frio.

Edward ficou observando a mulher — pensando que ela parecia uma daquelas criaturas de beleza ímpar que povoavam as histórias fantásticas da avó —, até que ela se aproximou.

— Jasper! — Ela exclamou numa voz melodiosa, entremeada por um tom risonho e pelo rico som de sua terra. Ignorando os cavalos a escavar o chão, ela puxou as rédeas e ergueu um rosto que fez Edward prender a respiração. — Não recebemos nenhum aviso de que estava voltando. Não sabe mais escrever ou estava com muita preguiça?

— Que maneira mais amável de receber seu irmão. — Jasper teria desmontado para beijá-la, mas o rosto dela dançava diante de seus olhos. — O mínimo que podia fazer é demonstrar boas maneiras diante de meu amigo. Lorde Masen, esta é minha irmã, Isabella.

Não tem uma aparência ruim?, Edward lembrou o que Jasper dissera sobre ela. Certamente, ela não tinha uma aparência nem um pouco ruim.

— Senhorita Swan.

Mas Isabella não lhe dirigiu um olhar, percebendo a palidez do irmão.

— Jasper, o que há com você?

Ele levantou a mão boa e levou-a na direção do ombro, mas parou no meio do caminho e escorregou da sela, tombou para o lado, então, precisando ser amparado pela irmã.

— Oh, céus. — Bella ajoelhou-se com Jasper nos braços, erguendo o casaco dele onde havia sangue, expondo o ferimento no braço esquerdo.

— Seu irmão foi ferido na estrada. — Edward contou, também ajoelhando ao lado do amigo. — Fizemos uma atadura, mas o corte abriu novamente quando chegamos ao vilarejo. Precisamos levá-lo para dentro.

Bella ergueu a cabeça, os olhos cintilando, não com medo, mas com fúria.

— Tire suas mãos dele, sassenach. — Ela afastou Edward e manteve o irmão contra o próprio peito, usando uma das mãos para estancar o sangue que voltava a fluir. — Como é possível meu irmão voltar para casa quase morto e você sem um arranhão?

Jasper podia ter subestimado a beleza dela, pesou Edward, mas fora fidelíssimo ao descrever seu temperamento.

— Posso explicar tudo depois que cuidarmos de Jasper.

— Leve suas explicações de volta a Londres.

Ignorando-a, Edward colocou o amigo nos braços e marchou em direção à casa.

— Solte-o, idiota. Não quero que toque em nada que é meu.

Edward lançou um olhar perscrutador na direção dela, analisando-a de alto a baixo, olhando-a com tal intensidade que a fez corar.

— Acredite, senhorita. — Ele disse com extrema polidez. — Essa não é minha intenção. Se puder cuidar dos cavalos, senhorita Swan, eu levarei seu irmão para dentro.

Ela ia retrucar, gostaria muito de retrucar, mas uma rápida olhada no rosto pálido do irmão a fez morder os lábios e engolir as palavras. Com a capa de viagem serpenteando atrás dele e com Jasper nos braços, lorde Masen avançou em direção à Fortaleza.

Bella se lembrou da última vez que um inglês estivera em suas terras. Segurando as rédeas dos dois cavalos, apressou-se a segui-lo enquanto o amaldiçoava vigorosamente.

— w —

Não havia tempo para apresentações. Logo que entrou na casa, Edward foi recepcionado por uma jovem criada que, assim que o viu, enfiou-se num corredor, gritando por Lady Swan.

A mãe de Jasper chegou apressadamente, as faces coradas pelo fogo da cozinha. Entretanto, diante da visão do filho inconsciente nos braços de um estranho, ela empalideceu.

— Jasper. Ele está...?

— Não, milady. Mas o ferimento é sério.

Com delicadeza, ela tocou o rosto do filho.

— Vamos levá-lo para o quarto. Lá em cima, por favor. — Ela indicou as escadas e subiu na frente, gritando ordens pelo caminho, dando instruções para que fossem providenciados água e panos limpos. — Aqui dentro. — Enquanto abria a porta, uma jovem se aproximou apressadamente. — Brianna, graças a Deus. Jasper está muito ferido.

