Pelas ruas e becos da cidade portuária de North Blue, Spider Miles, era muito comum uma certa moça de origem humilde compartilhar o pouco que conseguia e tinha com os necessitados. Melissa tinha um espírito de luz, como dizia um velho senhor que foi seu padrinho ao criá-la desde muito jovem. E ela agradecia a vida por ter colocado este senhor em sua vida, em troca de ter levado a de seus pais. Tanto ela como seu padrinho viviam em uma casa simples, ele já estava devendo aos donos do local, e Melissa ganhava a vida como tricoteira, até então. Ele, já muito idoso e debilitado da visão, fez Melissa herdar suas habilidades como artesão. Ensinou-lhe a tricotar e confeccionar roupas. Não ganhavam muito, mas o suficiente para o sustento. Também ensinou a jovem trabalhar com dignidade, sem se vender a custo de recursos sujos. Não importava como era a vida era cruel, tudo se retribuía com o bom caráter.

Estava Melissa a dar um simples prato de comida e uma bolsa com algumas roupas para um casal de mendigos, quando um grupo de arruaceiros cercaram-na. Isso não era novidade para ela, que já escapou de ser morta por pedradas e outros tipos de objetos. Ela era uma jovem mulher caridosa, que sempre ajudava pessoas necessitadas, principalmente as que viviam nas ruas frias de Spider Miles. Algumas vezes, ela tricotava roupas de frio e dava como presente para essas pessoas. Isso acabava chamando a atenção de alguns insensíveis e maldosos que estavam por perto.

- O que querem? - uma linda e doce voz perguntou com firmeza, porém escondendo o medo daquela situação.

- Você! - gritou um deles, com cordas entre as mãos.

- Para quê? Não sirvo para nada que você queira, por favor… não faça nada a nós!

- Escuta aqui, seus pervertidos! - levantou-se o mendigo, pondo-se na frente dela. - Vão se ver comigo se encostaram suas mãos sujas nela!

Os arruaceiros de roupas sujas e quase rasgadas riram. A mulher do mendigo aproximou-se de Melissa, abraçando-a.

- Não se preocupe, vamos embora daqui! - disse Melissa ao mendigo, tentando evitar uma briga.

- Vão vocês na frente, fugam! Não me importo em morrer se for para salvar uma garota de bom coração que nem você!

- Não! Por favor, meu marido! - a mendiga implorou, quase aos choros nos braços delicados dela.

- Façam isso!

- Acho que já ouvimos demais! - um homem do grupo, o mais alto e com a camisa aberta, mostrando um peitoral cabeludo, avançou sobre o mendigo macérrimo, que estava com um pedaço de madeira na mão, pronto para defender tanto a esposa como a moça generosa.

Um soco simples foi o suficiente para derrubar o pobre mendigo. As duas acabaram fugindo dali. Lamentando pelo marido, a mendiga corria com Melissa aos choros.

- Vamos para a casa do meu padrinho agora, você não pode ficar sozinha aqui nas ruas!

- Ah! Mas e as coisas que você nos deu?! E meu marido?! Oh, vida cruel!

- Outras pessoas que necessitam vão aproveitar, não se preocupe!

- E… meu marido?

- Não sei como te dizer… vamos rezar para que tudo dê certo!

Melissa acolheu a mendiga em sua casa, explicando tudo para o padrinho.

- Mais uma vez… esses monstros nos perturbando! - disse o velho, com a voz muito rouca e profunda, quase sinistra.

- Não há mais guardas pelas ruas, parece que a cidade aqui está ficando mais deserta e menos segura.

- Desde a chegada de piratas poderosos aqui, as coisas ficaram assim, senhorita! - a mendiga falava entre choros.

- ...piratas?

- ...estou muito debilitado, por isso sei tão pouco das coisas que acontecem fora dessa casa… - disse o velho.

- Não sei dizer quem são, mas comentam por aí que são piratas perigosos. Fizeram daqui seu território, e muitas pessoas por aqui já foram expulsas e outras… foram até mortas!

- Que… horror! - Melissa foi até a janela, viu a rua onde morava aparentemente deserta, antes bem mais movimentada. - Nossas vendas diminuíram nos últimos anos… deve ser por isso. O que será do destino dessa cidade?

- E de nós, minha filha…

- Ah, padrinho! Não devemos perder a fé! Foi um dos ensinamentos seus, já esqueceu?

- Nada esqueci de sua educação em minhas mãos, Melissa. Apenas temo pelo povo daqui… e principalmente por você, sabe bem disso!