Brianna, menor e mais magra que a mãe e a irmã, entrou no quarto às pressas.

— Acenda as luzes, Jean. — Ela disse à criada numa voz suave, mas autoritária. — Vou precisar de bastante luz. — Ela já estava com uma mão na testa do irmão. — Ele está febril. — O sangue de Jasper escorria pela manta e manchava os lençóis brancos. — Pode me ajudar a tirar as roupas dele?

Com um aceno afirmativo, Edward começou a trabalhar com ela. Brianna solicitou unguentos e bacias de água, enquanto se livrava da camisa do irmão. Para surpresa de Edward, ela não desmaiou quando viu o ferimento de espada no braço de Jasper, mas apenas começou, competentemente, a limpá-lo e tratá-lo.

— Segure isso, por favor. — Brianna indicou a Edward a atadura que ela havia feito e colocado contra o ferimento do irmão. Depois, serviu um pouco de xarope de papoula num cálice de madeira.

Renée segurou a cabeça do filho enquanto Brianna levava a poção aos lábios de Jasper. Brianna conversou com o irmão aos sussurros quando sentou ao lado dele e começou, firmemente, a suturar o ferimento.

— Ele perdeu muito sangue. — disse Brianna à mãe enquanto trabalhava. — Precisaremos controlar a febre.

Mas Renée já estava passando um pano úmido sobre a testa do filho, murmurando palavras de encorajamento em gaélico, quase transformando-as em uma canção de ninar.

— Jasper é forte. — disse Lady Swan com serenidade. — Ele não vai nos deixar. — Ela endireitou as costas, tirando alguns fios de cabelo que cobriam o rosto do filho. Então, ergueu a cabeça e olhou para Edward. — Sou grata a você por trazê-lo para casa. Poderia me dizer o que aconteceu?

— Fomos atacados a algumas milhas ao sul de suas terras. Uma armadilha preparada pelos Cameron.

— Ah, sempre eles. — Lady Swan contraiu os lábios, mas sua voz permaneceu calma. — Preciso me desculpar por ainda não ter lhe oferecido um lugar para sentar ou uma bebida quente. Sou Renée Swan, a mãe de Jasper.

— Sou Edward Cullen, amigo de seu filho.

— O duque de Masen, é claro. — Ela esboçou um leve sorriso. — Jasper nos escreveu falando a seu respeito. Por favor, entregue seu casaco a Jean e fique à vontade.

— Mas ele é inglês. — Isabella conjecturou, parada no umbral, os braços cruzados. Havia tirado o manto e tudo o que usava agora era o simples vestido branco de mangas compridas e cintura marcada.

— Estou ciente disso, Isabella. — Lady Swan manteve seu tom de voz tranquilo, depois voltou a sorrir com delicadeza para Edward. — Seu casaco, Lorde Masen. Fez uma viagem longa e conturbada. Estou certa de que tudo o que deseja é uma refeição quente e algum descanço. — Quando ele tirou o casaco, o olhar dela recaiu sobre seu ombro. — Oh, você também está ferido.

— Não é nada grave.

— Um simples arranhão. — disse Bella, depois de dar uma olhada no ombro dele. Ela fungou, indiferente, e avançou com a intenção de dar as costas a ele e se aproximar do irmão. Mas um olhar de Renée a deteve.

— Leve nosso hóspede para a cozinha, Isabella, e cuide dos ferimentos dele.

— Prefiro cuidar de um rato, mamãe.

— Vai fazer o que eu disse, Isabella, demonstrando o devido respeito por nosso convidado. — a voz de Renée soou implacável. — Uma vez que tenha cuidado de seu ferimento, providencie para que Lorde Masen receba uma refeição apropriada.

— Lady Swan, não é necessário.