Melissa foi até a mão do padrinho e beijou, e permaneceu sentada aos seus pés. A mendiga passou o dia lamentando e chorando pelo marido, mas decidiu no dia seguinte ir até ao mesmo local em que estavam. O padrinho de Melissa achou arriscado, mas a própria afilhada insistiu também.

- Tenham cuidado! - foi o alerta que ele pode dar, já que não tinha condições de ir junto a elas para defendê-las. - Ah, como queria ter trinta anos menos! E minha visão recuperada…

Somente a bolsa com roupas tricotadas ficou no lugar. O marido e o prato de comida não deixaram sinais por ali.

- Ah! Que faço, agora? - a mendiga se lamentava, abraçando a si mesma.

Uma outra jovem mulher apareceu ali, por sorte era conhecida de Melissa. Era outra pessoa que sempre era ajudada por ela. Ela informou que o marido da mendiga foi violentamente espancado, mas não havia morrido e que estava na casa desta. Com isso, a mendiga seguiu a outra mulher, e Melissa pode voltar para casa. Mas no meio do caminho, encontrou outro problema: um dos guardas local lhe fez frente, aparentando fazer algo nada bom.

- Então é você quem ajuda esses bandidos, não é?

- Ajudo pessoas mais necessitadas que eu, senhor!

- Por isso mesmo! - apontou a lança para ela.

Melissa olhou para os lados, sem ninguém por perto para ao menos denunciar. Ela saiu dali correndo desesperada. A cidade estava mesmo em caos, até os guardas estavam diferentes – antes protetores implacáveis de todos igualmente, agora cruéis que perseguiam justamente os mais pobres. E o guarda não desistiu, saiu atrás da outra que até tinha perdido as sandálias e corria com os pequenos e delicados pés entre pedras e asfaltos. O cabelo grande, de um tom escuro de castanho, tinha se desfeito de um caprichado rabo de cavalo. Ela se sentia perdida ali, e sentiu-se ainda mais quando uma mão a puxou brutalmente, fazendo-a ser arrastada sem tocar os pés no chão. Ela fechou os olhos. Alguém pior a pegou. E o pior veria. Temia por si, principalmente por ser virgem. O que o padrinho diria se encontrasse sua estimada afilhada violentada, ou até mesmo morta. Começou a chorar, como sempre fazia em situações intensas, fossem boas ou ruins. Era de uma sensibilidade a flor da pele, desde as emoções até os sentidos.

- ... - o homem misterioso que a salvou bateu levemente com os dedos em sua testa, como que quisesse que abrisse os olhos.

Ela abriu os olhos lentamente, preparando-se para o pior. Assustou-se com a pessoa que estava diante de si: enorme, cuja cintura era maior que a própria estatura da morena. Parecia ser um jovem rapaz, com roupas extravagantes – até engraçadas -, com uma maquiagem distinta e um capuz na cabeça, cobrindo mechas de um forte tom loiro. Olhos que pareciam irradiar fogo, de um tom avermelhado. Pernas tão compridas e levemente dobradas. Um cigarro na boca. Um tipo muito bizarro, que estava preocupando ela.

- Er… não sei o que estou fazendo aqui! Por que me trouxe até aqui? e… o que quer comigo? - disse Melissa, olhando em volta de si, verificando se o tal guarda estava perto.

Ele pegou um bloco e uma caneta do bolso, e começou a escrever. Ela ficou olhando curiosa diante daquela atitude dele, invés de responder diretamente.

"Ajudá-la." - assim estava escrito por ele no papel de tamanho médio.

Melissa pôs a mão em direção ao coração. Tinha parado de bater tão rápido, estava um pouco mais calma. Mas desconfiada daquele tal homem loiro diante de si.

- Você… quer dar uma lição naquele guarda, é isso?

"Ele já se foi. Pode seguir seu caminho para a casa, mocinha."

- Tudo bem… mas… posso saber ao menos quem é você? Vivo aqui desde criança, e nunca tinha visto um tipo… que nem você! - disse ela, olhando-o de cima para baixo novamente.

O loiro sorriu um belo sorriso e a encarou com bons olhos. Perguntou novamente algo.

"O que achou de mim?"

- Bem… parece ser um homem bondoso… e estamos precisando de pessoas assim, está muito difícil viver em uma cidade que está sob domínio de pessoas perigosas.

"Ah, isso é verdade!" - escreveu ele, com certo sarcasmo em suas feições.