— Perdão, milorde, mas é mais que necessário. Está sob o meu teto e ajudou meu filho. Peço desculpas por eu mesma não poder recepcioná-lo. — Ela passou novamente o pano úmido sobre a testa de Jasper. — Isabella?

— Está bem, mamãe, mas faço isso pela senhora. — Bella se virou, curvando-se numa mesura breve e desrespeitosa. — Queira me acompanhar, Lorde Masen.

Ele a acompanhou por um corredor bem menor que a Mansão Cullen, mas igualmente limpo e meticulosamente bem cuidado.

Depois, passaram por mais um corredor, descendo dois estreitos patamares de escada porque ela decidiu levá-lo à cozinha pela parte dos fundos. Mesmo assim, Edward prestou pouca atenção ao caminho, ocupado demais em observar as costas de Isabella, a pele clara do pescoço contrastando com os fios escuros que lhe escapavam da trança, os ombros pequenos, mas firmemente eretos.

Cedo demais, na opinião de Edward, eles chegaram à cozinha. O lugar era pequeno e aconchegante, ele reparou, com o calor do fogo a aquecer o ambiente e algumas mesas onde tortas recém-assadas descansavam. Ricos aromas de carne ensopada, que provinham de um caldeirão pendurado sobre o fogo, pairavam sobre o ambiente.

— Por favor, sente-se, milorde. — Isabella indicou a ele uma cadeira estreita e próxima ao fogo.

Ele se sentou e apenas por um discreto brilho nos olhos esboçou seus sentimentos quando ela rasgou a manga de sua blusa.

— Espero que não desmaie ao ver sangue, senhorita Swan.

— É mais provável que o senhor desmaie ao ver sua camisa mutilada, Lorde Masen. — Ela atirou a manga rasgada na mesa e pegou uma vasilha com água quente e alguns panos limpos.

Era mais que um simples arranhão, percebeu Bella quando começou a cuidar dele. Lorde Masen até podia ser inglês, mas ela se sentiu um tanto envergonhada por suas próprias atitudes. O ferimento, que obviamente tinha aberto quando ele carregou Jasper para o quarto, devia medir uns quinze centímetros, ou mais, estendendo-se por um antebraço forte e musculoso.

Sob os dedos de Bella, a pele dele era quente e macia e ele não cheirava a perfumes e essências pomposas, como ela imaginava que todos os ingleses cheirassem. Em vez disso, cheirava a cavalos, suor e sangue. Estranhamente, isso a sensibilizou de alguma forma e tornou seus dedos mais gentis do que pretendia.

Isabella Swan tinha o rosto de um anjo, pensou Edward quando ela se inclinou em sua direção. O rosto de um anjo e a alma de uma bruxa — uma combinação interessante, ele decidiu. Baixou um pouco os olhos, sentindo o leve aroma de lavanda dela, e observou sua boca, o tipo de boca feita para beijar, pensou, passando, então, a observar seus cabelos macios e ondulados. Como seria a sensação de enterrar os dedos naquele cabelo cor de mogno? Ele sentiu uma súbita e inexplicável vontade de fazer isso, apenas para ver a reação dela. Mas um ferimento, pensou consigo mesmo, era o suficiente para aquele dia.

Bella trabalhou em silêncio e com eficiência, limpando o ferimento e aplicando no local um dos unguentos de ervas preparados por Brianna. O aroma era agradável e a fazia pensar em florestas úmidas e flores frescas; que também a fazia esquecer-se de que o sangue inglês de Lorde Masen estava em seus dedos.

Ela se virou para pegar as ataduras e ele ergueu o olhar. De repente, sem aviso, eles ficaram face a face, tão próximos um do outro quanto um homem e uma mulher podiam ficar sem estar abraçados. Ela sentiu a respiração dele alcançar seus lábios, e ficou surpresa com a maneira como as batidas de seu coração aceleraram. Assim como estavam, pôde observar melhor os olhos dele, olhos de um verde esmeralda intenso, ainda mais escuros agora do que quando ele a estudara de ponta a ponta na estrada. E a boca dele era linda, com lábios cheios, tentadores, curvados no princípio de um sorriso que transformava seu rosto aristocrático e anguloso em algo quase irresistível.

Bella pensou sentir os dedos dele roçarem seus cabelos, mas decidiu que estava imaginando coisas. Por um instante — talvez dois —, sua mente esvaziou-se e tudo o que conseguiu fazer foi olhá-lo.

— Eu vou sobreviver? — Edward murmurou sobre os lábios dela.

E estava aí, Bella pensou e recuou um passo, o cínico sotaque inglês. Ela não precisava de mais nada para trazê-la de volta e quebrar qualquer que fosse o feitiço no olhar dele. Sorriu, então, amarrando a bandagem num nó tão apertado que arrancou um gemido dos lábios dele.

— Sinto muito, milorde. — disse ela, adejando as pestanas. — Machuquei sua graça?

— Não perca o sono por isso. — Ele disse entredentes, pensando que seria um prazer estrangulá-la.

— Não vou. — Ela recolheu a tigela com a água ensanguentada e os panos sujos. — Não acha curioso o fato de o sangue inglês ser tão aguado?

— Nunca reparei. O sangue escocês que derramei hoje me pareceu bastante pálido.

Ela se voltou novamente para ele.

— Se era sangue Cameron, talvez. Mas não espere que eu lhe seja grata ou qualquer coisa assim.

— Encontrou meu ponto fraco, milady, pois vivo para conquistar sua gratidão.

Bella murmurou em gaélico, dando as costas para ele. Lavou as mãos e, depois, tirou do armário uma tigela de madeira — embora sua mãe, com certeza, recomendaria que usasse a louça holandesa ou mesmo os pratos de porcelana —, encheu-a de ensopado e colocou-a na mesa com força, de modo que um pouco caiu pelas beiradas. Serviu uma dose de cerveja num copo de estanho e jogou alguns biscoitos num pratinho. Uma pena que não estivessem velhos e mofados, pensou.

— Seu jantar, milorde. E tenha cuidado para não engasgar.

Ele se levantou e, pela primeira vez, ela percebeu que ele era mais alto que Jasper, embora não fosse tão robusto, quase batendo a cabeça no teto baixo da cozinha.

— Seu irmão me avisou sobre seu temperamento explosivo.

Bella pôs as mãos nos quadris, olhando-o através das pálpebras semicerradas e dos cílios um tom mais escuros que os cabelos.

— Sorte sua, milorde. Deste modo não cometerá a tolice de atravessar meu caminho.

Edward deu um passo na direção dela. Não podia evitar, dado que sempre apreciara confrontos diretos, face a face. Observou-a erguer o queixo como se acolhesse, com ansiedade, seu ataque.

— Pense duas vezes se planeja correr atrás de mim empunhando a velha espada do seu avô.

Os lábios de Bella tremeram quando ela lutou contra um sorriso. Divertimento tornava seus olhos tão sedutores quanto a fúria, pensou Edward.

— Por quê? Seus pés não são rápidos a ponto de garantir sua fuga? — perguntou ela.

— Sou rápido o bastante para fazê-la tropeçar nos seus se for sortuda o suficiente para me pegar. — Ele tomou a mão dela entre as suas, eficientemente, fazendo o princípio de sorriso sumir dos lábios dela, e, mesmo que Bella tenha fechado a mão, levou-a aos lábios. — Agradeço, senhorita Swan, por seus cuidados e sua hospitalidade.

Bella puxou a mão bruscamente.

Divertindo-se, Edward a observou dar-lhe as costas, esfregando furiosamente as mãos na saia, enquanto saía da cozinha xingando-o em gaélico.


NOTA DA AUTORA

Oi, gente! Fiquei mega feliz com as manifestações tanto de leitoras novas quanto de antigas. Bem-vindas todas! :D Muito obrigada a quem comentou. Sexta-feira teremos novo post, sim? Até breve!