- Deve tomar cuidado, senhor…

"Senhor não, por favor!" - disse ele fazendo um gesto de negação com a mão.

- Mas… como devo chamá-lo, então?

"Segredo."

- Então tudo bem, "segredo", agradeço muito por ter me livrado daquele sujeito. Mas preciso voltar para a casa…

Ele riu da resposta dela.

"Quer companhia de volta para casa?"

- Bem… não precisa… não quero dar trabalho novamente… - ela abaixou a cabeça.

"E se atacarem você no meio do caminho?"

Melissa estava com um pé atrás em relação ao "segredo". Ele poderia ser uma armadilha… ou não. Mas resolveu arriscar.

- Está certo. Confiarei em você, espero que possa ter alguém nessa cidade em que posso confiar. - disse a outra, retribuindo o mesmo sorriso que antes ele deu.

Os dois trocaram olhares silenciosamente, antes dela seguir em frente.

….

Depois de alguns meses que chegou até aquela cidade junto com o bando do irmão, Corazon andava pelas ruas daquela cidade para ver as atrocidades que Doflamingo fazia com os nativos do local. Tudo era só uma questão de tempo… por enquanto, estava apenas seguindo as ordens do líder da família Donquixote. Guardas que eram manipulados por ele estavam afugentando pessoas do local. Ali seria a base dos piratas Donquixote e antes, Doflamingo queria fazer uma "limpeza" no local.

Só não achou justo que uma garota tão frágil fosse cruelmente atingida. Em cima de um muro, observou de longe um guarda que fazia frente a uma jovem graciosa e de aparência frágil, que mesmo assim o enfrentava normalmente, até começar a correr. Foi irresistível de salvá-la. Será que havia outras garotas quem nem ela que já devem ter sido mortas? Ele não poderia salvar mais pessoas, não estava sempre por aquelas bandas.

- Você está aqui há pouco tempo, não é? - Melissa cortou seus pensamentos.

Ele fez com a cabeça que sim.

- Já ouviu falar em um bando de piratas que pode estar causando tudo isso?

Melissa falava tão inocentemente sobre aquilo, achando que ele sequer soubesse dos piratas que estavam fazendo aquela baderna na cidade. A voz morna e suave da moça parecia confortar os ouvidos do loiro. Ele repetiu o gesto de sim com a cabeça.

- Pelo visto, você… não consegue falar, não é? - ela parecia pouco piedosa.

Melissa ia falar mais alguma coisa, quando ele se curvou um pouco para alcançar-lhe o pulso fino, segurando com a dificuldade de manter tal pulso entre sua mão e dedos gigantes.

"Vamos nos apressar!" ele mostrou na nota.

- …

Ela não sabia como agir. O jeito era "obedecê-lo", para evitar qualquer tipo de confusão. Mas foi inevitável lembrar do estado em que se encontrava o local.

- Já estamos tão perdidos… o que mais pode acontecer conosco, de ruim? Há muitas pessoas necessitadas por aqui, inclusive minha família e eu. Se pudéssemos, ao menos, sair da cidade salvos, e que toda a cidade ficassem para vocês…

Aquela natureza bondosa e rendida fascinou o homem, que olhava bem nos olhos cor de mel da outra.

- Se você pudesse falar isso aos seus companheiros piratas…

Corazon a olhou-a como se estivesse chateado.

- Está bem…

"Quem é sua família?"

- Moro com meu padrinho, apenas. Somos apenas dois e precisamos mais de ajuda que muitas famílias grandes… - cortou a morena. - E para mim, ele é uma grande família que ganhei. Está quase cego e só eu ajudo no sustento da casa.

"Pais, Irmãos?" ele queria saber se ela tinha membros consanguíneos em sua família.

- Nem sei direito quem foram meus pais e se tenho algum irmão por aí… mas não quero me estender sobre isso. - ela abaixou a cabeça, com ar pensativo.

"Tudo bem."

Seguiram calados. Estavam perto da humilde casa dela. Corazon observou poucas pessoas em volta, pareciam mendigos. Não queria ser visto com ela, e a parou no caminho, segurando de novo o pulso dela.

"Siga sozinha, agora. Devo ir embora logo."

- … obrigada… já fez muito por mim.

Ela olhou aquela mão segurando-lhe o pulso. Era uma mão rija e forte, fria. Apesar de sua mão e pulso serem bem menores, sentia-os firmes ali. Olhou para ele de novo, que a olhava fixadamente. Parecia assustar com aquilo, mas não o fazia. O loiro não estendeu aquele momento, soltando-a.

"Tenha boa sorte. Até mais!" - ele, dando as costas para ela e acendendo o resto de cigarro que já estava no final, acenando com a mão que tinha o isqueiro.

Com isso, parte do casaco enorme dele começou a adquirir pequenas chamas, o que fez Melissa gritar.

- Olha, seu casaco!

Corazon parou e olhou para o lado, com o isqueiro aceso ainda por cima, tranquilamente como se nem fosse com ele. O fogo aumentou mais. Antes mesmo de tirar o casaco, sentiu uma água com cheiro de terra molhada molhá-lo. Ficou irritado com aquilo.

- Er… mil desculpas… mas é que você estava pegando fogo… e… - Melissa se desculpava entre o medo que sentiu ao ver tal reação. Ela pegou um vaso sem plantas e que tinha água, que estava perto dela. - Desculpe-me por esse cheiro de terra, não quis fazer por mal, é que…

"Cale-se!" - ele escreveu rapidamente naquele bloco de papéis de tamanho médio.

Os olhos amendoados e com íris tom de mel começaram a ficar brilhosos. Ela levemente tremia, parecia que começaria a chorar. E também só esperava o pior então. Corazon a olhou pelo canto dos olhos. Com o casaco nas mãos, ficou fitando-a. Ela também fazia o mesmo. Mas ambas as reações eram diferentes, apesar de parecerem iguais. Ele a puxou mais para perto, afagando-lhe a cabeça como que quisesse consolá-la pelo jeito que a "respondeu".

- Não se preocupe, não estou chateada! - realmente, estava quase um pouco.

Algumas pessoas começaram a olhar os dois ali, discretamente. O loiro percebeu, mas nem se incomodou com os outros. O negócio era com ela. Ele se aproximou e se agachou, ficando quase do mesmo tamanho que ela – ou até um pouquinho maior. Ela ficou bem próxima a ele. Por trás daqueles traços de maquiagem, havia um belo rosto masculino. Traços equilibrados, boca curvada em forma de sorriso, olhos semicerrados.

- Se… se quiser que limpe seu casaco, eu faço. - ofereceu-se a moça, pouco impressionada com aquela proximidade.

Ele aproximou seu rosto mais um pouco. Ainda sem falar nada.

- Sem cobrar nada… o que me diz?

Ele aceitou com um sorriso amigo. Dando o enorme casaco para ela, que teve dificuldade em segurar aquilo tudo, despediu-se dela com um sinal de "até mais" com a mão.

- Amanha, sem falta, seu casaco estará limpinho! - ela respondeu, sem poder vê-lo direito, por causa da enorme peça de roupa que segurava.

Ela entrou em sua casa e pôs o casaco no chão.

- Mas que belo lençol é esse? Apesar de não poder ver direito, dá para perceber tal qualidade nessas penas! - disse o padrinho dela, que veio recebê-la e se surpreendeu com o casaco.

- Não é um lençol, é um casaco.

- Desse tamanho?

- Sim, o dono dele é bastante alto!

- … e quem é esse homem?

- Parece ser ruim, mas é boa pessoa. Salvou-me de um dos guardas que me tentou atacar.

O padrinho sacudia a cabeça. Cada vez que ela contava sobre alguém que queria fazer-lhe mal, dava um desgosto e revolta por dentro.

- Mas esse me salvou, e sem querer, ele danificou o próprio casaco. Ofereci-me para limpar e costurar algo se necessário. Ele vem amanhã buscá-lo.

- Melissa! Sei que você é extremamente prestativa, mas olha como está essa cidade! Não deveria ter se aproximado tanto! E se esse homem for um desses piratas que estão provocando esses acontecimentos por aqui, hein?!

Melissa calou.

- ...desculpa. Não queria preocupar o senhor.

- Sei que não fez por mal… mas pensa novamente no que eu disse antes. E no que sempre disse: confia sempre desconfiando. Sempre fique alerta ao menor dos inofensivos.

- Sei disso, meu padrinho.

- Bom, vendo que com você está tudo bem, voltarei a dormir…

- Voltou as tonturas?

- Sim… aí, vou dormir que melhora. Mas voltarei a descansar, certo? Qualquer coisa, pode me acordar.

- Sim, senhor.

Ela ficou na sala, sozinha com aquele casaco que quase foi em chamas junto com o dono mudo e distraído. Era muito enigmático aquele homem… não dava para dizer se ele era do bem ou mal… mas era melhor ir vendo o casaco antes que ele fosse totalmente do mal, para ela...